Eumano Silva: Se não segurarem Bolsonaro, militares se queimam outra vez

Com a imagem restaurada na democracia, generais têm o desafio de mudar a atuação do presidente para não desgastar de novo as Forças Armadas.
Foto: Alan Santos/PR
Foto: Alan Santos/PR

Com a imagem restaurada na democracia, generais têm o desafio de mudar a atuação do presidente para não desgastar de novo as Forças Armadas

Os militares brasileiros têm pela frente a dura missão de enquadrar o presidente Jair Bolsonaro (PSL). Se não o fizerem, correm o risco de perder a credibilidade conquistada depois da redemocratização.

As Forças Armadas passaram os últimos 34 anos empenhadas em construir uma imagem de profissionalismo e eficiência após o desgaste sofrido durante a ditadura. Nesse propósito, foram bem-sucedidas.

Deve-se fazer justiça em relação ao comportamento dos militares desde o retorno aos quartéis, em março de 1985. Institucionalmente, foram fiéis aos governos civis, como determina a Constituição. No resgate da imagem, também pesaram as exitosas missões internacionais, com destaque para as do Haiti e do Congo.

Com exceção do boicote à Comissão da Verdade e das impropriedades verbais, pontuais, cometidas nos últimos anos por alguns generais – como o vice-presidente da República, Hamilton Mourão (PRTB), e o ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas, por exemplo –, o comportamento do oficialato atendeu à expectativa da sociedade democrática. Mas o caminho da metamorfose de promotores de uma ditadura para defensores das garantias constitucionais foi longo e penoso.

A decadência do regime militar se deu tanto na política quanto na economia. Para se ter uma ideia do nível do depauperamento do governo dos generais, o último candidato dos quartéis a presidente, derrotado por Tancredo Neves no Colégio Eleitoral, foi o ex-governador de São Paulo Paulo Maluf, um notório corrupto.

Depois de 20 anos de ditadura, as Forças Armadas entregaram aos civis o país quebrado, com dívida externa fora de controle e inflação anual superior a 200%. Entre 1981 e 1983, a recessão encolheu a economia brasileira em 6,3%. Apenas parte dessa queda foi amenizada pelos 5,4% de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 1984.

Os militares deixaram o poder empurrados pelas manifestações das Diretas Já. Carregavam nos currículos um histórico de prisões, tortura e morte de adversários políticos.

Mortos e desaparecidos
Para se manter no poder, mataram mais de 400 pessoas, das quais mais de 200 encontram-se desaparecidas até hoje. As denúncias desses crimes, além da economia falida, também afetavam a posição do Brasil no cenário internacional.

Desmoralizados e devolvidos aos quartéis, os militares reciclaram os conceitos sobre o papel da caserna em um país republicano. Embora nunca tenham admitido que deram um golpe em 1964 – nem feito autocrítica pelas atrocidades cometidas enquanto estiveram no poder –, eles entraram no jogo democrático.

Mas, dentro das Forças Armadas, a ascensão ao governo dos partidos alinhados com a esquerda sempre enfrentou reservas. O descontentamento com a chegada do PT e do PCdoB ao poder revelou-se mais acentuado à medida que as denúncias de corrupção afloraram nos mandatos dos petistas Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.

De volta à Esplanada
Nesse cenário, os militares se animaram a retornar à Esplanada dos Ministérios. Desta vez, sem o envolvimento institucional das Forças Armadas, mas com a presença ostensiva de oficiais da reserva sob o comando do capitão reformado Jair Bolsonaro.

Para voltar ao poder, os generais fecharam os olhos para o passado de indisciplina do presidente. Bolsonaro deixou o Exército no final da década de 1980, depois de submetido a processo interno por deslealdade aos superiores e por ameaça de explosão de bombas em instalações militares no Rio de Janeiro.

Somente o sentimento antiesquerdista e a possibilidade de fazer um discurso contra a corrupção explicam o engajamento dos generais na candidatura de Bolsonaro a presidente. Ninguém melhor do que eles para conhecer o temperamento irascível do capitão.

Agora, até pela responsabilidade intrínseca de suas patentes, cabe aos generais cuidar para que o governo Bolsonaro não degringole logo no primeiro ano. Isso significa enquadrar o chefe dentro do comportamento que se espera de um presidente da República.

Harmonia dos Poderes
Do titular do Planalto, exige-se equilíbrio para tratar dos assuntos de Estado. Sem essa qualidade, põe em risco as relações com os diferentes setores da sociedade e a harmonia entre os Poderes.

Fogem do figurino de presidente, por exemplo, as postagens de vídeos pornográficos e o menosprezo pelo Congresso demonstrado sobretudo nos últimos dias. A intromissão desenfreada dos filhos de Bolsonaro nos assuntos de governo também atropela o padrão de procedimentos nas Forças Armadas. Durante a ditadura, não se viu parentes com tanta influência na administração federal.

Nessa linha, Bolsonaro voltou a contribuir com a instabilidade política ao determinar, nessa segunda-feira (25/3), que os quartéis comemorem o golpe de 1964 no dia 31 de março, data da tomada do poder pelas tropas militares, com apoio de setores da sociedade civil, sobretudo empresarial. Nas palavras do presidente, e de seu porta-voz, general Otávio Rêgo Barros, nem golpe foi.

Os efeitos negativos do estilo afrontoso, principalmente da família presidencial, aparecem na falta de diálogo com o Congresso – fundamental para a aprovação dos projetos importantes para o país – e nas incertezas da política externa. Esse comportamento dos Bolsonaro levou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, a ameaçar deixar a articulação política para a aprovação da reforma da Previdência.

Diante dessa situação, sem quebrar a hierarquia, os generais têm a tarefa de “colocar ordem na tropa”. Sob pena de se queimarem outra vez.

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