Vereadora pelo PPS-SP, Soninha Francine acredita que o fim do monopólio das organizações criminosas em relação à comercialização da maconha, poderia fazer com que a droga deixasse de ser a porta de entrada para o crime
Por Germano Martiniano
A FAP Entrevista desta semana é com a vereadora Soninha Francine (PPS-SP). Soninha, como é conhecida, é formada em cinema pela ECA-USP, mas foi no jornalismo que ganhou notoriedade, primeiramente, como VJ da MTV Brasil, depois pela TV Cultura e, por fim, como apresentadora da ESPN Brasil. Na vida política, seu primeiro mandato como vereadora foi pelo PT, em 2004, defendendo temas ligados a população LGBT, esporte, cultura, acessibilidade e meio-ambiente, entre outros. A entrevista faz parte de uma série que a FAP está publicando, aos domingos, com intelectuais e personalidades políticas de todo o Brasil, com o objetivo de ampliar o debate em torno do principal tema deste ano: as eleições.
Em 2006, Soninha também tentou ser deputada, também pelo PT, mas não conseguiu ser eleita. Chegou a se candidatar para prefeitura de São Paulo em 2007, quando já estava no PPS. Apesar de não ter ganho as eleições, conseguiu bom número de votos e foi nomeada, pelo prefeito de São Paulo na época, Gilberto Kassab, subprefeita da Lapa. Em 2015, assumiu a Coordenadoria de Políticas para a Diversidade Sexual de São Paulo, no governo de Geraldo Alckmin.
Atualmente, Soninha é vereadora da cidade de São Paulo, eleita com 40.113 votos em 2016. Antes de assumir a vaga na Câmara Municipal, chegou a atuar na Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social do governo Doria, da qual saiu com a polêmica justificativa do prefeito de não possuir o perfil necessário para administrar a pasta municipal.
“Poderia fazer mais na Secretaria se realmente tivesse poder para escolher equipe, traçar planos e metas, executar programas, gerenciar os recursos. Tive pouquíssima liberdade e cada vez menos poder”, disse Soninha, sobre a demissão para a FAP. A vereadora também conversou sobre outros temas na entrevista, inclusive, sobre a legalização da maconha: “Se o comércio de maconha deixasse de ser monopólio de organizações criminosas, ela deixaria de ser a porta entrada para o crime”, destacou.
Confira, a seguir, alguns trechos da entrevista:
FAP – Como você avalia este primeiro ano como vereadora da cidade de São Paulo? Quais têm sido os principais desafios e conquistas?
Soninha Francine – Estamos em um momento exemplar de uma das maiores dificuldades aqui: DEBATER. A Câmara tem estado cercada de milhares de manifestantes protestando contra um projeto de lei que não diz o que eles rejeitam! Mas tem sido impossível expor o conteúdo, explicar o que significa, analisar a justificativa, ouvir objeções e sugestões. Diante de qualquer tentativa de diálogo, a reação é “RETIRA”! Mas sim, temos conquistas também, e a melhor delas, paradoxalmente, foi ter contribuído para que HAJA debate na Casa entre os vereadores. No meu primeiro mandato, isso não acontecia. Havia uma divisão na casa que separava governo e oposição, e os debates – na verdade brigas -, não se davam em torno das propostas legislativas, mas alternavam ataques e contra-ataques, muitos deles pessoais. E vereadores muito raramente argumentavam em relação às matérias de colegas. Neste mandato, vejo isso acontecendo com naturalidade e respeito, e me orgulho de ter influenciado nessa direção.
Você chegou a trabalhar na Secretaria de Assistência Social do governo Doria. Está satisfeita como vereadora ou acredita que, na secretaria, poderia estar fazendo mais pela cidade?
Poderia fazer mais na Secretaria se realmente tivesse poder para escolher equipe, traçar planos e metas, executar programas, gerenciar os recursos. Tive pouquíssima liberdade e cada vez menor poder. Sempre se pode fazer muito mais no Executivo, desde que se tenha respaldo. Diante disso, na Câmara, tenho sido mais útil para a cidade, mesmo que nosso trabalho aqui não seja tão visível (mas é muito visado). Mas se eu não tivesse sido secretária e trabalhado com o prefeito nos dois meses anteriores à posse e nos três seguintes, não saberia metade do que sei hoje sobre o atual estado das coisas na administração pública e na assistência social. Como diz um amigo meu (Sérgio Gomes, da Oboré), “não existe trabalho perdido”.
Quais tem sido suas principais pautas de trabalho como vereadora?
Costumam me dizer que eu tenho pautas demais. São muitos os temas que me interessam e com os quais me envolvo: populações vulneráveis (população de rua, mulheres, crianças e adolescente, idosos, LGBT, pessoas com deficiência, animais); energia, alimentação e resíduos; cultura, esporte e lazer; saúde mental e política de drogas; moradia, mobilidade e uso do solo; finanças públicas. Como eles são absolutamente interdependentes, não é tão difícil assim. Temos princípios que permeiam todos eles, como transparência, clareza e envolvimento; e as linhas de ação: #fiscalização, #investigação, #articulação, #comunicação, #produçãolegislativa. Juro que a gente mexe com isso tudo e ainda por cima analisa projetos na Comissão de Finanças. Participei de duas CPIs, em uma delas como relatora, e estou indo para a terceira. Passei pela CCJ, sou da Comissão Extraordinária de Direitos Humanos, da Comissão da Criança e Adolescente, da Subcomissão de estudos sobre a Cohab, da Frente Parlamentar de Assistência Social e da Frente Parlamentar São Paulo 2030. Deve ter mais alguma coisa que estou esquecendo agora…(risos)
Você sempre foi conhecida publicamente por defender pautas progressistas como o aborto, LGBTS, legalização da maconha, etc. Acredita que o país está avançando na discussão destes temas?
Sim, e muito. Embora haja uma onda reacionária, com muitos parlamentares e outras lideranças querendo revogar direitos consagrados e reconhecidos, nunca tratamos com tanta amplitude e visibilidade assuntos delicados como orientação sexual, identidade de gênero, papeis de gênero e até a “bendita” legalização da maconha. Neste caso, pela exaustão cada vez mais evidente do modelo da guerra às drogas. Já vi um apresentador de telejornais policialescos, em emissora ligada à Igreja Universal (ok, a Record..) (risos), dizer: “Não sou a favor dessa história de legalizar a maconha. Mas será que não resolveria? Porque precisamos pensar em fazer de outro jeito, que esse não está funcionando”. Sinal que o tema está cada vez mais próximo de um debate normal e não de um tema tabu.
A violência no Rio de Janeiro trouxe à tona, novamente, a questão da legalização da maconha. Acredita que a legalização poderia amenizar a violência no Brasil?
Tenho absoluta certeza. A narcoeconomia é uma das mais poderosas do mudo, no volume de recursos movimentados e no poder de influência. Compram-se armas e autoridades. Negócios inicialmente legais, como postos de gasolina, são usados para lavagem de dinheiro. Vender drogas é o de menos; vender proteção, privilégios e sedução é o que realmente faz mal à sociedade. Se o comércio de maconha deixasse de ser monopólio de organizações criminosas, ela deixaria de ser a porta entrada para o crime.
A violência na cidade de São Paulo, é muito diferente da que se vê no Rio de Janeiro?
Diferente porque em São Paulo ainda há certos pudores, o que significa que o tecido social está esgarçado, mas não rompido. O Rio se desagregou, de tal forma, que até as regras tácitas do crime em suas relações com a sociedade em geral foram rasgadas. A violência não tem hora nem lugar, não tem idade nem classe social. Jovens fortes agridem mulheres idosas à luz do dia; arrastões acontecem nas praias e nos ônibus; pequenos comércios de bairro são assaltados com fuzis. Rajadas de metralhadora são ouvidas todos os dias em diversos lugares; milícias disputam o poder com o narcotráfico. As contas do estado não fecham e servidores deixam de receber salários e aposentadorias. A violência não perdoa ninguém – os ricos, a classe media e os pobres. O crime organizado é mais escancarado e os governantes, mais envolvidos. É uma comparação macabra, mas reveladora: na disputa pelo comando do tráfico na Rocinha, uma facção invadiu a favela com grande estardalhaço, deixando um rastro de violência e mortes à sua passagem. Na guerra entre lideranças do tráfico em São Paulo, três foram eliminados cirurgicamente (dois no Ceará, entre eles Gegê do Mangue, e um em São Paulo), sem atingir ninguém à sua volta. No Rio, com armas à vista o tempo todo como sinal de status, mais jovens são seduzidos pela vida de violência, agressividade e risco.
Como avalia o governo Doria? Há quem diga que ele abandonou um pouco a cidade durante um tempo, quando se empolgou com a corrida presidencial, você concorda?
Acho que foi menos a empolgação e mais o desapontamento com a própria prefeitura. O prefeito confiou demais no poder da motivação, empolgação e parcerias com o setor privado; não conhecia a profundidade abissal da burocracia e dos problemas da cidade, nem a complexidade das relações políticas. E ainda teve de lidar com uma lei orçamentária muito mal feita (receitas superestimadas e despesas subestimadas) e um aperto financeiro significativo. O melhor do governo João Dória é o Secretariado, que já sofreu algumas baixas, mas ainda tem nomes espetaculares, de muita seriedade e competência.
Qual sua expectativa para as eleições presidenciais deste ano? Acredita em renovação política?
Sempre torço e, prudentemente, nunca aposto em renovação política. Cansei de ouvir dizer duas profecias furadas: “Fulano está morto para a política” e “Desta vez, as pessoas vão votar diferente”. Os defuntos vivem emergindo vitoriosos das urnas. Mas se não acreditar em renovação, ou ao menos em mudanças para melhor, não tenho por que continuar nessa vida. Certamente vou me engajar na campanha de algum candidato a presidente, aquele que combinar postura, ideias e competência necessárias para ter meu voto, e que tiver mais chances de derrotar os mais horrorosos.