FAP Entrevista: Caetano Araújo

Apesar da força eleitoral do PT, faltou aos outros partidos da esquerda brasileira, nos últimos anos, propostas claras e convincentes de poder, avalia Caetano Araújo
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Nos últimos anos faltaram aos outros partidos da esquerda brasileira propostas claras e convincentes de poder que pudessem se sobrepor ao PT, avalia Caetano Araújo

Por Germano Martiniano

A entrevista desta semana da série FAP Entrevista é com o sociólogo Caetano Ernesto Pereira de Araújo. Com graduação, mestrado e doutorado em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB), ele também é consultor legislativo do Senado Federal. Tem experiência na área de Sociologia, com ênfase em Teoria Sociológica e Sociologia Política, atuando principalmente em temas como eleições, rural, parlamento, esquerda, democracia, socialismo e tecnologia. Esta entrevista integra uma série que a FAP está publicando, aos domingos, com intelectuais e personalidades políticas de todo o Brasil, com o objetivo de ampliar o debate em torno do principal tema deste ano: as eleições.

Neste ano em que se celebra 200 anos do nascimento de Karl Marx, Caetano Araújo trouxe a FAP uma reflexão necessária sobre o pensamento marxista: “Como ocorre com todo grande autor, a obra de Marx inspira leituras novas em cada novo momento da história. Certamente alguns aspectos, tidos anteriormente como fundamentais, tenderão a perder espaço para outros menos percebidos até agora”, acredita.

Na entrevista, o sociólogo também comentou o por quê de grande parte da população brasileira restringir o pensamento de esquerda ao PT. Para Araújo, o Partido dos Trabalhadores conseguiu, nas últimas décadas, ser a principal força eleitoral da esquerda. “As potenciais alternativas não conseguiram, até o momento, formular um projeto claro e convincente para os eleitores”, avalia.

Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:

FAP Entrevista – Fernando Gabeira, em recente artigo, escreveu que o PT, PSDB e PMDB, que são detentores da maior parte do financiamento eleitoral, também seguem em queda por conta da Operação Lava-Jato. Como o senhor analisa este paradoxo frente às eleições 2018?
Caetano Araújo – Gabeira tem razão. Desde a redemocratização há uma desconfiança acentuada dos eleitores face aos políticos, aos partidos e, especialmente, aos legislativos. Essa desconfiança aprofundou-se a cada novo escândalo revelado, até que, nas manifestações de 2013 atingiu um novo patamar: a rejeição difusa ao sistema como um todo e, penso, principalmente às regras de seleção dos mandatários, ou seja, às regras eleitorais. Desde então a Lava-Jato só fez aumentar a rejeição dos eleitores em relação aos eleitos. Num movimento de defesa, os maiores partidos acordaram recentemente novas regras para a disputa eleitoral. Regras que concentram os principais recursos de campanha, tempo de televisão e dinheiro, nas mãos das direções das direções partidárias. Daí o paradoxo aparente: os maiores partidos, que sofrem o maior desgaste junto a opinião pública, apostam no quase monopólio da exposição na mídia e nos recursos financeiros para reverter esse desgaste, tudo isso numa campanha que será de curta duração.

As pesquisas para presidente apontam Bolsonaro na liderança, no caso de Lula não concorrer. Lula, mesmo preso, lidera em todos os cenários. Ou seja, a crença por mudanças ainda está nos extremos. Por que o centro ainda não conseguiu emplacar nenhum nome?
Tenho restrições ao emprego do conceito de centro político. Me parece que esse termo fazia pleno sentido na maior parte do século XX, quando o campo da política era dominado por apenas uma oposição fundamental entre esquerda e direita. Num espaço como esse havia um centro moderado, em antagonismo permanente com a extrema esquerda e a extrema direita extremadas, ambas sempre prontas para sacrificar a ordem democrática a seus objetivos políticos. Hoje, todas as evidências apontam para a relevância de uma segunda oposição que convive com a primeira, aquela entre nacionalismo e cosmopolitismo. Essa segunda oposição está redefinindo os sistemas partidários dos países democráticos e, por vezes, sobrepõe-se à oposição tradicional entre esquerda e direita. A respeito da vantagem de Lula e Bolsonaro nas pesquisas, penso que ambos vocalizam as duas maiores demandas do eleitorado, que hoje são, a meu ver, equidade e segurança, respectivamente. No imaginário popular, Lula permanece, até por falta de concorrentes, como o campeão das políticas de equidade, enquanto o discurso de Bolsonaro sinaliza a disposição de investir tudo, mesmo que com o sacrifício dos procedimentos democráticos, na segurança do cidadão, ou seja, na ordem. Enquanto outros candidatos permanecerem focados na política econômica e não ingressarem nesses temas de maneira articulada e crível, creio que Lula e Bolsonaro continuarão a liderar as pesquisas.

Quando a propaganda eleitoral começar, nos quais os grandes partidos têm mais tempo de televisão, o senhor acredita que este quadro de polarização entre Lula e Bolsonaro se modificará?
Reverter o desgaste político com televisão e dinheiro é a aposta dos grandes partidos. Penso, no entanto, que mais importante do que a concentração dos meios de campanha nas mãos dos maiores partidos será o posicionamento concreto em torno da agenda dos eleitores. Minha hipótese é que, nessa agenda, equidade e segurança ocupam a posição central. Se a estabilidade econômica estivesse nessa posição, a popularidade do Presidente Temer estaria em patamar diferente.

As “fake News” são um outro problema referente às eleições 2018. O senhor enxerga alguma solução a curto prazo?
As fake news já foram um problema grave em 2014 e tudo indica que este ano o problema será mais grave ainda. Vejo dois caminhos para minimizar seu impacto. Primeiro, o aprimoramento da regra de modo a facilitar a responsabilização dos geradores e replicadores, inclusive as empresas responsáveis pelas redes, de notícias deliberadamente falsas. O segundo caminho possível seria a construção de um grande pacto interpartidário contra a violência e a mentira nas eleições. Esse caminho exigiria, no entanto, reverter a tendência à polarização e à radicalização que tem sido dominante na política nacional nos anos recentes.

O sociólogo Zander Navarro, em artigo publicado na semana passada em O Estado de S. Paulo, escreveu que “Marx e o marxismo são encantadores como um movimento de ideias, mas deixaram de ser a arquitetura possível de uma nova sociedade.” O senhor concorda com esse argumento?
Como ocorre com todo grande autor, a obra de Marx inspira leituras novas em cada novo momento da história. Certamente alguns aspectos tidos anteriormente como fundamentais tenderão a perder espaço para outros menos percebidos até agora. Sobre a arquitetura do caminho para uma nova sociedade, creio que a experiência mais relevante do século XX foi a revolução de 1917, intimamente ligada à leitura leninista da obra de Marx. Para falar apenas no plano da adequação entre fins e meios, penso que a história demonstrou de forma cabal a inadequação de um modelo que prescinde da democracia e de qualquer mecanismo de mercado para alcançar os objetivos postos pelo movimento socialista nos séculos XIX e XX.

Por que no Brasil ainda predomina a noção de que a esquerda se resume ao Partido dos Trabalhadores?
Porque, por diversas razões, nas últimas décadas o PT conseguiu constituir-se na força eleitoralmente mais importante da esquerda brasileira. As potenciais alternativas não conseguiram, até o momento, formular um projeto claro e convincente para os eleitores.

O senhor acredita que o governo Michel Temer deixará algum legado?
O principal legado do governo Temer é a manutenção do calendário eleitoral. É claro que a reversão do quadro econômico é relevante, mas as limitações da recuperação que vivemos ficam cada vez mais evidentes. Nesse aspecto, o governo tinha uma agenda de reformas que só conseguiu executar de forma parcial, uma vez que superava em muito sua capacidade de realização. O governo se mostrou vulnerável no que se refere às acusações de corrupção e teve que se submeter ao veto de boa parte de sua base de apoio no Congresso Nacional em diversas votações importantes para sua agenda. Mesmo assim, numa conjuntura em que a questão central fosse a consolidação da estabilidade econômica, seu desempenho em termos de popularidade e de expectativas eleitorais poderia ter sido diferente.

Quais serão os maiores desafios para o próximo presidente do Brasil?
O novo presidente terá tarefas árduas pela frente. Terá que dar resposta às demandas dos eleitores por equidade e segurança, sem descuidar da recuperação econômica, pré-condição necessária para essas respostas. Para tanto, precisará empenhar-se numa agenda de profundas reformas do estado, a começar pela reforma da Previdência. Todas as questões são complexas e da eleição deve resultar um Congresso Nacional ainda mais fragmentado que o atual. Ou seja, o problema é grande e só poderá ser enfrentado por meio da construção de acordos amplos entre os diversos partidos.

* Excepcionalmente a entrevista está sendo publicada nesta segunda-feira (21/05/2018)

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