FAP Entrevista: Elimar Nascimento

Especialista em Desenvolvimento Sustentável, Elimar Nascimento critica o fato do tema estar fora das discussões neste ano de eleições no Brasil.
Foto: Reprodução/UnB
Foto: Reprodução/UnB

Especialista em Desenvolvimento Sustentável, Elimar Nascimento critica o fato do tema estar fora das discussões neste ano de eleições no Brasil

Por Germano Martiniano

O entrevistado desta semana da série FAP Entrevista é o sociólogo Elimar Pinheiro do Nascimento, professor permanente do Programa de Pós-Graduação de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (UnB) e do Programa de Pós-Graduação Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia, da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Com doutorado na Universidade Rene Descartes e pós-doutorado na Ecole des Hautes em Ciências Sociais na França, Elimar também foi professor em Moçambique e no Equador. Participou dos governos de Zamora Machel (Moçambique), Miguel Arraes e Cristovam Buarque. Atualmente, também escreve artigos para o site Política Brasileira (http://blogdapoliticabrasileira.com.br/autor/elimarnascimento/). Esta entrevista faz parte de uma série que a FAP está publicando, aos domingos, com intelectuais e personalidades políticas de todo o Brasil, com o objetivo de ampliar o debate em torno do principal tema deste ano: as eleições.

Elimar tratou de temas que se destacam quando o assunto é o ensino superior no Brasil: aliciamento ideológico, avanço tecnológico e o mundo do trabalho, além do controverso curso “O Golpe de 2016”, referência ao Impeachment de Dilma Rousseff. “A Universidade é um espaço de diálogo, de controvérsias, de confrontos de visões e interpretações diferentes”, avalia. “Por minhas impressões, cursos desta natureza não são bons”, destaca Nascimento, sobre o curso que foi ministrado na UnB.

Além das questões relacionadas às universidades brasileiras, o sociólogo também conversou com a FAP sobre o atual momento da política brasileira. Especialista em Desenvolvimento Sustentável, ele analisa com preocupação o momento atual em nosso país, por ver que o tema não faz parte do centro das discussões políticas. “A questão do Desenvolvimento Sustentável é marginal aqui no Brasil, como o é nos Estados Unidos, na França e na maioria dos países democráticos. Ele é muito genérico, pouco palpável para as pessoas”, afirma Nascimento.

Confira abaixo os principais trechos da entrevista:

FAP Entrevista – Qual a opinião do senhor sobre o curso “O Golpe de 2016”, que também será ministrado em outras reconhecidas universidades brasileiras, como a Unicamp, por exemplo?
Elimar Nascimento – Minhas impressões sobre um curso desta natureza não são boas, porque desde o título ele revela uma visão muito ideologizada e partidária, que não deveria ter espaço na Universidade. Nenhuma instituição de ensino, sobretudo pública, deveria ser espaço de um partido, mas o fórum de muitas visões partidárias, de muitas ideologias, e não de uma única. Os partidos podem ter suas escolas de formação doutrinária, como têm as religiões. A Universidade é um espaço de diálogo, de controvérsias, de confrontos de visões e interpretações diferentes. Como um aluno, que tem a interpretação de que o impeachment foi legal, pode ter lugar em um curso desta natureza? Se o título fosse uma pergunta e não uma afirmação teria sentido. Se fosse uma escola de partido, também. Embora mesmo neste caso, quando o ensino é muito doutrinário não vale de nada. Já fui professor de marxismo na Universidade Eduardo Mondlane de Maputo, Moçambique. Mas mesmo neste caso utilizava textos de Marx, Engels, Lenine, mas também de Mao Tse Tung e Trotsky, além de outros. Os alemães levaram uma denúncia contra mim, por causa disso. E a secretária geral do MEC chamou todos os professores de marxismo da Universidade e disse: “A divergência sino-soviética vocês deixam no aeroporto, aqui ensinamos o marxismo em todas as suas versões. O camarada Elimar está certo”.

Carlos Maurício Ardissone, doutor em Relações Internacionais da PUC/RJ, disse em artigo para o Estado de São Paulo, publicado nesta semana, que existe um aliciamento ideológico nas universidades brasileiras. As quais, em sua maioria, estão dominadas por uma esquerda dogmática. O senhor concorda com esta avaliação?
Plenamente não. Creio que nas universidades públicas existe um conjunto de docentes muito dogmatizado, muito ideologizado, sobretudo nas Ciências Sociais. Mas, existem docentes com visões diferentes, que têm compromisso com as metodologias científicas, valorizam os dados empíricos e estão abertos a examinar os fatos de maneira mais abrangente, em suas diversas dimensões. Professores pesquisadores que têm conhecimento das mudanças que ocorrem no mundo, e da riqueza da produção científica internacional e recente, com abordagens distintas. Outros, muitos dos quais não estudaram o marxismo realmente, ficam repetindo frases de efeito, algumas das quais eles mesmos não compreendem plenamente. Quantos desses professores leram O Capital? A explicação primária do marxismo é fácil e cômoda. Não precisa trabalhar muito, as repostas já estão dadas. O capitalismo é o responsável por tudo que de mal acontece no mundo. Nem se dão conta que a proposta socialista morreu com a queda do Muro de Berlim, em 1989. E agora está sendo enterrada em Cuba. Preguiçosos, não trabalham para construir uma outra alternativa. Vivem olhando o retrovisor, como muitos dos candidatos a presidente no Brasil, atualmente.

O mundo do trabalho se modifica a cada dia de acordo com o avanço tecnológico. Existem estudos que indicam que, dentro de pouco tempo, profissões tradicionais deixarão de existir. As universidades brasileiras estão se atualizando para acompanhar as mudanças que ocorrem em todo o mundo?
O problema é que quando falamos de Universidade no singular. Necessariamente ocorremos em erros de avaliação. Não existe uma Universidade, existem departamentos, faculdades, institutos, centros, laboratórios dos mais diversos. Existem professores e pesquisadores de todos os tipos. Desde os mais produtivos até os mais improdutivos. Existem doutores de ponta e existem doutores semianalfabetos. Existem professores que estão a par do que se passa em sua disciplina e em seu campo de pesquisa, mas também o que se passa no mundo em geral; e outros, que sabem apenas o que se passa em seu campo de pesquisa, pois são superespecialistas. E outros, nem isso. A profunda disciplinaridade que nos orienta faz com que parte dos professores pesquisadores não saiba o que está acontecendo no mundo das tecnologias disruptivas. Não os condeno, foram formados na especialidade e seus méritos e reconhecimentos nascem dos novos conhecimentos que produzem em suas áreas respectivas. Por isso, não posso fazer afirmações genéricas, nem acho que todos os professores deveriam estar a par destas tecnologias. Mas, sei que existem professores e pesquisadores que trabalham com estas questões e estão assustados com alguns de seus efeitos possíveis.

A Segunda Turma do Superior Tribunal Federal (STF) decidiu, nesta semana, retirar do juiz Sergio Moro as delações da Odebrecht no processo do sítio de Atibaia contra o ex-presidente Lula. Qual sua opinião em relação à essa decisão do Supremo?
Há mais de um ano defendo a tese de que os interesses contra o combate à corrupção serão maiores na medida em que as investigações se aprofundam e os candidatos à punição se ampliam. Portanto, em um certo momento operações investigativas deveriam sofrer duros golpes. Os atores contra o combate à corrupção se ampliam, suas alianças se fortalecem, assim como a ousadia de seus atos. As investigações estiveram, inicialmente, concentradas em empresário, diretores de empresas e políticos sem mandato. A maioria ligados aos PT porque era o partido que estava na Presidência. Por isso, Palocci, Vaccari, José Dirceu e Lula foram presos. Aos poucos, personalidades importantes do MDB também foram atingidas como Cunha; e do PSDB ameaçadas, como Aécio e Azeredo; e do PP, Ciro e cia. Enfim, o mundo do câmbio, dos dirigentes de empresas estatais, das empreiteiras, da comunicação de campanhas eleitorais e dos políticos do PT foram profundamente atingidos. Começou agora a vez dos outros partidos. Mas, outros “mundos” estão, também, na mira das investigações, como o do setor bancário e outros estão apenas no começo como o “mundo” dos TCs, e o mundo do Judiciário? Será que não será atingido?

A Lava-Jato corre riscos de ser minada por essas decisões?
Assim como a Operação Mãos Limpas na Itália foi derrotada, a Operação Lava Jato está sendo minada. Lá, a partir do Legislativo, aqui a partir do Judiciário. Não sabemos ainda se será derrotada, mas os interesses contrários são muitos, e que vão da direita à esquerda. E divide o STF. Sob as mais diversas alegações ministros se colocam contra, mudam regras, soltam suspeitos, fazem de tudo para desmoralizar a Operação e enterrá-la. Interesses de amigos estão sendo atingidos. E têm outros que ainda não sabemos? É impressionante que um partido que se diz de esquerda seja contra a prisão após condenação em segunda instância, que favorece apenas aos ricos e corruptos. Concluindo: os interesses contra o combate à corrupção estão aumentando, incorporando não apenas políticos ameaçados, mas também juízes, artistas e intelectuais (alguns afirmam que o problema da corrupção é um problema de menor importância)

Demétrio Magnoli, em seu último artigo, “O partido que não temos”, falou sobre o esgotamento ideológico do PT e PSDB. Você acredita que, não somente nessas próximas eleições de 2018, mas pensando no futuro da política brasileira, chegou ao fim essa bipolarização?
A polarização que conhecemos de 1994 a 2014 acabou. No momento ela dá lugar a outra polarização, entre o populismo retrógrado e o populismo autoritário. Mas não sabemos se esta polarização prevalecerá nos próximos meses. Os tempos atuais são de muitas mudanças e incertezas.

Como o senhor analisa a candidatura do ex-ministro do STF Joaquim Barbosa à Presidência? Ele seria um nome capaz de unir o centro democrático brasileiro?
Qualquer candidato de centro, que tiver muitas intenções de voto e não estiver nos polos populistas, deverá atrair interesse, mas não será capaz de unir o centro. Caso o ministro Joaquim Barbosa decida ser candidato, deverá ter uma expressiva intenção de voto, mas isso não fará Marina Silva desistir de sua candidatura. E se a direção do PSDB não se manifestar, Alckmin deverá ser manter, na esperança que o tempo de TV lhe proporcione a oportunidade de reverter a fraca intenção de voto que tem hoje. Portanto, a dispersão eleitoral deverá se manter. Embora, aos poucos, se revele que apenas três, no máximo quatro, terão condições de estar no segundo turno.

Pesquisas apontam que a principal pauta das eleições 2018 para os eleitos é o combate à corrupção. Pautas como a do Desenvolvimento Sustentável, que o senhor defende, têm sido colocadas às margens do debate político?
O tema do Desenvolvimento Sustentável é marginal aqui no Brasil como o é nos Estados Unidos, na França e na maioria dos países democráticos. Ele é um tema muito genérico, pouco palpável para as pessoas. Perderá sempre de temas mais prementes como segurança, saúde, educação, emprego etc. O tema da corrupção será importante, mas menos do que dizem as pesquisas – pelo defeito intrínseco que elas carregam. Lula está preso, e muitos de seus eleitores acreditam que ele transgrediu a lei, mas o que fez pelo povo justifica os “poucos deslizes” que cometeu. Nós temos uma cultura muito permissiva. Há discursos que são fundamentais de serem pronunciados porque são “politicamente corretos”, mas nem sempre são fatores decisivos em nossas decisões. Nas redes sociais todos os candidatos serão corruptos, inclusive a Marina. Para isso foram construídos os Fake News. Ninguém vota em um candidato, mas na imagem que se construiu do candidato. Como na vida real, o que importa não são os fatos, mas as suas versões.

O que o próximo presidente deve priorizar para que a economia brasileira cresça de maneira sustentável?
O próximo presidente precisa compreender que o capital natural é um dos capitais mais importantes no futuro, juntamente com o capital cultural (educação e inovação). Temos mais a ganhar com as florestas em pé do que derrubadas. Precisamos colocar a ciência e tecnologia para trabalhar para nós, no sentido de retirar riquezas da floresta, sem degradá-la. Deverá compreender que a crise ambiental não é algo de menor importância, e que não existe planeta B. Temos um só com a população crescendo a cada dia e uma forma de produzir e consumir absolutamente irracional no ponto de vista da sustentabilidade.

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