Evandro Milet: Os nômades digitais misturam trabalho e lazer

Trabalhar em qualquer lugar despertou a ideia de viajar por curtos períodos para lugares agradáveis e associar trabalho e turismo
Foto: Divulgação
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Evandro Milet / A Gazeta

Como os acidentes aéreos, as mudanças sociais também não acontecem apenas por uma causa. As mudanças provocadas pela transformação digital da sociedade inteira geram novas possibilidades. Assim se passa com o novo fenômeno dos nômades digitais que acontece por uma série de circunstâncias.

Nômade é alguém que não tem residência fixa, e o que era privilégio de usuários permanentes de motorhomes ou daqueles que não tinham preocupação com dinheiro(ou tinham muito ou não se preocupavam com isso), passou a ser opção de vida para alguns tipos de trabalhadores.

As mudanças no trabalho já vinham acontecendo há uns trinta anos, quando se começou a falar no fim dos empregos como estávamos acostumados. As pessoas, pelo menos para algumas profissões, deixariam de trabalhar por longo tempo em empresas e passariam a trabalhar por projetos, devendo fidelidade mais à própria carreira do que a empresas empregadoras.

De lá para cá aconteceram mudanças digitais significativas que facilitaram esse processo.

Serviços de nuvem permitem que se trabalhe de qualquer lugar, individualmente ou em grupo, sem se preocupar com backups. Notebooks potentes e leves facilitam carregar equipamento. Acesso praticamente universal a redes permite enviar e receber mensagens e arquivos em qualquer lugar. A digitalização de processos desapareceu com a necessidade de papel tramitando em envelopes ao/ao. Cartões de crédito aceitos em qualquer lugar facilitam a vida. O e-commerce permite comprar e receber qualquer coisa em qualquer lugar. Treinamento e educação foram para a rede, inclusive das grandes universidades. Aplicativos universais facilitam hospedagem(Airbnb, etc.) e locomoção(Uber, etc.). Softwares de tradução instantânea permitem comunicação em línguas. Aplicativos como WhatsApp permitem falar de qualquer lugar de graça e as pessoas não perdem mais os vínculos culturais ou familiares quando estão distantes. A promessa do metaverso, com quase um teletransporte, joga as possibilidades ao infinito.

Mas faltavam duas coisas que a pandemia trouxe: a quebra de exigência do trabalho presencial e a aceitação de reuniões virtuais.

Em um primeiro momento, a novidade do home-office e o medo da pandemia incentivaram alguns a se mudar para bairros ou cidades próximas mais tranquilas. Logo se percebeu o crescimento vertiginoso da contratação de trabalhadores fora da sua cidade ou país, ainda mais considerando a grande demanda por desenvolvedores de software, dada toda essa transformação digital mundial. Mas o trabalho em outros locais já se estende para outras profissões à medida que todas digitalizam seus processos.

Todas essas mudanças provocaram outras: quem imagina mais trabalhar de gravata e paletó? No início havia ainda a preocupação com a camisa zoom, não mais. A informalidade venceu.

Trabalhar em qualquer lugar despertou a ideia de viajar por curtos períodos para lugares agradáveis e associar trabalho e turismo. Trabalhar por doze meses para poder viajar nas férias passa a ser coisa do passado. Assim, o turismo se mescla à rotina. O almoço é uma oportunidade para conhecer restaurantes locais, e a preguiça na frente da TV nos fins de semana dá lugar a passeios. Essa tendência é chamada por aí de “bleisure”, a junção das palavras business (negócios) e leisure (lazer).

E aí chegamos aos nômades digitais, que radicalizaram e não têm mais residência fixa, pulando de lugar para lugar com sua mochila minimalista e seu notebook.

Os países se adaptam e 24 deles já criaram vistos sob medida para nômades na pandemia. A Estônia foi a primeira, seguida de outros países como Grécia, Costa Rica, Croácia e Islândia. E agora, também o Brasil criou um visto especial para os nômades digitais, afinal normalmente essas pessoas têm uma renda alta e favorecem o turismo. As cidades também entram na vibe e a Prefeitura do Rio de Janeiro, por exemplo, lançou o programa Rio Digital Nomads, que dá um selo a hotéis, pousadas e coworkings com infraestrutura e pacotes de longa permanência para turistas que forem à cidade para trabalhar.

É a transformação digital do mundo mudando costumes. Pena que não é para todos.

Fonte: A Gazeta
https://www.agazeta.com.br/colunas/evandro-milet/nomades-digitais-ao-misturar-trabalho-e-lazer-criam-nova-forma-de-turismo-0222

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