Diante de retrocesso, ONU visita Brasil para avaliar combate à tortura 

País é o único entre 91 signatários de protocolo internacional a retroceder na implementação das políticas de combate à tortura em unidades de privação de liberdade
Foto: Ana Volpe/Agência Senado
Foto: Ana Volpe/Agência Senado

Carolina Diniz, Mateus Oliveira Moro, Railda Alves e Sylvia Dias / O Estado de S. Paulo

Pela terceira vez em 10 anos, o Subcomitê de Prevenção à Tortura (SPT) da ONU virá ao Brasil, único país entre 91 signatários do Protocolo Opcional à Convenção contra a Tortura a retroceder na implementação das políticas públicas previstas neste instrumento. Aqui, existem quase 16 mil espaços de privação de liberdade, entre prisões, unidades socioeducativas, hospitais psiquiátricos, comunidades terapêuticas, locais de acolhimento de crianças e adolescentes e instituições de longa permanência para idosos. 

Os Sistemas Socioeducativo e Carcerário, conforme já observado pelo próprio SPT em visitas ao Brasil em 2011 e 2015, sofrem com severa superlotação e outras violações à dignidade das pessoas privadas de liberdade, seus familiares e trabalhadores. As condições de sobrevivência destas pessoas, em sua maioria negras, que já eram bárbaras antes da pandemia da Covid-19, pioraram nos últimos dois anos. A precariedade do acesso às medidas de prevenção, como itens de higiene, água e banho de sol, somada à ausência de testagem e atraso da vacinação, tornam esses espaços ambientes propícios à propagação da infecção e mortes.

Durante a pandemia, o Estado acentuou a situação de incomunicabilidade das pessoas privadas de liberdade contribuindo para agravar e ocultar abusos. As visitas e a entrega de mantimentos básicos foram suspensas. Familiares de pessoas presas denunciaram que, uma vez restabelecidas as visitas, se depararam com seus entes doentes e desnutridos. As audiências de custódia e inspeções presenciais também foram suspensas e não houve transparência de dados e comunicação adequada a familiares sobre óbitos e contaminados.     

Para além da Covid-19, o Estado brasileiro já vinha restringindo a participação social e sucateando as políticas de prevenção e combate à tortura. Em 2019, o Presidente editou o Decreto 9.831, exonerando os peritos do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura – órgão responsável por monitorar as condições de detenção no país, que já denunciou diversas violações de direitos humanos e alertou sobre a possibilidade de massacres, que atua hoje de forma precária, respaldado apenas por decisão judicial cautelar da Justiça Federal.  A ADPF 607/19 no STF e os Projetos de Decreto Legislativo da Câmara dos Deputados, que visam suspender o ato do Presidente, conforme recomendado pelo próprio SPT em 2019, tramitam há mais de dois anos, sem grandes avanços. Além disso, o Comitê Nacional de Prevenção de Combate à Tortura está desativado desde outubro de 2021.

O enfrentamento à tortura se dá necessariamente pelo fortalecimento de instrumentos de prevenção, fomento da participação social e accountability das autoridades responsáveis por abusos e violações de direitos. O Brasil vai no caminho contrário. Descumpre frontalmente compromissos internacionais e se torna assim o único país do mundo a receber tantas visitas do SPT. 

A presença da ONU é uma oportunidade de frear retrocessos que nos distanciam de uma democracia e de recordar que a proibição da tortura é uma responsabilidade permanente não só dos três poderes do Estado, mas de todos nós.

*Carolina Diniz é assessora do programa de Enfrentamento à Violência Institucional da Conectas Direitos Humanos. 

*Mateus Oliveira Moro é Defensor Público do Estado de São Paulo e representa a Associação Nacional de Defensoras e Defensores Públicos no Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. 

*Railda Alves é uma das fundadoras da Associação de Amigos e Familiares de Presos/as. 

*Sylvia Dias é assessora jurídica sênior e representante da Associação para Prevenção contra a Tortura (APT) no Brasil.

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/diante-de-retrocesso-onu-visita-brasil-para-avaliar-combate-a-tortura/

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