Elio Gaspari: A vanguarda da elite

Documentário sobre Libelus, organização de estudantes contra a ditadura, ajuda a refletir sobre elite brasileira.
Foto: Agência Brasil
Foto: Agência Brasil

Documentário sobre Libelus, organização de estudantes contra a ditadura, ajuda a refletir sobre elite brasileira

Na quarta-feira, estará no ar o documentário “Liberdade e luta — Abaixo a ditadura”, do cineasta Diógenes Muniz. Trata da Libelu, organização política de estudantes surgida em 1976 e extinta em 1985. Os libelus podem ter sido 800, mas fizeram um barulho danado. Iam para a rua gritando “abaixo a ditadura” (coisa que raramente acontecia desde 1968). Afastavam-se do MDB e da velha esquerda. Eram radicais com senso de humor, gostavam mais de rock do que de samba, mais de Caetano Veloso do que de Chico Buarque. O Serviço Nacional de Informações dizia que eram uma “dissenção” do Partido Comunista e da “linha trotsquista”. Os libelus eram jovens, num tempo em que o filósofo francês André Glucksman dizia que “Brejnev é Pinochet”. Um governava a União Soviética; o outro, o Chile.

As coisas são assim desde 1786, quando o estudante José Joaquim Maia (codinome Vendek) procurou Thomas Jefferson, embaixador dos Estados Unidos na França, pedindo-lhe ajuda para uma conspiração que se armava em Minas Gerais. Os estudantes foram a vanguarda da elite brasileira. Mais tarde, eles se tornam a própria elite, e a vida segue.
No documentário de Diógenes Muniz há uma doce viagem à alma dos jovens dos anos 70, na voz de 20 sexagenários lembrando-se da aurora de suas vidas. Só eles falam, um de cada vez. Em todos os idiomas há o provérbio segundo o qual quem não é de esquerda aos 20 anos não tem coração, e quem continua de esquerda depois dos 50 não tem cérebro. Dos 20 libelus entrevistados, cada um tomou seu caminho e foram para todos os lados. Poucos ficaram mais ou menos no mesmo lugar. Aí está o valor dos depoimentos e do documentário.

As entrevistas com os libelus foram gravadas no cenário da Universidade de São Paulo. Só “Pablo”, um militante que estudava Medicina em Ribeirão Preto falou na sala de sua casa. Isso não ocorreu por deferência ao ex-ministro da Fazenda de Lula e ex-chefe da Casa Civil de Dilma Rousseff, mas porque Antonio Palocci está em prisão domiciliar. Seu depoimento fecha o ciclo de um pedaço da amostra. Quando foi perguntado se ainda se considerava um homem de esquerda, Palocci não vacilou: “Claro”.

Não se mostrou arrependido de ter dançado “conforme a música”, mas ponderou: “Os que não se meteram em caixa dois não se elegeram… Talvez eu fosse uma pessoa melhor…”

A estudantada é a vanguarda da elite brasileira. Vendo-se o documentário de Diógenes Muniz, pode-se refletir sobre os jovens, o que é fácil. Desde 1786, difícil é refletir sobre a elite. Até nisso os libelus ajudam.

Serviço: “Liberdade e luta” faz parte do festival “É tudo verdade” e para vê-lo bastará entrar no site às 21h. É grátis, mas é preciso fazer um cadastro.

Mito histórico

Outro dia o vice-presidente Hamilton Mourão lembrou mais uma vez que os Estados Unidos foram o primeiro país a reconhecer independência do Brasil.

Mourão tem gosto pela História, e faltam menos de dois anos para o bicentenário do Grito do Ipiranga. Talvez tenha chegado a hora de se esclarecer esse mito. Em 2017, num estudo publicado pelos Cadernos do Centro de História e Documentação Diplomática, Rodrigo Wiese Randig mostrou que o primeiro país a reconhecer a independência do Brasil foi a Argentina, que à época atendia pelo nome de Províncias Unidas do Rio da Prata.

A Argentina reconheceu o Império do Brasil no dia 25 de junho de 1823, e em agosto seu representante apresentou suas credenciais ao chanceler brasileiro. Os Estados Unidos só reconheceram o Brasil um ano depois, e o embaixador José Silvestre Rebelo entregou suas credenciais ao presidente James Monroe no dia 26 de maio de 1824.

O governo tem feito pouco, quase nada, para comemorar o Bicentenário da Independência. Arrisca atolar numa patriotada estéril, como aconteceu em 1972, no Sesquicentenário, quando a ditadura passeou os ossos de D. Pedro I pelo país até colocá-los numa cripta nos jardins do Museu do Ipiranga. Anos depois, ela virou mictório.

Dois meses depois da entrega de credenciais pelo embaixador brasileiro a James Monroe, D. Pedro I recebeu o embaixador do reino africano do Benin, na Quinta da Boa Vista. O Benin estava mais para entreposto de escravizados do que para reino.

A unanimidade esperta

Nelson Rodrigues já ensinou que toda unanimidade é burra.

A Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro decidiu por unanimidade avançar com o processo de impedimento do governador Wilson Witzel. A unanimidade pode também ser esperta, muito esperta.

Trapaça

Apareceu mais um juiz terrivelmente evangélico na fila do guichê para a indicação do próximo ministro do Supremo Tribunal Federal. É o juiz William Douglas dos Santos.

Numa trapaça da História, William Douglas (1898-1980) foi um desassombrado juiz da Corte Suprema dos Estados Unidos. Comprou todas as brigas em defesa da liberdade e ainda por cima defendia o meio ambiente numa época em que pouco se falava disso. Certa vez, encarou uma trilha de três mil quilômetros.

Aguentou-se na Corte tendo se metido com um dono de cassinos. Pediu para sair quando, depois de um acidente vascular, estava trocando as bolas.

Aviso

A popularidade do capitão, o surgimento de Celso Russomanno nas pesquisas paulistanas e a promessa de Paulo Guedes de elevar a isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física, beneficiando 15 milhões de pessoas, deveriam levar a oposição a pensar na vida. O que mais se ouve é que esse mar de rosas acabará quando o auxílio emergencial for suspenso. Pode ser.

Não custa repetir uma lição do mestre Marco Maciel, quando um marqueteiro lhe disse que, segundo as pesquisas, o candidato adversário estava em queda e o dele, em ascensão:

“Ainda assim, o senhor acha que a intersecção dessas duas retas ocorrerá antes ou depois da eleição?”

Sede ao pote

As guildas dos procuradores precisam controlar a sede da corporação.

Numa festa catarinense, os doutores conseguiram uma equiparação que colocou a prêmio os mandatos do governador Carlos Moisés e de sua vice.

A Advocacia-Geral da União promoveu 606 doutores com um golpe de caneta e foi obrigada a esquecer o assunto diante da grita.

Eremildo, o idiota

Até um idiota como Eremildo pode entender que o Ministério da Educação nada tem a ver com o reinício das aulas.

Néscio, ele não sabe explicar se o doutor Milton Ribeiro também acha que seu ministério não tem nada a ver com o escalafobético edital do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação que, há mais de um ano, tentou torrar R$ 3 bilhões num edital viciado para a compra de equipamentos eletrônicos.

A Controladoria-Geral da União travou o jabuti, mas até hoje não se sabe de onde ele saiu.

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