Elio Gaspari: Joe Biden está sem rumo

Pelo andar da carruagem, republicanos podem retomar controle do Congresso no ano que vem
Foto: Andrew Parsons / No 10 Downing Street
Foto: Andrew Parsons / No 10 Downing Street

Pelo andar da carruagem, republicanos podem retomar controle do Congresso no ano que vem

Elio Gaspari / O Globo

O presidente americano Joe Biden conseguiu perder a eleição na Virgínia um ano depois de ter vencido naquele estado com uma vantagem de dez pontos. Pelo andar da carruagem, os republicanos poderão retomar o controle das duas casas do Congresso no ano que vem, ressuscitando o trumpismo. A falta de rumo dos democratas pode ser ilustrada pelo caso do blogueiro Allan dos Santos. É um episódio menor, paroquial, e também significativo.

Tendo prometido uma revisão da política de controle das fronteiras e escolhido sua vice, Kamala Harris, para cuidar da encrenca, Biden não sabe para onde ir, e Kamala, com seu imenso sorriso, simplesmente sumiu.

Entre o final do governo Trump e outubro passado, foram deportados 56.881 brasileiros que tentavam entrar nos Estados Unidos sem a documentação adequada. É o jogo jogado, não tem os papéis, volta para casa. E Allan dos Santos?

O blogueiro está nos Estados Unidos desde julho do ano passado, e no início de outubro teve sua prisão preventiva decretada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Seu visto de turista expirou há tempo, e Moraes pediu que ele fosse recambiado para o Brasil.

O blogueiro, estrela do bolsonarismo eletrônico, defende-se e quer ficar por lá. Ele sustenta que é jornalista e está sendo perseguido. Há dias, ele voltou ao ar: “Eu não sei se o Alexandre vai conseguir me calar. Mas uma coisa eu tenho certeza, e essa certeza é absoluta: quando vierem me calar, estarei falando.”

A diplomacia americana pode oferecer abrigo a Allan dos Santos ou pode tratá-lo como trata os estrangeiros sem a documentação adequada. O que não tem sentido é que nada faça. Faz tempo, ela deu asilo a Leonel Brizola em poucos dias, e não faz tempo, a imigração americana embarcou mais um avião de deportados para o Brasil.

Biden está sendo comido pelos dois lados. Pela direita, porque tem uma agenda de centro. Pela esquerda, pelo mesmo motivo. Se isso fosse pouco, dorme durante reuniões chatas.

Eremildo, Bolsonaro e Moro

Eremildo é um idiota, e por isso leu três vezes o depoimento de Bolsonaro à Polícia Federal. Lá está escrito o seguinte:

 “Ao indicar o delegado Alexandre Ramagem ao ex-ministro Sergio Moro, este teria concordado com o presidente desde que ocorresse após a indicação do ex-ministro da Justiça à vaga no Supremo Tribunal Federal.”

A frase telegráfica não permite dizer que Moro ofereceu uma troca. De certa forma, não permite dizer coisa alguma. Tudo ficaria mais claro se Bolsonaro pudesse reproduzir o que ouviu, contando quando a conversa ocorreu. Pelo que o depoimento registra, Eremildo acha que a história não faz sentido.

A conversa mencionada por Bolsonaro teria ocorrido em abril de 2020. O presidente queria para logo a nomeação de Ramagem para a chefia da Polícia Federal, mas a vaga do ministro Celso de Mello só viria em setembro, mais de quatro meses depois.

Sem as imprecisões que o tempo impõe à memória, Eremildo acha que merece crédito a curta troca de mensagens ocorrida naqueles dias entre a deputada Carla Zambelli e o então ministro da Justiça:

“Por favor, ministro, aceite o Ramagem e vá em setembro para o STF. Eu me comprometo a ajudar a fazer JB (Jair Bolsonaro) prometer”.

Moro respondeu: “Prezada, não estou à venda”.

Lula com Alckmin

De uma víbora do Centrão, experiente porém suspeita:

O Lula pode estar fingindo que oferece a vice ao Geraldo Alckmin, e ele finge que acredita.

Racharam Alcolumbre

O episódio das rachadinhas no gabinete do senador Davi Alcolumbre (DEM-AP) ajudou a passar a escolha de André Mendonça para o Supremo Tribunal Federal.

Até o fim deste mês, Alcolumbre liberará o nome de Mendonça para ser votado na Comissão de Constituição e Justiça, e logo depois ele irá ao plenário. Se a ajuda será suficiente para formar uma maioria, é outra história.

Jaboticabas

Um magistrado brasileiro recebia a visita de colegas americanos quando surgiu o tema dos precatórios.

Os americanos queriam saber o que era aquilo, e o juiz explicou que se tratava de dívidas reconhecidas pelo Judiciário e que não eram pagas. Por delicadeza, mudaram de assunto.

Em outra ocasião, o juiz Antonin Scalia disse que não entendia por que em Pindorama dizia-se que uma lei (da ditadura) era considerada legal, porém ilegítima. “Para mim, isso é blablablá”, disse Scalia.

Explicaram-lhe que de acordo com os Atos Institucionais, as medidas praticadas com base neles não podiam ser apreciadas pelo Judiciário.

Perplexo, Scalia abandonou o tema.

Moro e Dallagnol

Se o ex-juiz Sergio Moro e o agora ex-procurador Deltan Dallagnol disputarem cadeiras no Congresso, terão a surpresa de suas vidas. Na Câmara e no Senado, a voz de qualquer parlamentar vale o mesmo que a deles. Nenhum dos dois habituou-se a tamanho desconforto.

Se Moro disputar uma cadeira de senador, não aguenta oito anos de exercício rotineiro do mandato.

Gatilho rápido

Durante a campanha eleitoral do ano que vem, o Tribunal Superior Eleitoral pretende entrar no salão com o dedo no gatilho.

Pode-se acreditar que os suspeitos de sempre arriscam ir para a cadeia. Mais que isso: chapas e/ou candidaturas poderão ser embargadas.

Desta vez, nenhum processo rolará durante três anos.

A lira da Câmara

Arthur Lira, o presidente da Câmara, não é um personagem simpático, e suas ideias são claras como a noite, mas ele reuniu tamanho arsenal que de pouco adianta prever suas derrotas.

É melhor virar a chave: em princípio, ele ganha.

Petrobras

Bolsonaro recebeu sinais de seu mundo para que esfrie o debate em torno de uma eventual venda da Petrobras.

Quando ele quis colocar velhos amigos no governo, as cerejas desses bolos vieram da Petrobras.

A menos que ele encarregue D. Hélder Câmara e D. Eugênio Salles para desenhar uma eventual privatização da empresa, o tema fluirá para um só estuário, no qual naufragou o navio do comissariado petista.

Quando Fernando Henrique Cardoso privatizou a Vale do Rio Doce, com um caroço muito menor, o capitão defendeu seu fuzilamento.

Crivella candidato

A notícia segundo a qual o ex-prefeito Marcelo Crivella poderá disputar uma vaga no Congresso livraria o governo do constrangimento de ter que esquecer sua nomeação para a embaixada na África do Sul.

Indicado em junho, o doutor ficou travado no silêncio do governo de Pretória, que não lhe concedeu o agrément. No início de outubro, Bolsonaro ligou para o presidente Cyril Ramaphosa e pediu sua ajuda.

Até agora, nada.

Dificilmente a iniciativa do capitão partiu de uma sugestão de diplomatas profissionais. Eles sabem que o silêncio de uma chancelaria sugere a retirada do pedido de agrément, e telefonemas desse tipo só servem para agravar a questão.

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