Gaudêncio Torquato: Identidade e imagem dos políticos

Se há uma ambição comum aos políticos, sem exceção, é construir e manter uma imagem positiva junto aos eleitores, em particular, e perante a sociedade, em geral.
Foto: Ricardo Stuckert
Foto: Ricardo Stuckert

Se há uma ambição comum aos políticos, sem exceção, é construir e manter uma imagem positiva junto aos eleitores, em particular, e perante a sociedade, em geral.

O sonho é quase uma obsessão nesses tempos de pedradas na Geni em que se transformou a política. A imagem dos políticos de todas as esferas está soterrada.

As Casas parlamentares – câmaras de vereadores, assembleias legislativas, Câmara Federal e Senado – recebem nota de desaprovação de brasileiros de todos os rincões e categorias profissionais. Governantes – prefeitos, governadores e presidente da República – são mal avaliados.

O fato é que a sociedade parece de costas para a política, sob um pesado clima negativo que joga as margens da rejeição de políticos para índices acima de 60% a 70%, algo nunca visto.

Afinal, o que significa imagem? Por que ela é tão negativa?

Tentemos esboçar alguns aspectos. Em primeiro lugar, é preciso distinguir imagem de identidade. Por identidade, compreende-se a coluna vertebral do político, englobando coisas como seu pensamento, história de vida, feitos e fatos relevantes de sua trajetória, comportamentos e atitudes. Portanto, a identidade é a verdade do político, o que é e o que representa. O termo origina-se do latim – idem, idêntico, semelhante.

Já a imagem é a projeção da identidade, ou seja, é a percepção que as pessoas formam do agente político, produzida por associação de ideias, observação sobre atos e maneira de ser, comparação desse painel de situações com outros painéis tirados de outros protagonistas.

Essa percepção vai se alongando no território mental dos observadores, a partir das expressões que estes captam, seja por meio de conceitos e ideias, seja por meio da estética (maneira de falar, de vestir, de gesticular etc).
Desse modo, a percepção é o mapa formado do continuum que abriga os atos do cotidiano dos atores políticos. Isso explica, por exemplo, como a boa imagem de um político, plasmada em um primeiro momento, poderá se afunilar e acabar se tornando negativa em um segundo ou terceiro momento.

De tanto repetir os mesmos cacoetes, conceitos politicamente incorretos, gafes e coisas do gênero, figurantes tendem a sair do conforto da boa imagem para o inferno das más avaliações.

A sombra

Para melhor compreensão, atentem para esta imagem: a identidade equivale à sombra abaixo dos pés de uma pessoa submetida ao sol do meio dia. Não se vê resquício de sombra, eis que os raios do sol incidindo sobre o centro da cabeça não a deixam aparecer. Entendamos que, sob o sol do meio dia, a imagem corresponde exatamente à identidade.

À medida que o sol se inclina no poente, os raios, incidindo sobre o corpo de uma figura, alargam sua imagem, desenhando no chão a projeção de sua massa corporal.

Assim, ao se pôr, o sol deixará no chão extensa imagem projetada do corpo, um traçado desengonçado, diferente do desenho mais próximo que se registra, por exemplo, às 13 ou às 14 horas. Quanto mais esgarçada, mais a imagem distorce a identidade.

Esse fenômeno ocorre com políticos ou celebridades. Alguns conseguem manter a imagem próxima à identidade, mas a maioria já não consegue. Na projeção, algumas imagens adentram a esfera positiva, tornando-se extraordinárias, dignas de elogios. Outras, não. Mais parecem monstrengos. Apliquemos as abordagens a algumas de nossas figuras públicas.

Quem está com a imagem no altar da admiração? Sérgio Moro, um deles. Sua identidade é a do juiz sério, que cumpre a missão profissional e desperta a alma cívica. Passou a encarnar os valores de justiça, dignidade, ética, autoridade, ordem e dever de ofício. Sua imagem acolhe valores inerentes à identidade. No caso, identidade e imagem caminham juntas. Se alguém enxerga nele imagem de super-herói é por conta do vácuo ético aberto pela esfera política. Moro passa a ser a resposta à indignação.

A falta de racionalidade

E Lula?

É um caso sui generis. Se a racionalidade estivesse mais presente na alma nacional, estariam ele e Dilma mergulhando nos rios de sangue fervente e tomando banho de chuva permanente de brasas no 7º circulo do inferno de Dante. A razão?

Porque os cordões umbilicais de ambos estariam amarrados à maior recessão da história brasileira, sendo os responsáveis por nossos milhões de desempregados. Infelizmente para a classe artística, Lula é a encarnação da divindade.

A crise que produziu o maior rombo fiscal de todos os tempos, para os artistas, Gleisi Hofmann e companhia, é obra de golpistas. Risível.

A emoção dá as cartas. Sob o colchão emotivo, Lula continua a receber as bênçãos de grande parcela da população nordestina. Que enxerga nele o despachante de grandes obras sociais, o semeador que plantou o Bolsa Família e outras benesses.

Não é que a imagem do ex-presidente acaba de melhorar segundo o Ibope?

O mito não será varrido do cenário. Entrará no pleito e, podem acreditar, administrará a campanha ou a não campanha (se não for candidato) com fervorosa emoção. Será um Cristo conduzindo a cruz até o calvário.

O mesmo pode se dizer da ex-presidente Dilma Rousseff. Não duvidem se chegarmos a vê-la no Senado em 2019, eleita em outubro de 2018 como senadora do…..Piauí. Os piauienses, compadecidos, poderão conceder à ex-presidente responsável pelo rombo-Brasil o título de Excelência Senatorial (não sanatorial).

Mas, voltando à questão da imagem. O tempo vai apagando mágoas e defeitos. Ouve-se no Nordeste que “Lula roubou, mas fez”.

A lembrança vem a propósito de Paulo Maluf. Preso após antiga pendenga na Justiça, Maluf é o político mais identificado com o lema criado por Ademar de Barros na década de 50: “rouba, mas faz”.

Constata-se, porém, que, aos 86 anos e com câncer, o ímpeto social contra sua figura arrefece. Já não se vê tanta indignação em relação a Maluf. Foi purgado em parte pela roubalheira desses tempos nebulosos.

Ouvi esta semana: “diante dos grandes ladrões, Maluf virou trombadinha”. Diminuiu de porte.

Em tempo: triste é ver uma Nação transformar calhordas em heróis. Ou lobos vestindo a pele de cordeiros.

* Gaudêncio Torquato é  jornalista, professor titular da USP, consultor político e de comunicação

 

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