Proposta que cria regime excepcional fiscal e financeiro é arma poderosa
A gravidade da crise disparada pelo espalhamento da Covid-19 requer ações contundentes do Estado. Em tempos de guerra, gastos públicos vultosos serão necessários e precisarão ser planejados e executados com uma eficiência incomum. É recomendável ter um orçamento apartado para dar total transparência a fontes e usos de recursos e para blindar as contas públicas do risco de desarranjo e insustentabilidade.
A flexibilidade já está contemplada na Lei de Responsabilidade Fiscal e no teto de gastos (exceção para créditos extraordinários). Após a aprovação da calamidade pública pelo Congresso, endossada pelo STF, causou perplexidade a demora do governo federal em agir. Medidas provisórias criaram dotações extras para gastos com saúde com a intenção de tentar preservar empregos e distribuir renda mensal temporária, além de reforçar fundos de participação. A emergência certamente as justifica, mas está claro que falta um conjunto consistente de ações, de atos, de gastos e de dívidas.
Uma melhor ordenação desse esforço de guerra é regulada pela Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de iniciativa do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ). A PEC propõe um regime especial fiscal e financeiro para combater desde o coronavírus até os seus efeitos colaterais sobre a sociedade e a economia. Possibilitará a alocação e a aplicação céleres de recursos públicos na saúde (inclusive compra e requisição de bens e serviços), na proteção social e na reação à recessão econômica.
Um comitê gestor comandará todas as ações da crise, composto por representantes das três esferas de governo. O Congresso deverá emitir parecer sobre todas as medidas provisórias de aumento de despesas em até 15 dias. A regra de ouro será suspensa durante a calamidade, já que é inevitável contrair dívida pública para financiar custeio da saúde e transferências assistenciais.
Proposições legislativas ficarão imunes às amarras, desde que não criem compromisso permanente do gasto público. Não se poderá, por exemplo, contratar novos servidores permanentes ou reajustar salários.
Além das matérias fiscais, a PEC proposta contempla alterações na atuação do Banco Central e em suas relações com o Tesouro Nacional para promover uma intervenção emergencial. Permitirá a concessão direta de crédito para empresas, em linha com o que outros países têm feito.
A construção do orçamento de guerra pode ser reforçada e complementada por outras propostas de lei complementar, ordinária e decreto legislativo. Elas podem dar mais fluidez ao processo de contratação e fiscalização das despesas, na crise, e, ao mesmo tempo, assegurar conforto aos gestores compatível com atos tomados em caráter emergencial, sem prejudicar a transparência.
Em particular, há um projeto do senador José Serra (PSDB-SP) que cria um fundo para estruturar o arcabouço orçamentário, podendo incluir até recursos privados para financiar a construção de hospitais e leitos de UTIs, contratar médicos, comprar remédios e testes, dentre outras ações.
É importante atentar que o SUS é organizado de forma descentralizada. Especialmente na assistência médica, cerca de 95% do gasto é executado diretamente pela rede hospitalar estadual e municipal. A guerra é sempre nacional, e um orçamento unificado permitirá integrar e conciliar o financiamento centralizado com ações descentralizadas.
Traçar uma fronteira entre as contas públicas de guerra contra o coronavírus e o orçamento regular dará a agilidade necessária para enfrentar a emergência e assegurará o controle e a transparência. Serão várias frentes de batalha: saúde, proteção social, produção e crédito.
A proposta iniciada pela Câmara dos Deputados para criar um regime excepcional fiscal e financeiro é uma arma poderosa para o Brasil vencer essa guerra pela vida.
*Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal e autor do livro ‘Finanças públicas: da contabilidade criativa ao resgate da credibilidade’ (ed. Record)
*José Roberto Afonso, doutor em economia pela Unicamp, professor do Instituto de Direito Público (IDP) e conselheiro da IFI