Desde que existem sistemas de Justiça, sabe-se que eles podem falhar
Desde que existem sistemas de Justiça, sabe-se que eles podem falhar. Não estamos falando apenas de erros materiais, que são em tese sanáveis por revisões feitas no âmbito do próprio Judiciário. O problema é mais sério. Muitas vezes, a aplicação fria da letra da lei é que causa a situação de injustiça —falha endógena que o sistema não consegue resolver bem.
Um dos remédios criados para lidar com isso é o poder de graça, pelo qual um corpo externo ao Judiciário, em geral o chefe do Executivo, é autorizado a reverter condenações impostas por magistrados. O instituto existe desde a Antiguidade e está presente hoje nas legislações de quase todos os países, ainda que seu alcance e os trâmites para implementá-lo variem bastante.
Todo princípio, porém, já traz as sementes de seu próprio abuso. Donald Trump, a poucos dias de deixar a Casa Branca, anunciou um trem da alegria de perdões presidenciais, que abarcam ex-auxiliares, aliados, contraparentes e até “protegés” de celebridades como Kim Kardashian.
Pior, especula-se que, antes de sair, Trump poderá conceder a si mesmo um perdão preventivo, para que não precise responder por crimes federais que tenha cometido. Mais imaginativo e mais eficiente, o presidente Vladimir Putin, que tem hegemonia completa sobre o Legislativo, sancionou um projeto de lei que dá imunidade jurídica a ex-presidentes do país e seus familiares, não apenas durante o período que ocuparam o cargo, mas por toda a vida. Operações de busca, prisões preventivas e intimações para interrogatórios policiais contra essas pessoas ficam terminantemente proibidas. Como sujeira pouca é bobagem, a norma também dá a ex-presidentes cadeira cativa no Senado.
Para que o leitor não termine o ano deprimido, vale destacar que há aí uma boa notícia. Ao editar a lei, Putin, que está no poder desde 2000, sugere que tem planos de um dia deixar a Presidência.