Eleições no Brasil acumulam polêmicas e suspeitas de fraudes antes da urna eletrônica

Casos emblemáticos no Rio de Janeiro e em Alagoas envolveram cédulas de papel fraudadas e apuração irregular
Foto: José Cruz/Agência Brasil
Foto: José Cruz/Agência Brasil

Casos emblemáticos no Rio de Janeiro e em Alagoas envolveram cédulas de papel fraudadas e apuração irregular

Se as votações realizadas com urnas eletrônicas não possuem nenhuma comprovação de fraude desde que essa tecnologia passou a ser utilizada, há 25 anos, os pleitos anteriores acumulam polêmicas e suspeitas de fraudes em casos que remontam ao início da República no Brasil, em 1889.

Uma das situações emblemáticas ocorreu no Rio de Janeiro, na eleição de 1994, quando, após denúncias de fraudes, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) pediu auxílio do Exército para fiscalizar a apuração de zonas eleitorais.

Na época, segundo reportagem da Folha, uma facção criminosa chegou a ameaçar de morte Luiz Fux, então juiz eleitoral e hoje presidente do STF (Supremo Tribunal Federal).

Por decisão unânime, os sete juízes do TRE-RJ (Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro) decidiram anular as eleições no estado para deputados federais e estaduais e convocar novo pleito para novembro do mesmo ano.

Imagem em preto e branco mostra militares caminhando a frente de um caminhão, de onde descem vários militares
Tropas do Exército acompanham primeiro turno das eleições de 1994 em Ouro Branco (AL) – Antônio Gaudério/Folhapress

A Polícia Federal indiciou cinco pessoas por formação de quadrilha, suspeitas de adulterar boletins eleitorais. Os votos de uma urna foram impugnados porque 45 votos apresentavam a mesma caligrafia.

Em 1996, porém, o TSE restabeleceu o resultado do primeiro pleito por entender que a maioria dos votos foi válida. Naquele mesmo ano, as urnas eletrônicas passaram a ser adotadas no país.

Nos últimos dias, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) reforçou seus ataques ao sistema eletrônico de votação e deu repetidas declarações golpistas de ameaças à realização das eleições de 2022 caso não seja implantado um modelo de voto impresso.

Embora argumente que as urnas eletrônicas seriam passíveis de fraude, Bolsonaro nunca apresentou provas —que vem prometendo há mais de um ano— para embasar a acusação.​

Antes das urnas eletrônicas, entre os métodos citados para fraudar votações em papel estavam o depósito em branco de cédulas que poderiam, posteriormente, ser preenchidas de forma irregular; extravio de cédulas; e os boletins informativos das urnas que poderiam ser alterados após a apuração.

Outro caso que ficou famoso no país ocorreu em Alagoas. Após as eleições de 1990, o TRE do estado anulou os votos de 117 urnas de Maceió, apuradas pela 2ª Junta Eleitoral da capital alagoana. O tribunal também anulou os votos dos municípios de Campo Grande, Girau do Ponciano, Batalha, Jacaré dos Homens e Belo Monte.

A eleição suplementar ocorreu nesses locais no dia 16 de dezembro daquele ano e confirmou os nomes de Geraldo Bulhões (PSC) e Renan Calheiros (então no PRN) na disputa pelo Governo de Alagoas no segundo turno.

Em Maceió, as fraudes consistiram na transformação de votos brancos e nulos em votos válidos e na alteração dos boletins de apuração. No interior do estado, urnas chegaram aos locais de votação com votos previamente preenchidos, com caligrafias idênticas.

“A votação em cédula de papel era muitíssimo mais insegura”, lembra João Fernando Lopes Carvalho, membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de São Paulo. Além de maiores possibilidades de fraude, ele afirma que existiam erros pertinentes ao próprio processo.

“O eleitor tinha que escrever na cédula para quem ele votava. Isso gerava uma dificuldade grande para identificar quem era o destinatário do voto. Às vezes o número de votos da urna não batia com o número de votos registrados em determinado local. É um processo bem mais complicado do que parece ficar contando cédula. E, às vezes, o apurador lançava o voto identificado de um candidato para outro concorrente.”

Lopes Carvalho diz ainda que a apuração dos votos demorava um longo tempo. “Era um sofrimento. Se arrastava por dias, noites, as pessoas chegavam a passar mal no meio do processo de apuração. A eleição em papel é mais insegura do que a eleição eletrônica, sem dúvida nenhuma.”

O especialista em direito eleitoral se recorda de atuar no caso de um deputado federal afetado por um episódio de mapismo, isto é, a inversão dos resultados lançados nos boletins de apuração. “Ele tinha uma votação constante em uma determinada cidade e, de repente, em algumas sessões ele deixava de ter votos e o candidato concorrente registrava votos iguais à média dele. Era uma coisa muito frequente no processo de apuração.”

Em entrevista publicada pela Folha em novembro de 2020, o cientista político da UnB (Universidade de Brasília) David Fisher afirmou que o voto por meio de cédulas de papel “abre muito espaço para manipulação e falsificação”.

Como exemplo, ele citou sua experiência nas eleições de 1994 em São Paulo, quando atuou como observador da OEA (Organização dos Estados Americanos).

“Era complicado porque tinha que apurar votos para cargos majoritários e proporcionais. Teve uma mesária que foi ao banheiro quatro ou cinco vezes. O juiz desconfiou e mandou uma oficial ir atrás dela. A apuradora havia pego votos em branco sorrateiramente, colocado na calcinha e estava no banheiro preenchendo”, exemplificou.

“Naquela época, nas cidades menores, tinha o fenômeno que o cabo eleitoral guardava o título eleitoral dos eleitores e depois levava o eleitor para votar. Chegava lá, entregava o título e a chamada marmita [envelope com todas as cédulas de papel]”, contou Fisher.

Outro exemplo dado por ele é o de um juiz eleitoral que pediu a opinião dos fiscais para saber como contabilizar os votos. “Fernando Henrique Cardoso não era candidato, deveria ser voto nulo. Mas podia contar como voto partidário ao PSDB. Mesma coisa no caso do Lula e do Brizola: acabou contando como voto de legenda”, contou.

O próprio TSE admitiu que houve “várias denúncias de fraudes antes da adoção da urna eletrônica pela Justiça Eleitoral”.

Mas os problemas durante votações no Brasil já apareciam em eleições bem mais antigas. No período da República Velha, que vai da Proclamação em 1889 até a Revolução de 1930, os pleitos brasileiros foram marcados por irregularidades.

Prudente de Morais, eleito em 1894 como presidente da República, apoiava os candidatos indicados pelos governadores que, em troca, retribuíam o apoio. A ação dependia dos coronéis, grandes proprietários de terras que possuíam poder em relação aos eleitores, incentivavam que estes votassem nos candidatos indicados e fiscalizavam se as pessoas realmente votaram conforme determinado.

Nas eleições de março de 1930, Júlio Prestes venceu a disputa à Presidência. Entretanto existiram suspeitas de fraude. Nesta década, o país vivia um clima conturbado e a possibilidade de maniputação no pleito contribuiu para a eclosão de um conflito entre estados que culminou com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder.

A partir de 1955, para tentar inibir fraudes, fixou-se o eleitor na mesma seção eleitoral. Outra alteração foi a adoção da cédula única de votação. Até então as cédulas eleitorais eram impressas e distribuídas pelos próprios candidatos.

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