Fernando Limongi: O epicentro do terremoto

Sistema partidário foi implodido fora do Norte e Nordeste.
Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil
Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

Sistema partidário foi implodido fora do Norte e Nordeste

O sistema partidário brasileiro ruiu. A estrutura partidária que emergiu da transição foi seriamente abalada pelos resultados da última eleição. A vitória de Bolsonaro, assim como as de Wilson Witzel e Romeu Zema para os governos do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, anunciam novos tempos. A despeito das críticas recorrentes, o fato é que o país tinha uma estrutura partidária estável e o resultado das eleições seguiam parâmetros conhecidos. Sabe-se lá qual quadro partidário emergirá com as vitórias do PSL, PSC e do NOVO.

A partir de 2006, os resultados das eleições presidenciais adquiriram contornos regionais claros, sendo possível distinguir dois grandes redutos eleitorais, o do PT, cujas bases se localizavam nas regiões norte e nordeste, e o do PSDB, com maior penetração eleitoral nas demais regiões do país. A cada nova eleição, o contraste entre estes dois redutos foi ganhando contornos mais nítidos, chegando a seu ponto mais alto em 2014.

Se olhada apenas do ponto de vista da distribuição regional dos votos, a eleição de 2018 não foi inteiramente diversa das anteriores, já que o desempenho de Bolsonaro seguiu de perto o de Aécio, enquanto o de Haddad espelhou o de Dilma. De fato, o presidente eleito conquistou o reduto eleitoral do PSDB, ao passo que o PT foi capaz de preservar sua área de influência. As mudanças ocorridas, contudo, vão além.

A relação entre as votações obtidas por Bolsonaro e pelos candidatos eleitos ao governo nos estados das regiões sul, sudeste e centro-oeste foi notada em diversas análises. Zema e Witzel são os casos mais conspícuos, mas não os únicos. O fato é que, nos redutos eleitorais do PSDB, praticamente todos os candidatos situacionistas aos governos estaduais foram derrotados. João Doria é a exceção que confirma a regra, pois colou em Bolsonaro e se comportou como um candidato de oposição. O colapso do PSDB em seu reduto, portanto, vai muito além do fracasso de seu candidato presidencial. O partido e seus aliados perderam o controle sobre as eleições estaduais.

No nordeste, deu-se o inverso. Na maioria dos estados, sobretudo nos mais populosos, governadores aliados ao PT cumpriam seu primeiro mandato e, portanto, puderam concorrer à reeleição. Além disto, quase todos, chegaram à eleição com alta popularidade e, ajudados por estas condições favoráveis, foram capazes de montar chapas praticamente imbatíveis. Em dois estados, no Maranhão e no Ceará, os governadores reuniriam em torno de si coligações que contavam com nada mais, nada menos que dezesseis partidos. Ou seja, os governadores não deixaram espaço à oposição, garantindo assim uma reeleição tranquila e sem maiores sustos. As coligações montadas na Bahia e no Piauí foram um pouco menores, mas igualmente avantajadas e com os mesmos resultados práticos. Em resumo, na maioria dos estados do nordeste, a oposição foi incapaz de montar uma coligação de peso capaz de ameaçar a reeleições dos governadores. A retirada da candidatura de ACM Neto ao governo da Bahia exemplifica o ponto.

Assim, ao contrário do que se deu com o PSDB, o PT conseguiu manter a força em seu reduto eleitoral, mas o fez, e este é o ponto que precisa ser enfatizado, contando com os votos controlados pelos governadores alinhados ao partido. E não se deve esquecer que, em mais de uma ocasião, estes mesmos governadores criticaram abertamente a prioridade que o partido deu à candidatura presidencial de Lula. Em outras palavras, o partido sobreviveu no nordeste porque os governadores da região adotaram estratégias próprias, calcadas em seus próprios interesses eleitorais.

Obviamente, é impossível saber qual teria sido a votação de Haddad na região sem a contrapartida das candidaturas aos governos estaduais que o apoiaram. A análise dos resultados urna à urna mostra forte correlação positiva entre as votações aos governos estaduais e à presidência na região, relação bem mais forte do que se viu em 2014. No mínimo, portanto, a votação em Haddad foi partidária. Além disto, é incontroverso que os governadores teriam votações expressivas mesmo se o PT não tivesse candidato à presidência e que, por outro lado, Haddad teria menos votos na região se não contasse com o suporte dos governadores. Colocando as questões nestes termos, pode-se relativizar a influência de Lula na votação de Haddad.

No restante do país, em especial nas regiões sul e sudeste, a votação de Haddad foi para lá de inexpressiva, mesmo entre os eleitores de menor nível educacional, isto é, mesmo entre os votantes tradicionais do partido. Nestes estados, o PT não conseguiu montar palanques locais para dar suporte a seu candidato presidencial. Em geral, os candidatos do partido ao governo foram apoiados apenas pelo PCdoB.

Em suma, a estratégia eleitoral do PT o confinou ao nordeste, que sobreviveu graças à força eleitoral de governadores, que desconsideraram a orientação nacional do partido. O partido se isolou politicamente, ao insistir em uma candidatura juridicamente inviável, a de Lula.

De outro lado, o PSDB chegou dividido à eleição entre uma ala que privilegiava a associação com o governo Temer e outra que apoiava movimentos de renovação que impulsionavam a candidatura de Luciano Huck.

Assim, se houve um terremoto nestas eleições, seu epicentro esteve no centro-sul e foi precedido pela implosão dos grandes partidos.

*Fernando Limongi é professor do DCP/USP, da EESP-FGV e pesquisador do Cebrap.

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