Evento no RJ debate os 130 anos da Abolição

“Vem pra Roda” tem como objetivo evidenciar as lutas e resistências das comunidades negras no Brasil frente a um processo histórico de injustiças sociais
Foto: Arquivo pessoal/Facebook
Foto: Arquivo pessoal/Facebook

“Vem pra Roda” tem como objetivo evidenciar as lutas e resistências das comunidades negras no Brasil frente a um processo histórico de injustiças sociais

Por Germano Martiniano

O ano de 2018 celebra os 130 anos da Abolição da escravidão no Brasil. Não bastasse a própria data, simbolicamente importante para levantar discussões em torno da inserção social negra, historicamente injusta, há alguns meses, ocorreu o assassinato de Marielle Franco, vereadora pelo PSOL, que intensificou a discussão em torno da população negra. Frente a esse contexto, é que o professor babalawô Ivanir dos Santos, doutorando em História Comparada pela UFRJ, liderou a realização do “Vem pra Roda”: 130 anos da Abolição: Memórias e Legados das resistências das comunidades negras. O evento ocorrerá na cidade do Rio de Janeiro, na terça-feira (22/05), às 18h, no Clube Municipal localizado na Rua Haddock 359, Tijuca.

“Do ponto de vista social, o assassinato da vereadora representa um dos inúmeros casos de tentativas de “extermínio” da população negra, que se dá por meio das tentativas de homicídios ou por ação política da eugenia social”, disse Ivanir Santos. Bacharel em Pedagogia e Supervisão Escolar pela Faculdade Integrada Anglo-Americana, Ivanir também afirma que desde o final da década de 80 o movimento negro brasileiro tem lutado pelo fim da invisibilidade da resistência negra contra o racismo. “Por essa razão, pesamos em construir um evento que pudesse não apenas fomentar debates e diálogos sobre a falsa ideia da abolição, mas também que evidencie as lutas e resistências das comunidades negras no Brasil” completou Ivanir.

O babalowô Ivanir, guia espiritual candomblé, que também será candidato a vereador pelo PPS do Rio de Janeiro este ano, concedeu entrevista a FAP, na qual, além de abordar aspectos do evento, também respondeu sobre temas como a questão das minorias sociais, esquerda, espiritualidade nas universidade e outros. Confira, a seguir, alguns trechos da entrevista.

FAP – Como surgiu a ideia de realizar este evento?
Ivanir dos Santos – Desde o final da década de 1980, o movimento negro brasileiro vem pautando uma discussão muito forte voltada para os processos de invisibilidades das resistências e as lutas das comunidades negras contra o racismo e a falsa ideia de abolição, como algo “dado” em generosidade pela “monarquia brasileira” para os milhares de homens e mulheres negros e negras, que aportaram no Brasil na condição de escravos. Por essa razão, pesamos em construir um evento que pudesse não apenas fomentar debates e diálogos sobre a “falsa abolição”, mas que também evidencie as lutas e resistências das comunidades negras no Brasil.

Esta Roda acontece em um momento delicado para comunidade negra. Qual a opinião do senhor sobre a morte da vereadora Marielle, que lutava pelos direitos da população negra, do ponto de vista social e político?
O assassinato da Marielle Franco não pode ser visto como apenas como um ponto factual específico e isolado de um contexto histórico, construído desde a gênese social brasileira, sobre o racismo, machismos e tentativas de cerceamentos das liberdades das pessoas negras. Do ponto de vista social, o assassinato da vereadora representa um dos inúmeros casos de tentativas de “extermínio” da população negra, que se dá por meio das tentativas de homicídios ou por ação política da eugenia social.

O discurso petista instalou na política brasileira o discurso do “nós contra eles”. Muitas vezes, esse discurso acaba se aplicando para as minorias, como se o PT fosse o único partido preocupado com as questões dos negros, LGBTs, etc. O senhor concorda com essa visão?
As “questões” das chamadas minorias representativas, nos cenários políticos, são suprapartidárias, essas “causas” devem contar com o apoio de toda a sociedade brasileira e, principalmente, de todos os partidos políticos.

O senhor concorda com a visão de que a esquerda, com todas as mudanças que houve no mundo do trabalho, substituiu a questão do ser oprimido, antes o proletariado, para agora defender as minorias sociais?
Compreendo que o determinismo econômico não deu resoluções às questões sociais, culturais, raciais, espirituais e de gênero da população em geral, que estão no bojo da desigualdade estrutural da sociedade brasileira. Precisamos levar em consideração que grande parte da população brasileira não está “enquadrada” sobre os aspectos da “classe proletária”, ou seja, não estão vinculados diretamente ao mercado de trabalho formal, com a carteira de trabalho assinada.

A esquerda tem se preocupado demasiadamente com essas questões da minoria, deixando de lado questões macrossociais?
Estou convicto ao analisarmos as questões macrossociais precisamos levar em consideração os aspectos e as questões sociais e políticas que envolvem as minorias “representativas” ou “gente comum” como pontuam os historiadores Thompson e Hobsbawm. Por isso, eu compreendo e tendo analisar que a esquerda precisa se reinventar com o povo e, aos poucos possibilitar uma abertura que possa possibilitar discussões correlacionadas com as “as questões” que compõem a sociedade brasileira. E essa “reinvenção” precisa estar embasada sobre as ideia das “experiências” políticas, sociais, culturais, espirituais e de orientação sexual dos sujeitos.

A universidade ainda é um espaço, excessivamente, material, deixando de lado questões religiosas e espirituais?
As universidades, públicas, são espaços materiais, pois ela foi pensada a partir de uma ideia “racionalista” e cartesiana que coloca como secundárias, ou objetificadas, as questões religiosas e/ou espirituais. Mas podemos dizer, que mesmo a academia sendo construída sob sobre uma ideia cartesianista, estamos, mesmo que timidamente, conseguindo promover debates e analises sobre questões religiosas, intolerância religiosa, pluralidade, liberdade.

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