Fernando Exman: Defesa armada, mas falta plano de ataque

Relação com o Centrão deve ter momentos de crise.
Foto: Isac Nóbrega/PR
Foto: Isac Nóbrega/PR

Relação com o Centrão deve ter momentos de crise

Foi bem-sucedida a operação do governo Jair Bolsonaro de construir um cordão sanitário na Câmara dos Deputados. A defesa política foi estruturada, mas ainda falta a amarração, entre o Executivo e o Legislativo, de um plano concreto que concilie a aprovação de medidas para atacar os problemas do país no pós-pandemia a garantias de sustentabilidade fiscal de longo prazo.

É com essa preocupação que hoje trabalham a equipe econômica e os articuladores políticos do Palácio do Planalto, quando tratam da pauta legislativa com representantes da nova base governista. As reuniões têm sido frequentes. No governo, espera-se que a desconfiança, uma sensação de que a parceria com o Centrão não será perene e pode acabar a qualquer momento, vá se dissipando com a aprovação de projetos considerados estratégicos.

Essa aproximação recolocou o Centrão no lugar que ele sempre ocupou no Congresso, o posto de fiador da governabilidade. Desde que decidiu abrir de vez o processo seletivo para indicações políticas, o governo conseguiu arregimentar mais de 200 votos entre os 513 deputados federais. Um excelente ponto de partida para quem andava acompanhado de pouquíssimos parlamentares.

Por outro lado, a base não garante a aprovação de propostas de emendas constitucionais. Tampouco dá a segurança desejada por todo governante de que projetos de alto impacto fiscal não prosperarão com facilidade no Congresso. O histórico do Centrão permite que as autoridades do Executivo se perguntem até quando irá durar o discurso de compromisso com a responsabilidade no manejo do Orçamento apresentado por lideranças do grupo.

Além disso, o Centrão não é um bloco monolítico. Esses partidos sempre atuaram em conjunto para garantir apoio a todos os governos dentro do Congresso. No entanto, disputam espaços na máquina pública federal e muitas vezes são adversários nos Estados. Têm também projetos políticos conflitantes para a sucessão de Rodrigo Maia (DEM-RJ) na presidência da Câmara dos Deputados.

Esses planos, inclusive, já começam a ganhar corpo e a gerar desentendimentos durante as votações no plenário da Câmara.

A condução dos trabalhos legislativos tende a ficar mais tensionada, à medida que se aproxima a eleição para a Mesa Diretora da Casa. A disputa está marcada para fevereiro, mas os pré-candidatos já se movimentam. Muitos querem imprimir suas digitais em pautas de interesse do setor privado, de corporações ou em propostas com amplo apoio popular. Justamente o tipo de matéria que outros governos passaram a chamar de “pautas-bomba”.

Caberá ao presidente e a seus articuladores a mediação das diferentes aspirações políticas de cada um desses grupos, enquanto fazem as contas sobre os impactos das propostas apresentadas por parlamentares dessas siglas. Desentendimentos também poderão surgir em relação ao processo de desestatização que o governo pretende destravar neste segundo semestre. O ministro da Economia fala em realizar até quatro grandes privatizações, mas este não é um assunto muito popular entre os novos amigos do Planalto.

Há outros temas em discussão. Governo e base terão que chegar a um acordo em relação à reforma tributária e ao fim de benefícios fiscais, num momento em que governadores, prefeitos e setores da economia não estão dispostos a ceder. Líderes do Centrão sempre tiveram boa interlocução com o setor produtivo e o mercado financeiro.

Ainda gera dúvidas, também, como se dará a atuação da nova base nas discussões sobre o destino do auxílio emergencial e da instituição do novo programa social do governo. O certo é que os parlamentares também irão querer usar essas votações para terem uma nova bandeira política para erguer e se contrapor à esquerda. Não está claro, para o Executivo, quanto isso pode custar.

Há outros riscos e outras oportunidades em jogo para ambas as partes. Os parlamentares do Centrão mantiveram um relacionamento proveitoso com os governos do PT, e desde o início do ano passado ouvem de auxiliares do presidente que apenas o sucesso da gestão Jair Bolsonaro pode impedir o retorno da esquerda ao poder em 2022.

Muitos deles não concordam com a tese nem a encaram com preocupação, mas sabem que tendo o apoio do governo podem ganhar mais tanto nas disputas internas da Câmara quanto em suas bases eleitorais.

Eles esperam, por exemplo, receber crédito pelas realizações da administração Bolsonaro em seus Estados. O Ministério das Comunicações deve desempenhar papel fundamental no esforço de impedir que os adversários do governo tentem se apropriar de inaugurações de obras que estiveram paralisadas e forem concluídas. Isso valerá para parlamentares, mas também governadores e prefeitos. Um dado importante para os deputados e senadores que precisam de argumentos para fortalecer suas bases políticas antes das próximas eleições.

Passada a pandemia, os parceiros do Planalto também esperam poder acompanhar o presidente em visitas a seus Estados – uma demanda tradicional no meio político mas que até agora era um privilégio de poucos. Isso já havia mudado nas recentes viagens do presidente ao Nordeste e a Santa Catarina, antes de ele ser diagnosticado com covid-19.

Tudo isso terá que ser feito sem que Bolsonaro crie conflitos com a base que o elegeu. O desafio do governo é construir um novo caminho e, ao mesmo tempo, convencer os bolsonaristas mais fiéis de que o destino final da jornada será aquele prometido na campanha presidencial. Um desafio e tanto depois da substituição dos vice-líderes mais identificados com o bolsonarismo raiz.

Um outro teste de fogo para a coesão da nova bancada se dará quando o presidente voltar a trabalhar com afinco na criação de seu próprio partido. Dificilmente essa tarefa será realizada sem atingir os interesses locais dos seus aliados.

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