Eduardo Rocha: Qual austeridade fiscal ou quem pagará a conta (3)?

Não há dúvida que aumentaram extraordinariamente as despesas públicas para fazer frente aos efeitos nefastos da pandemia da Covid-19, que fez diminuir a arrecadação de impostos por conta da paralisação econômica inédita.
Foto: Marcos Corrêa/PR
Foto: Marcos Corrêa/PR

Não há dúvida que aumentaram extraordinariamente as despesas públicas para fazer frente aos efeitos nefastos da pandemia da Covid-19, que fez diminuir a arrecadação de impostos por conta da paralisação econômica inédita. A Secretaria do Tesouro Nacional estima que o rombo nas contas públicas (União, estados, municípios e empresas estatais) deverá somar R$ 708,7 bilhões em 2020, ou 9,9% do Produto Interno Bruto (PIB). No caso do déficit nominal, que inclui os juros da dívida, deve chegar a R$ 1 trilhão e o PIB poderá ter uma queda histórica de até 10%.

A pandemia da Covid-19 aguçou, por conseguinte, o debate sobre como superar esse rombo, como garantir o futuro fiscal do Estado e qual o seu papel na retomada econômica. Para fazer frente a essas questões há o velho e batido discurso de austeridade fiscal feito pelo pensamento convencional que expressa política e intelectualmente os interesses dos grupos dominantes da economia e das finanças, cujo receituário é o liquidacionismo estatal nas esferas econômica e social.

Tal austeridade conservadora baseada nesse liquidacionismo consiste na privatização ampla, geral e irrestrita, na eliminação da regulação do Estado sobre o privado, na manutenção generosa dos privilégios fiscais (isenções, incentivos, subsídios etc.) a grupos dominantes e o corte glacial e impiedoso do gasto público nas áreas sociais sensíveis, perpetuando assim as desigualdades, injustiças e desequilíbrios regionais de desenvolvimento.

O maligno tem bela aparência. Em sua forma, a austeridade conservadora apresenta-se como o paraíso à maioria, mas, em sua essência, conserva os privilégios da minoria. Se os EUA dos anos 30 do século XX convocassem os espíritos do futuro para tirá-los da Grande Depressão e a história fosse tão malvada e enviasse o receituário de Paulo Guedes para salvar-lhes, a grande nação norte-americana não seria o que é hoje. Na história, há utopias que são verdades avançadas, mas há outras que são mentiras eternas.

O momento histórico da vida nacional está certamente cheia de riscos, mas oferece a grande oportunidade de se trabalhar dentro da própria crise para, desviando das areias movediças em que a sociedade atual corre o risco de afundar, transformar a natureza da austeridade fiscal numa outra orientação capaz de caminhar rumo à renovação da nossa República democrática.

Recuperação e sustentabilidade financeira do Estado diante das crises cíclicas inerentes ao capitalismo (cada vez mais integrado nas cadeias globais de valor) e da inédita crise causada pela COVID-19, demandam outra austeridade fiscal, de natureza democrática. É o que trataremos no próximo artigo.

*Eduardo Rocha é economista

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