Eliane Cantanhêde: Liberar cultos, missas e aglomerações equivale a mandar o gado para o matadouro

Em meio ao caos, o bolsonarista do Supremo, Kassio Nunes Marques, passa por cima de decisões do plenário.
Foto: Roberto Parizotti/Fotos Públicas
Foto: Roberto Parizotti/Fotos Públicas

Em meio ao caos, o bolsonarista do Supremo, Kassio Nunes Marques, passa por cima de decisões do plenário

O Brasil vive duas tragédias simultâneas, em meio a um negacionismo criminoso que tenta garantir até aglomerações em igrejas e cultos: o número de infectados e mortos pela covid-19 só dispara, enquanto as previsões de doses de vacinas só caem. A boca do jacaré aumenta e vai devorando vidas, a economia, os empregos, a comida na mesa. E não está se falando de jacaré que tomou vacina…

Como advertiam desesperadamente os epidemiologistas, março de 2021 foi o mês mais macabro da pandemia, com o dobro das mortes registradas em julho de 2020, até então o pior mês em mortes e infecções. E a nova má notícia é que a escalada da carnificina deve continuar em abril.

Quanto mais brasileiros morrem, mais a previsão de vacinas cai, em sentido inverso. No dia 17 de fevereiro, quando o Brasil atingiu 242.178 mortos, o então ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, anunciou 46 milhões de novas doses em março. O número de mortes disparou desde então, mas o de doses minguou. Março fechou com menos de 10% dos brasileiros vacinados.

Em 28 de fevereiro, os mortos haviam subido para 255.018 e a previsão de vacinas caía para 39,1 milhões. Em 3 de março, 259.042 mortos contra 38 milhões. Em 6 de março, 264.446 e 30 milhões. Em 8 de março, 266.614 e de 25 milhões a 28 milhões de doses. Em 10 de março, 270.917 e de 22 milhões a 25 milhões. O gato comeu milhões de doses. Gato guloso, Ministério da Saúde pouco confiável.

Para abril, as previsões de mortes são aterrorizantes e, num estalar de dedos, a expectativa de novas doses já caiu de 40 milhões para 25 milhões. O nosso Estadão revelou a realidade: a vacinação dos grupos prioritários – atenção, não da população toda, apenas dos prioritários – só deve ser concluída em setembro. Deus nos livre!

A situação é caótica, com o sistema de saúde super pressionado, os profissionais do setor esgotados, risco de falta de oxigênio e medicamentos, milhões de pessoas passando fome e vans escolares já sendo usadas para transportar corpos em São Paulo, o Estado mais rico do País.

O presidente Jair Bolsonaro, porém, só pensa no seu marketing pessoal. Os filhos jogam na internet o slogan “nossa arma é a vacina”, o Planalto sedia reuniões inúteis da frente contra a covid e todo o governo corre para dar ao presidente o discurso mentiroso, a propaganda enganosa, de que ele, imaginem, lidera o esforço por vacinas. Nenhuma fake news poderia ser mais absurda, depois de tudo o que Bolsonaro disse e não disse, fez e não fez na pandemia.

Não atuou a favor e guerreou contra as vacinas, não atuou a favor e guerreou contra o isolamento social, não atuou a favor e guerreou contra as máscaras e, em vez de guerrear contra, atuou a favor da cloroquina – os efeitos já começam a aparecer… E seus seguidores vão atrás. Que tal a comparação das vacinas com a talidomida nas redes, quando Bolsonaro dizia que a Coronavac “matava e mutilava”?

Em meio ao caos, o bolsonarista do Supremo, Kassio Nunes Marques, passa por cima de decisões do plenário e libera cultos e missas durante a pandemia. Equivale a mandar o gado para o matadouro. Com a suspeita de que o ministro segue as máximas do presidente: “aos aliados tudo” e “um manda, outro obedece”. Mesmo não devendo obediência nenhuma.

O ex-juiz Sérgio Moro foi expelido por resistir à ingerência política na Polícia Federal. O general Fernando Azevedo e Silva foi demitido por evitar a ingerência política no Exército. Como impedir a ingerência negacionista no Supremo? Em 5 de julho, Marco Aurélio Mello se aposenta, Bolsonaro nomeia o “seu” segundo ministro e os dois, juntos, mudam o equilíbrio do plenário. Para melhor, não será. E a pandemia estará correndo solta.

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