El País: “O BNDES não tem intenção de deixar a Embraer”, diz Dyogo de Oliveira

Presidente do banco afirma que participação da empresa na JBS pode ser vendida e quer retomar ritmo de concessões de crédito que caíram nos últimos quatro anos
Foto: Agência Brasil
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Presidente do banco afirma que participação da empresa na JBS pode ser vendida e quer retomar ritmo de concessões de crédito que caíram nos últimos quatro anos

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Presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Dyogo Oliveira diz que a instituição não pretende vender sua participação na Embraer, que acaba de anunciar um acordo para a joint-venture com a Boeing no valor aproximado de 15 bilhões de reais. Hoje, o banco tem 5,4% da empresa de aviação. Em entrevista ao EL PAÍS – concedida em duas etapas, uma presencial e outra por e-mail –, Oliveira ressalta, contudo, que não está descartada a venda das ações na empresa de alimentos JBS, uma das envolvidas no escândalo da operação Lava Jato e responsável por criar uma das maiores crises políticas da gestão Michel Temer. O banco é acionista de 21% da companhia controlada pela família dos irmãos Joesley e Wesley Batista.

Nos últimos 15 anos, o banco estatal se deparou com uma curva em que houve um aumento exponencial de concessões de crédito às empresas no Brasil. Em seguida, veio a queda provocada pela recessão. Mas, após quatro anos de maus resultados, o banco começa a retomar sua concessão de créditos. “Ano passado o BNDES financiou 83.000 empresas. Em anos anteriores chegou a financiar 140.000 empresas”, diz. Em 2017 foram concedidos 70,7 bilhões de reais, patamar semelhante ao de 2007. No período em que mais financiou empresas brasileiras, em 2013, foram distribuídos 190,4 bilhões de reais. “Temos um estoque a desembolsar de 149 bilhões de reais nos próximos anos”, afirma.

Às vésperas de participar da conferência “Infraestrutura para a integração da América Latina”, na próxima segunda-feira, o presidente do BNDES, ex-ministro do Planejamento de Temer, tentará convencer empresas espanholas a investirem no Brasil. No evento, promovido pelo Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF), Oliveira tem a missão de vender o Brasil para empresas da Espanha, o terceiro país que mais investe em território brasileiro, com um estoque de 64 bilhões de dólares.

Pergunta. O BNDESPar continua na Embraer, após a joint venture com a Boeing?
Resposta. O BNDES não tem nenhuma intenção de deixar a Embraer. Isso nunca foi discutido. Estamos avaliando essas mudanças todas que estão acontecendo de maneira bastante positiva. A empresa precisa ter aliança estratégica com um grande player global, uma vez que seu principal concorrente [Bombardier, que seu aliou à AirBus] fez esse movimento. É mais ou menos como você mudar de categoria no boxe. Sair do peso leve para o peso pesado. A Embraer competia no mais leve. Agora, entrou um peso pesado no ringue. Não dá para lutar da mesma maneira.

P. O BNDES hoje detém cerca de 21% em ações na JBS. Ainda há o interesse do banco em vender sua participação na empresa?
R. Todas as nossas ações estão passíveis de alienação. A JBS inclusive. Evidentemente, que só faremos isso se houver uma oferta vantajosa para o banco.

P. O senhor foi obrigado a sair do Ministério do Planejamento e vir para o BNDES? O que o motivou?
R. Foi uma decisão do presidente [Temer] que há época teve a intenção de deslocar para a equipe do BNDES alguém da confiança dele. Ele gostaria de valorizar o BNDES. Nesse sentido, ele me convidou e, no meio de uma mudança importante na estrutura ministerial, eu achei conveniente poder colaborar com o BNDES e trabalhar nessa instituição valorosíssima.

P. Como está a concessão de crédito às empresas brasileiras?
R. Estamos tendo até junho um crescimento nas consultas e enquadramentos, que são as fases iniciais do processo. Estamos com 4% de crescimento em consulta e 9% de crescimento em enquadramento. Como nos anos anteriores foram muito fracos, os nossos desembolsos ainda estão caindo. No período até junho, tivemos uma queda de 17% nos desembolsos. Mas o nosso estoque de valores a desembolsar que vinha caindo durante vários anos seguidamente, em junho voltou a crescer suavemente. Temos um estoque a desembolsar de 149 bilhões de reais nos próximos anos. Tudo está muito concentrado até meados do ano que vem. A tendência é que haja uma acomodação e uma retomada do crescimento dos desembolsos do BNDES neste ano e no ano que vem.

P. Essa queda na concessão de crédito se deve a quê exatamente?
R. É resultado de três anos seguidos sem crescer e um 2017 em que crescemos 1%. Isso desacelerou a demanda, principalmente da indústria para novos investimentos.

P. De que maneira a operação Lava Jato influenciou nessa redução?
R. Diretamente no banco, as empresas investigadas pela Lava Jato representam pouco em relação ao montante de recursos que o banco administra. A questão é mais no impacto no conjunto da economia. Houve uma desorganização das empresas, que tinham muitos empregados. Isso tem um impacto econômico que não é desprezível. O elemento principal não é isso. É a recessão. O elemento que implica na maior parcela pelos investimentos e impacta nos negócios do BNDES é a atividade econômica. Uma atividade baixa impacta diretamente em nossa demanda. Agora, essa reversão em consulta e enquadramento é a sinalização ao contrário. Muitas empresas passaram a procurar o banco para ver se tem linha de crédito disponível, apresenta proposta. Essa linha demonstra que está começando a ter uma retomada de investimento.

P. Qual argumento vocês usam para convencer uma empresa a investir no Brasil?
R. O Brasil tem um mercado interno muito grande. Em muitas áreas temos uma demanda revelada, principalmente por infraestrutura. E muitos setores da economia brasileira vão muito bem: agronegócio, setores exportadores, mineração, papel e celulose, petróleo. Esses são os que mais demandam investimentos.

P. Após seguidas quedas nas notas das agências de rating, como está a captação de recursos?
O BNDES nunca teve dificuldades em captar recursos. Seja no Brasil ou no exterior. Se não captou mais é porque não precisou. A dificuldade sempre esteve em repassar os custos de mercado em função do diferencial que a antiga TJLP apresentava. Como o custo da nova TLP converge para custos da NTN-B de 5 anos até 2023, isso abre novas possibilidades de captação no futuro, a exemplo da securitização de recebíveis. A antiga TJLP é uma taxa administrada repactuável a cada três meses, o que torna a venda de ativos de crédito em TJLP inviável em função do prejuízo que o banco teria que incorrer para que os investidores assumissem o risco de carregamento de uma taxa cuja remuneração pode mudar em função de decisões de Governo. A securitização não é algo para logo. Estamos fazendo os ajustes necessários nos contratos para tornar a transferência de risco viável no futuro, desde que os projetos estejam maduros e consolidados.

P. Quais projetos estão sendo financiados no exterior?
R. Importante esclarecer que, por intermédio de suas linhas de apoio à comercialização no exterior de bens e serviços, o BNDES não financia projetos em outros países, mas a exportação de bens e serviços produzidos no Brasil. Em quaisquer das modalidades de apoio à exportação, não há remessa de recursos para o exterior. Os desembolsos de recursos são efetuados em reais, no Brasil, diretamente ao exportador brasileiro, com base nas exportações efetivamente realizadas e comprovadas. O BNDES financia exportações brasileiras de bens de capital e aeronaves, há 25 anos, tendo financiado 28 bilhões de dólares nas operações de comercialização ao exterior deste segmento. No segmento de serviços, o banco também financiou as exportações brasileiras de bens e serviços de engenharia para 13 países, englobando cerca de 150 projetos, no valor total de 10,5 bilhões de dólares, nos últimos 19 anos. Para bens, aeronaves e serviços de engenharia, foram realizados financiamentos para 43 países no valor de US$ 48 bi, em 25 anos. Atualmente o saldo devedor dos financiamentos dos serviços de engenharia é de US$ 4,2 bilhões e a carteira total possui um saldo devedor aproximado de US$ 10 bi.

P. E hoje qual é o principal projeto financiado no exterior?
R. A maior operação que temos hoje é a de exportação de trens e comboios para a Argentina. O valor aproximado é de 1 bilhão de dólares. O contrato estava pronto para ser esse mês, mas a Argentina atrasou o edital para outubro. Só vamos saber quando fecharem a proposta.

P. Quais empresas estão envolvidas nesse contrato?
R. São empresas instaladas no Brasil, mas são empresas internacionais que fabricam vagões. Como a licitação está em curso, não posso citá-las nominalmente para não criar qualquer embaraço.

P. Sobre o porto de Mariel, em Cuba. Qual o valor que o BNDES tem a receber? Qual é o prazo?
R. No conjunto das operações de financiamentos de bens e serviços para Cuba, o valor a receber monta cerca de US$ 530 mm, com prazo total inferior a 18 anos.

P. O BNDES está discutindo com o Palácio do Planalto o pagamento dos repasses feitos ao Tesouro. Como está essa questão? Qual é o valor devido?
R. O BNDES captou com o Governo Federal, entre 2008 e 2014, 414 bilhões de reais em valores históricos para buscar reverter os efeitos da crise internacional, em um primeiro momento, e depois para atender as políticas oficiais de crédito então vigentes. Com a deterioração das condições fiscais, o ritmo de investimentos que se observava até meados de 2014 sofreu queda acentuada. Nessas circunstâncias, dada a frustração de demanda elevada que havia no período pré-crise fiscal, o BNDES emprestava menos do que recebia de volta de serviço financeiro das suas operações de crédito. Foi o diagnóstico, revisado periodicamente, de que a redução da demanda por recursos do BNDES era prolongada é que justificou o primeiro pagamento antecipado ao final de 2015, o que voltou a acontecer nos anos seguintes, e nesse ano será de 130 bilhões de reais. Até o final do ano, o BNDES terá devolvido 310 bilhões de reais dos recursos originalmente recebidos e o saldo-devedor, estima-se, deverá ser algo na casa dos R$ 260 bilhões.

P. A ideia é antecipar esse saldo devedor, certo? Ele estava previsto para ser quitado até 2060?
R. Estava previsto para ser pago entre 2058 e 2060. Estamos redistribuindo esses pagamentos de uma maneira mais linear e isonômica ao longo desse período e também reduzindo o prazo. A gente deve, provavelmente, reduzir em aproximadamente 15 anos. Queremos terminar de pagar em 2045.

P. Qual a importância de reduzir esse prazo?
R. Primeiro, dá uma previsibilidade maior para o BNDES se adaptar durante esse tempo, porque não seria nada trivial chegar no último ano e ter 230 bilhões de reais para entregar para o Tesouro. E porque melhora o desempenho do Tesouro no período, reduzindo a dívida pública. É uma maneira de encerrar esse capítulo da dependência do BNDES em relação ao Tesouro. O BNDES tem capacidade, tem acesso a recursos nacionais e internacionais, não precisa depender do Tesouro para exercer a sua função de banco de desenvolvimento. E pode fazer isso com seus próprios recursos e com a captação de recursos em mercado.

P. Sendo o cargo de presidente do BNDES um cargo de indicação do presidente da República, qual a garantia que o senhor tem de que esse acordo será cumprido pelos seus sucessores?
R. É uma política razoável. É uma decisão correta. Só posso acreditar que meus sucessores darão sequência em decisões corretas que beneficiem o país. É claro que a principal decisão cabe sempre ao eleitor escolher bons governantes que tomem decisões acertadas.

P. Em linhas gerais, o que dá de se fazer até o fim deste Governo, em dezembro?
R. Até o final do ano temos de consolidar uma série de inciativas de reformas e ações de controle fiscal que já estão em andamento. A Câmara acabou de aprovar o projeto de lei das distribuidoras, isso é fundamental. Cabe ao BNDES conduzir o processo de privatização dessas empresas, que vai deixar seis Estados com energia elétrica. A falta de privatização dessas distribuidoras trazia o risco desses seis Estados ficarem sem energia elétrica. O projeto da cessão onerosa também acabou de ser aprovado, que é medida muito importante no ponto de vista de receitas para a União e dinamizar os investimentos. Há uma série de agendas microeconômicas, que estão dentro de um grupo de trabalho criado pelo Ministério da Fazenda para o desenvolvimento do mercado de capitais. Há medidas conduzidas pelo Ministério do Planejamento para melhorar a gestão pública, inclusive essa medida que permite o remanejamento dos servidores do Governo, para evitar mais despesas e novas contratações. Há uma pauta muito densa ainda que pode ser conduzida até o final do ano que o Governo tem total condição de conduzir. A própria privatização da Eletrobras que pode avançar alguns passos.

P. O senhor acha que é possível concluir essa privatização da Eletrobras ainda no Governo Temer?
R. Talvez não seja possível concluir, mas é possível avançar.

P. Mas se não concluir essa privatização agora, volta algumas casas no tabuleiro, não?
R. Não. Não volta. São coisas corretas, acertadas, que qualquer governante vai chegar, que qualquer novo Congresso vai chegar e compreender a importância de se fazer, de se ter o saneamento da empresa. A Eletrobrás encontra-se completamente descapitalizada, você tem de capitalizar a empresa, atrair recursos para que ela volte a investir, gerar energia, volte a cumprir seu papel e se torne uma das maiores empresas de energia do mundo. A Eletrobrás tem condições plenas e capacidade técnica para ser uma das maiores empresas de energia do mundo. Só precisa ter uma boa gestão e um arcabouço legal adequado. É isso que estamos trabalhando para fomentar.

P. Qual é papel do BNDES para a retomada do crescimento?
R. O BNDES está passando por um processo vigoroso de transformações. Fizemos um planejamento estratégico do BNDES para fazer a transição do banco dependente do Tesouro e de subsídios, para um BNDES que conduz o processo de desenvolvimento do país através de ações objetivas e de acessos a recursos para as empresas que agregam o valor e geram crescimento. Estamos focando, principalmente a área de infraestrutura e a área de pequenas e médias empresas. Em vertentes que têm inovação tecnológica, comércio exterior, tecnologias ambientalmente sustentáveis. Isso exigirá do BNDES uma transformação interna de todos os seus procedimentos, a digitalização interna do banco e a relação com seus clientes, o lançamento de novos produtos próprios deste mundo dinâmico de empresas inovadoras. Ano passado o BNDES financiou 83.000 empresas. Em anos anteriores chegou a financiar 140.000 empresas. O BNDES precisa financiar ainda mais. Vamos ter de fazer a mudança de todos os processos internos de aprovação. O BNDES tinha um único modelo de análise de projetos. Não havia nenhuma diferenciação no tipo de projeto, de garantia. Até os projetos não reembolsáveis tinham o mesmo processo. Agora, estamos segmentando. Várias características serão mais adequadas.

P. Era o mesmo para uma empreiteira como para uma empresa de software?
R. Sim. O mesmo. Independentemente para quem fosse. Identificamos vários problemas de duplicação, de aprovações circulares. Agora, com as mudanças, haverá uma redução de tempo enormemente. O BNDES trabalhava com uma meta de ter 50% das operações aprovadas em até 180 dias. Com as mudanças que estamos implementando, serão raras as operações que vão passar dos 180 dias. Muitas das operações não demorarão nada, serão automáticas. Nós vamos fazer a pré-aprovação dos clientes e do limite que cada um pode operar com o banco. Já constitui as garantias e define as linhas de crédito que cada um pode solicitar. Quando ele decide qual a linha de crédito, a aprovação será automática. Não vai demorar nada. Vamos antecipar as análises para que quando o cliente necessite do recurso ele tenha o crédito quase que de imediato. Muitas linhas para pequenas empresas já são digitalizadas e online. Por ter fácil acesso a subsídios do Governo, ao longo de sua história o banco não precisou ser mais proativo. Sempre foi mais receptivo. Hoje criamos uma área de “originação” de crédito. Hoje, ele vai mais atrás das empresas, mostrar seus produtos e que o acesso ao banco está facilitado.

P. O que vocês pretendem com esse encontro do Banco de Desenvolvimento da América Latina, na Espanha?
R. Evidente que vamos aproveitar o evento para fazer uma extensa agenda de encontros com empresas espanholas. Muitas que já têm negócios no Brasil e outras que não têm e manifestaram interesse. Vamos fazer contato com essas empresas no sentido de municiá-las de informações sobre a capacidade de investimentos no Brasil e da capacidade que o BNDES tem de apoiar esses investimentos.

P. Há alguma área específica que o banco está focando mais?
R. Basicamente, infraestrutura. E principalmente a participação nos processos de leilão, concessões de todos os setores: energia, transporte, logística.

P. Leilão e concessão de que, especificamente?
R. Tem de tudo. Aeroportos, rodovias, ferrovias, energia. Empresas de todos os setores. O estoque de investimentos espanhóis está acumulado em 64 bilhões de dólares no Brasil. A Espanha hoje é o terceiro maior investidor no Brasil hoje. Fica atrás dos Estados Unidos e China.

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