Estevão Ciavatta: Covid-19, desmatamento e Amazônia

Há muitos exemplos de doenças com origem na vida selvagem das florestas.
Foto: Welington Pedro de Oliveira/Amazonas Atual
Foto: Welington Pedro de Oliveira/Amazonas Atual

Há muitos exemplos de doenças com origem na vida selvagem das florestas

A Covid-19 é chamada de uma doença zoonótica porque, assim como outras, ela tem sua origem em vírus de animais não humanos, até então desconhecidos, que passam para nós, humanos. Uma das razões pelas quais elas são tão devastadoras é justamente a nossa ignorância sobre elas: nós não temos vacinas, não temos tratamentos para estas doenças. Existem muitos exemplos de doenças que têm sua origem na vida selvagem das florestas, como zika, chicungunha, dengue, ebola e o HIV. Todos estes vírus estavam inicialmente contidos em ambientes florestais num ciclo zoonótico muito limitado. Eles viveram ali, sem serem notados, ao longo de milhões anos, sem causar qualquer mal aos seus hospedeiros. Até que, de repente, passam para a espécie humana.

Esse processo não é novo. Começou há milhares de anos quando a humanidade resolveu derrubar florestas para fazer campos agrícolas e a domesticar animais selvagens para seu consumo: das vacas recebemos o sarampo e a tuberculose; dos porcos, a coqueluche; dos patos, a gripe. Mais recentemente, durante a expansão europeia sobre o planeta, a construção de cidades e vias férreas pelos colonos belgas no Congo possibilitou a passagem de um vírus dos macacos para os humanos, o que deu origem ao HIV. Em Bangladesh, a destruição de uma imensa zona úmida pelos britânicos para o cultivo de arroz nos brindou com a cólera. Já no final dos anos 1990, na Indonésia, as queimadas forçaram uma população de morcegos frugívoros a voar para outros locais em busca de alimento, levando consigo o vírus Nipah e uma doença mortal.

As doenças infecciosas foram a principal causa de mortalidade até o início do século mas, com o aparecimento dos antibióticos, das vacinas e do saneamento, elas diminuíram seu grau de letalidade. Mas, a partir de 1980, essas doenças voltaram a preocupar. Segundo pesquisa apresentada no Fórum Econômico Mundial, em Davos, 31% dos 12.012 surtos epidêmicos entre 1980 a 2013 estão ligados a ambientes que foram degradados. E aqui chegamos ao Brasil e à Amazônia. Não é improvável que a próxima pandemia surja na Amazônia, afirmam cientistas. Nela encontramos a maior concentração de biodiversidade do planeta, com milhões de vírus e bactérias que viveram, até agora, em harmonia com seus hospedeiros naturais. Mas, como vimos, a degradação ambiental está diretamente ligada ao surto dessas epidemias, pois a fragmentação das florestas une pessoas e espécies animais que normalmente não estariam interagindo.

A malária é um exemplo bem conhecido do que a destruição da floresta por aqui é capaz. Apesar dos esforços para controlar a doença terem reduzido de 6 milhões de casos por ano na década de 1940 para apenas 50 mil na década de 1960, o desmatamento da Amazônia a partir de 1970 elevou para mais de 600 mil casos por ano na virada do século. A retirada de partes da mata para construção de estradas, garimpo, pastos e grilagem de terras cria um habitat ideal nas bordas da floresta para a proliferação do Anopheles darlingi — o mais importante transmissor de malária na Amazônia. Diante da crescente degradação do bioma amazônico, devemos nos perguntar que futuro queremos para nós?

Na Amazônia, o ano de 2019 — com a fiscalização do Ibama sendo desautorizada pelo governo federal e a edição da Medida Provisória 910, em tramitação na Câmara, que estimula e premia a invasão e o desmatamento de terras públicas — teve o maior

índice de desmatamento e queimadas dos últimos sete anos. Agora em 2020, mesmo antes da temporada seca, o desmatamento já é o dobro do ano passado para o mesmo período. Algo inadmissível. É hora do Brasil e dos brasileiros tomarem uma posição firme e definitiva contra o desmatamento. Não podemos continuar virando as costas para esse problema que coloca em risco a nossa vida, a dos nossos filhos e netos.

A perda da Floresta Amazônica comprometerá nossa identidade, nossa biodiversidade, nossa economia, nosso abastecimento de água, nossa agricultura, nossa cultura e, não menos importante, nossa saúde.

Estevão Ciavatta é autor e diretor de cinema

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