Dorrit Harazim: Bom mesmo é ser monarca

A rejeição ao desembarque de Trump em Londres, na próxima quinta-feira, é inédita para um presidente dos Estados Unidos em primeira viagem oficial Não será uma visita triunfal, e a hospitalidade do povo anfitrião se anuncia frígida. O máximo que Donald Trump pode almejar é que seus três dias em solo britânico acabem rapidamente e transcorram sem grandes solavancos, com indigestão mínima. A rejeição a seu desembarque em Londres na próxima quinta-feira é inédita para um presidente dos Estados Unidos em primeira viagem oficial.
Foto: White House
Foto: White House

A rejeição ao desembarque de Trump em Londres, na próxima quinta-feira, é inédita para um presidente dos Estados Unidos em primeira viagem oficial
Não será uma visita triunfal, e a hospitalidade do povo anfitrião se anuncia frígida. O máximo que Donald Trump pode almejar é que seus três dias em solo britânico acabem rapidamente e transcorram sem grandes solavancos, com indigestão mínima. A rejeição a seu desembarque em Londres na próxima quinta-feira é inédita para um presidente dos Estados Unidos em primeira viagem oficial.

Sobretudo, quando essa viagem pouco se assemelha ao prestigioso convite que Trump recebera em janeiro de 2017 de Theresa May, primeira líder mundial a ser recebida na Casa Branca pelo então recém-empossado presidente. Por prematuro, o convite acabou se tornando uma encrenca anunciada: o Parlamento britânico e o Palácio de Buckingham ainda não haviam tido tempo de absorver a real dimensão da eleição de Trump e, como o resto do mundo, ainda estavam atordoados.

À medida que o estilo trumpiano foi tomando corpo em Washington, do outro lado do Atlântico a rejeição ao futuro visitante foi se solidificando. Parlamentares da oposição trabalhista informaram à primeira-ministra que impediriam Trump de discursar em Whitehall. Três milhões de cidadãos britânicos assinaram uma petição exigindo a retirada do convite. E mesmo o rebaixamento de “visita de Estado” para a atual “visita de trabalho” não parece ter arrefecido os ânimos em Albion.

Não que a diferença seja pequena. Pelo protocolo da modalidade “visita de Estado”, Trump teria direito a uma recepção de gala na corte de Elizabeth II, e, se assim o desejasse, poderia percorrer o trajeto do Mall até o Palácio de Buckingham numa carruagem folhada a ouro da rainha. À época do convite, foi-lhe atribuída a intenção de aceitar o mimo. Ele também seria recebido por Theresa May no histórico número 10 de Downing Street, haveria um tour dos aposentos ocupados por Churchill na II Guerra, e talvez um chá com Kate Middleton para a sra. Trump. Isso e muito mais. Sabidamente a Inglaterra é imbatível em pompa e circunstância.

Já na “visita de trabalho”, o incômodo hóspede permanecerá a maior parte do tempo providencialmente longe das vistas dos londrinos: um jantar black-tie no palácio de Blenheim, no condado de Oxfordshire, com direito a cerimônia militar e gaitas de fole em homenagem a seus ancestrais escoceses; um encontro com a rainha no castelo de Windsor, e com Theresa May em Chequers, a mansarda campestre de propriedade do governo situada no condado de Buckinghamshire, a sudeste de Londres.

Como o detalhamento exato de sua agenda ainda não foi divulgado, por onde andará Trump entre as 9h30 e 11h30 da manhã da próxima sexta feira, dia 13, adquire interesse especial. Durante este período, um boneco inflável de seis metros de altura em forma de bebê cor de laranja poderá ser visto flutuando acima da Westminster. O boneco tem topete amarelomanga, expressão raivosa, usa fralda e segura na minúscula mão um celular.

Batizado de “Trump baby”, ele custou o equivalente a R$ 83 mil reais coletados através de campanha popular. Fará parte da marcha “Stop Trump”, que promete reunir uma multidão no centro de Londres no mesmo dia e hora, e recebeu autorização do prefeito da cidade para pairar a cerca de 30 metros do solo. Seus idealizadores se autodenominam “ativistas de arte antifascista”. E argumentam que a única maneira eficaz de causar algum impacto em Trump é zombando dele. Para o prefeito Sadiq Khan, notório desafeto do visitante, a autorização se justifica por apoiar o direito a manifestações pacíficas de protesto “que podem assumir diversas formas”. A palavra final, porém, caberá à Polícia Metropolitana e à Agência Controladora de Tráfego Aéreo britânica, que podem, a qualquer momento, reavaliar os riscos.

É possível que, em meio ao material de leitura preparatório da viagem presidencial, algum assessor do presidente tenha incluído uma seleta de privilégios da monarca capaz de causar inveja a Trump. A lista simplificada foi elaborada por uma blogueira de nome Lorena. Em tese, Elizabeth II poderia, na condição de rainha de Reino Unido, Canadá, Austrália e Nova Zelândia, e chefe da Comunidade das Nações, demitir um desses governos. Em tese, a monarca também tem o poder de iniciar uma guerra ou recusar a paz com algum país que julgue seu inimigo (toda lei britânica exige aprovação da monarca para se tornar efetiva). Demitir e poder punir inimigos devem soar bem para Trump.

Além disso, a rainha pode ficar no poder ad perpetuam, não deve nem precisa ser tocada por quem não tem sangue azul (o presidente americano tem horror a germes), não precisa de carteira de motorista nem passaporte, não paga impostos se não quiser (embora pague por vontade própria desde 1992), não está sujeita à Lei de Acesso à Informação e nunca pode ser presa ou processada, mesmo que cometa homicídio, por estar acima da lei.

Ah se Donald Trump pudesse ser monarca!

*Dorrit Harazim é jornalista

 

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