FAP Entrevista: Maria Alice Rezende

"Não há propriamente uma partidarização do Judiciário e sim a ocupação de um vazio deixado pela fraqueza do sistema político no encaminhamento de soluções para a crise política e social do país", diz Maria Alice Rezende.
Foto: Álbum pessoal
Foto: Álbum pessoal

“Não há propriamente uma partidarização do Judiciário e sim a ocupação de um vazio deixado pela fraqueza do sistema político no encaminhamento de soluções para a crise política e social do país”, diz Maria Alice Rezende

Por Germano Martiniano

Nesta segunda-feira (30) será lançado, no Rio de Janeiro, o livro “Diálogos gramscianos sobre o Brasil atual”, de Luiz Werneck Vianna, que é uma coletânea de entrevistas realizadas com o sociólogo desde o inicio do governo Lula, em 2003, até os dias atuais. O prefácio da obra ficou a cargo da também socióloga Maria Alice Rezende, a entrevistada deste deste domingo da série FAP Entrevista, que a Fundação Astrojildo Pereira está publicando, aos domingos, com intelectuais e personalidades políticas de todo o Brasil, tem o objetivo de ampliar o debate em torno do principal tema deste ano: as eleições.

Licenciada em História pela PUC do Rio de Janeiro (1975), Mestre em História Social pela UNICAMP (1983) e Doutora em Sociologia pelo IUPERJ, Maria Alice escreveu, em conjunto com Werneck Vianna, há vinte anos, o livro “Corpo e alma da magistratura brasileira”. Questionada na entrevista à FAP sobre o atual momento do judiciário brasileiro, ela foi enfática: “Não há propriamente uma partidarização do Judiciário e sim a ocupação de um vazio deixado pela fraqueza do sistema político”.

Em relação ao livro de Werneck, Maria Alicia considera que o autor, apesar do momento político brasileiro e todas as dificuldades inerentes a ele, valoriza a democracia como uma conquista superior da sociedade brasileira. “Werneck Vianna aponta para o fato de que nesse cenário político brasileiro, aparentemente desolador, há algo que a sociedade conquistou irreversivelmente: a democracia política”, destacou a socióloga.

Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista de Maria Alice Rezende de Carvalho:

FAP Entrevista – Werneck tem se consolidado como uma referência clássica dos estudos sociais no nosso país e é também um intelectual público. Por que este tipo de intelectual parece ausente no Brasil de hoje?
Maria Alice Rezende – A reflexão social no Brasil obedeceu a um processo de institucionalização universitária, que conhece permanente e crescente especialização. Tal fato parece estar na origem disso que você identifica como uma diminuição da presença do intelectual público no Brasil. De fato, o intelectual público singular, como Werneck Vianna, capaz de intervir na vida nacional, escasseia. Mas esse tipo de intelectual vem sendo substituído por intelectuais coletivos, por agências intelectuais que, inclusive, extrapolam o ambiente universitário, tendo como objeto o país, suas vicissitudes, suas potencialidades.

As entrevistas de Werneck, agora reunidas em livro, que lugar ocupam na obra deste intelectual?
Penso que o livro “Diálogos gramscianos …” é particularmente interessante para a divulgação do pensamento de Werneck Vianna, pois ele combina a erudição do autor, a perspectiva histórica de que sempre faz uso em suas análises, com a sensibilidade dos grandes analistas de conjuntura. Além disso, as entrevistas resumem a original combinação que Werneck instituiu entre Antonio Gramsci e Alexis de Tocqueville, sobretudo na valorização das associações da sociedade civil – os chamados grupos intermediários, em Tocqueville, e as agências privadas de hegemonia, em Gramsci.

Quais respostas o livro de Werneck poderia dar para o atual momento político brasileiro?
Uma resposta abrangente – a democracia como forma superior de luta e como via nobre para a construção de uma sociedade cada vez mais justa e livre, que mire o socialismo. Penso que nesse livro, Werneck Vianna aponta para o fato de que nesse cenário político brasileiro, aparentemente desolador, há algo que a sociedade conquistou irreversivelmente: a democracia política.

A linha de estudos sobre o Judiciário, da qual a senhora também participou junto com Werneck, credencia muito a ambos na cena atual. Estamos, afinal, diante de uma “revolução dos santos” protagonizado pelos operadores do Direito? Em que medida há abusos e interferências em outras esferas?
Há vinte anos, o livro “Corpo e alma da magistratura brasileira”, de autoria dele e minha, cumpriu o importante papel de apresentar um novo ator da democracia: o juiz de Direito. A análise que empreendemos naquele contexto nos credenciou a produzir, agora, uma outra pesquisa, novamente a pedido da Associação dos Magistrados Brasileiros, sobre o perfil da magistratura atual, em que alguns de seus quadros se comportam orientados por uma perspectiva ativista e salvacionista. Estamos tentando traçar um quadro mais preciso dessa nova geração de magistrados, respeitando sua diversidade e os elementos constitutivos da identidade daquele grupo profissional.

Terá avançado a partidarização do Judiciário além de um ponto tolerável?
Não há propriamente uma partidarização do Judiciário e sim a ocupação de um vazio deixado pela fraqueza do sistema político no encaminhamento de soluções para a crise política e social do país.

A senhora é uma grande estudiosa do fenômeno histórico das cidades brasileiras. O Brasil urbano que se construiu a partir do século XX é um bom lugar para se viver ou necessita de reformas profundas dentro do contexto de democratização? Quais seriam as reformas?
É claro que as cidades brasileiras necessitam de profundas e urgentes reformas, principalmente aquelas voltadas à superação da imensa desigualdade reinante no mundo urbano brasileiro. As cidades em que vivemos expõem a tragédia de uma história de exclusão e de subjugação das classes subalternas. É ali que se joga o futuro da democracia brasileira.

Por que o comunismo democrático brasileiro das décadas de 60, 70 e 80 esgotou-se, não conseguindo ser um vetor para as instituições brasileiras? E qual o destino daquilo que se chama pós-comunismo?
Penso que a experiência do “comunismo democrático” não se esgotou simplesmente. Houve, por parte dos setores dogmáticos do PCB, um alijamento das vanguardas que lutavam pela democracia política. Mas o que se pode dizer é que há consenso na esquerda moderna quanto à necessidade de deslocamento do horizonte do comunismo, pois o que se impõe à cena contemporânea é a luta anti-capitalista, socialista. Fica para a história a resolução dos dilemas para a construção de uma sociedade comunista…

Sobre os movimentos sociais, por que eles foram se despolitizando e se afastando da política, assim como, a política se afastou deles?
Sob a égide dos governos do PT, os movimentos sociais, tal como aponta Weneck Vianna em suas entrevistas, foram estatalizados, perderam sua autonomia e luz própria.

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