FAP Entrevista: Marcus Vinicius Oliveira

Aliança de Alckmin com o “Centrão” é ambígua por não trazer mudanças significativas para o país, apesar de criar governabilidade, avalia Oliveira.
Foto: Álbum pessoal
Foto: Álbum pessoal

Aliança de Alckmin com o “Centrão” é ambígua por não trazer mudanças significativas para o país, apesar de criar governabilidade, avalia Oliveira

Por Germano Martiniano

Marcus Vinicius Oliveira faz parte de uma nova onda de jovens intelectuais ligados à centro-esquerda. Graduado em história pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), é autor do livro Em um rabo de foguete: trauma e cultura política em Ferreira Gullar. A obra, uma revisão de sua dissertação de mestrado, foi baseada na trajetória política do poeta ex-militante do PCB. Também dirigente da Fundação Astrojildo Pereira, o historiador é o entrevistado desta semana da FAP Entrevista, série publicada aos domingos com intelectuais e personalidades políticas de todo o Brasil com o objetivo de ampliar o debate em torno do principal tema deste ano: as eleições.

Com o período eleitoral prestes a começar, os partidos políticos e candidatos correm para fechar suas alianças até 15 de agosto. Uma das mais comentadas dos últimos dias foi o acordo do presidenciável Alckmin com o chamado “Centrão”. Para Marcus Vinicius Oliveira, que também é doutorando em História e Cultura Política pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), este acordo é ambíguo, pois, se por um lado cria governabilidade, por outro, parece ser mais do mesmo na política brasileira.

“Essa aproximação é positiva na medida em que procura recompor uma força política que ameaça se romper em virtude da polarização política brasileira. No entanto, a formação desse Centro traz riscos históricos à política brasileira, como à impossibilidade de realização de alterações significativas na ordem social, econômica e política”, avalia Oliveira.

Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:

FAP Entrevista – As sabatinas de entrevistas com os pré-candidatos já fora iniciadas por diversas emissoras de televisão, como a TV Cultura com o Roda Viva e, por último, a GloboNews. O senhor chegou a assistir a algumas delas? Quais pontos e candidatos mais lhe chamaram atenção?

Marcus Vinicius Oliveira – Não acompanhei exatamente as entrevista da GloboNews, mas venho acompanhando outras entrevistas em outros canais. Dentre os candidatos que são mostrados à frente nas pesquisas, Ciro Gomes demonstra uma boa capacidade retórica para os debates que, em termos de redes sociais, tem o auxiliado a subir nas pesquisas. Contudo, isso não implica em um projeto sólido e sustentável para o Brasil. Em determinados momentos, Ciro ainda parece muito ligado a um projeto desenvolvimentista para o Brasil, marcado por uma forte presença do Estado. É um modelo histórico no país, mas que demonstrou também suas falhas e riscos.

Jair Bolsonaro, por outro lado, procura um caminho para o liberalismo a partir daquilo que chama de um casamento com o liberal Paulo Guedes. Esse caminho não parece convencer. A postura autoritária e fortemente nacionalista de Bolsonaro conflitam duramente com uma matriz liberal. É um liberalismo puramente instrumental que visa conquistar votos em virtude do crescimento das ideias liberais nos últimos anos. Além disso, é o candidato de um polo anti-democrático, grave para os rumos de nossa política, alimentando-se da profundidade de nossa crise, bem como da rejeição à política que também cresceu nos últimos anos.

Por fim, Geraldo Alckimin estabelece um itinerário rumo ao centro político, procurando apoios que possam sustentar a governabilidade brasileira diante da crise. Frente à polarização da política, a recomposição do centro é fundamental, uma vez que contribui para garantir uma estabilidade política em torno de um consenso, de determinadas propostas para o avanço do país. Contudo, há sempre o risco dessa adesão perder-se em meio aos escombros da velha política brasileira.

O cenário de 2018 é áspero e há muito o que acontecer até outubro. Sem pensar especificamente um candidato, acredito que uma das saídas de nossa crise passam pelo aprofundamento de nossa democracia, rumo à elaboração de reformas políticas que permitam não somente a retomada do crescimento, mas a revalorização da política.

Como o senhor avalia o apoio do Centrão a Geraldo Alckmin?
Essa aproximação com o centro guarda suas ambiguidades. Por um lado, é positiva na medida em que procura recompor uma força política que ameaça se romper em virtude da polarização política brasileira. Por outro lado, a formação desse centro traz riscos históricos à política brasileira. Tais riscos dizem respeito à impossibilidade de realização de alterações significativas na ordem social, econômica e política, em virtude dos vários interesses dispostos nessa ampla aliança que compõe esse “centrão”. Portanto, recompor o centro é importante e garante uma saída democrática para o Brasil. Contudo, fora de uma reforma política o estabelecimento desse centro não garante nenhum caminho para fora da crise. Nesses pactos, o velho não deve conduzir o novo, como de costume em nossa história.

Como avalia a participação da juventude na política, especialmente nas próximas eleições?
Minha experiência enquanto jovem e professor tem mostrado certa descrença da política por parte da juventude brasileira atual. Crescendo em um país em crise e assistindo à inúmeras denúncias de corrupção, me parece que os jovens, nascidos entre os últimos anos da década de 1990 e os primeiros de 2000, não nutrem, em geral, uma expectativa positiva em relação aos rumos do país. Por outro lado, é possível também notar um movimento de aproximação em relação à política. Percebo que o acesso às informações e ideias acerca da política cresceu incrivelmente. A internet contribui decisivamente para isso. Vejo, hoje, meus alunos discutindo política intensamente nas redes sociais. Nesse sentido, acho que há um aprendizado da política e da democracia por parte dos jovens. Estão começando a se politizar, a avaliar ideias e projetos políticos.

Muitas pessoas têm procurado movimentos apartidários, como o MBL, Acredito, Mulheres do Brasil, entre outros. O senhor avalia que existe uma rejeição à política tradicional?
Apartidarismo não significa necessariamente apolítico ou rejeição da política. Tais movimentos citados, apesar de apartidários, são essencialmente políticos. Essa procura por movimentos apartidários, creio, começou a aparecer com maior evidência a partir das manifestações de junho de 2013. Contudo, em determinados momentos, esse apartidarismo revelou uma desvalorização e até uma rejeição da política como foi citado. Essa rejeição é bastante perigosa para os rumos da democracia, porque a política é aquilo que garante a expressão dos interesses da sociedade civil na esfera pública.

É possível mudança fora da política?
As mudanças operadas fora da política são fortemente anti-democráticas, pois em momentos de crise, o espaço da política diminui, uma vez que a sensação de medo, caos e insegurança, faz com que a sociedade deseje um poder capaz de reordenar a sociedade. Nesse sentido, a crise dá margem a discursos anti-políticos, que rompem com o espaço de diálogo e expressão característicos da política. Portanto, valorizar a política é um dos fundamentos básicos de um regime democrático saudável, capaz de permitir os diálogos e as expressões de ideias e projetos dos mais diversos grupos presentes na sociedade civil.

Existem pensadores de centro-esquerda que se aproximam dos liberais, admitindo assim um Estado menos interventor e mais regulador. Como o senhor avalia um governo de esquerda na economia?
Essa aproximação da esquerda do liberalismo me agrada bastante. Contudo, é preciso pensar qual liberalismo estamos falando. Assim como a esquerda, o pensamento liberal possui diversas vertentes, tanto políticas quanto econômicas. Penso que um governo de esquerda precisa estar aberto à dinamicidade econômica própria ao liberalismo, capacitando o Brasil para assumir um outro lugar no mundo, sem, contudo, abandonar as perspectivas basilares da esquerda, a saber, a busca pela igualdade e justiça social. Uma esquerda democrática e contemporânea precisa conciliar a busca pela igualdade com a realização da liberdade e a prosperidade econômica.

Luiz Werneck Vianna, sociólogo, disse no Ato do Polo Democrático e Reformista realizado no mês passado no Rio de Janeiro que, apesar de todas nossas dificuldades, vê o futuro com esperança, que o importante é fortalecer, cada vez mais, nossas instituições democráticas. O senhor imagina um futuro com esperança?
Luiz Werneck Vianna é um dos intelectuais que mais admiro. Seu ensaio “A revolução passiva no Brasil” me acompanha durante toda minha trajetória de pesquisa, bem como é um norte para minhas aulas de história do Brasil. Sobre a pergunta, não sou exatamente a pessoa mais otimista. Mas, vejo alguns brilhos despontando no horizonte. Somos uma jovem democracia e estamos em constate aprendizado democrático. De certo modo, os problemas surgidos ao longo dos anos últimos anos geraram um amplo debate político no país. Claro, esse debate em diversos momentos perpassa pela rejeição da própria política. Contudo, é possível contornar esses problemas, rumo à uma revalorização da política. Para tanto, para que esse brilho possa se realizar efetivamente, as eleições e os próximos anos são essenciais. Não há garantias, há apenas possibilidades dentro de uma intrincada rede de relações de forças políticas. Como afirmou o saudoso Ferreira Gullar, “caminhos não há, mas os pés na grama os inventarão.”

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