Cristovam Buarque: Grande abraço na UnB

Em 2020, Brasília completa 35 anos da pioneira experiência de escolher reitor por consulta à comunidade, antes do Conselho Universitário formar a lista a ser enviada para nomeação pelo presidente da República. Em outros países, a percepção da necessidade de autonomia acadêmica faz com que a escolha do reitor seja um processo que se esgota dentro da universidade. No Brasil, a lei exige a nomeação final pelo presidente da República.
Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Em 2020, Brasília completa 35 anos da pioneira experiência de escolher reitor por consulta à comunidade, antes do Conselho Universitário formar a lista a ser enviada para nomeação pelo presidente da República. Em outros países, a percepção da necessidade de autonomia acadêmica faz com que a escolha do reitor seja um processo que se esgota dentro da universidade. No Brasil, a lei exige a nomeação final pelo presidente da República.

Desde 1985, sete presidentes nomearam oito reitores por escolha da comunidade acadêmica. Todos os ministros da Educação e presidentes respeitaram o resultado dessa escolha, nomeando o primeiro da lista. Desses reitores, saíram propostas que hoje são praticadas em outras universidades, como a criação do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares (CEAM), o apoio à luta antirracista, por meio das cotas, a seleção dos alunos por exame no ensino médio, como fazemos, há 22 anos, pelo Programa de Avaliação Seriada (PAS), idealizado pelo reitor Lauro Morhy e implantado pelo reitor Cláudio Todorov.

Nesses últimos 35 anos, a UnB se expandiu, criou novos campi e tem dado contribuições na formação de milhares de profissionais e na criação de trabalhos científicos e culturais. A UnB tem estado presente na cidade, no Brasil e no mundo: foi nela que nasceu a Bolsa Escola que se expandiu e virou unanimidade em prática no mundo inteiro.

Sob a gestão da atual reitora, Márcia Abrahão Moura, a UnB conseguiu atravessar um dos períodos mais críticos da economia e da política brasileira; enfrentou cortes sistemáticos de verbas e ofensas lunáticas à comunidade por parte do ministro. Ela conseguiu atravessar tão bem que foi reeleita com maioria expressiva de votos, em primeiro turno. Os candidatos preteridos no pleito decidiram não incluir seus nomes na lista formal que irá ao MEC, para evitar que o governo passe por cima da escolha da comunidade, usando a desculpa de que eles também teriam disputado a eleição e recebido votos. Esta opção dos professores demonstra a seriedade deles e o respeito ao resultado do pleito.

Apesar disso, teme-se que, pela primeira vez em 35 anos, o governo federal escolha outro nome. Esse temor decorre das decisões recentes em relação a outras universidades, onde o presidente da República e o ministro rasgaram a vontade dos professores, alunos e funcionários.

Nossa comunidade tem razão em temer o gesto autoritário e obscurantista de não reconhecer a vontade da comunidade acadêmica. Se isso ocorrer, será um golpe não apenas na democracia, mas na qualidade dos trabalhos acadêmicos. Nada impede que uma pessoa escolhida por outros meios, até por um sorteio aleatório, venha a ser um bom presidente da República, governador e até reitor, mas a chance é muito remota. A história mostra também que a eleição direta pode eleger presidentes, governadores e reitores ruins, mas para isso a Constituição determina como substituí-los, com processo próprio da democracia. Não antes da posse. Sobretudo quando isso se faz golpeando a comunidade e sua prática consolidada de boas escolhas.

A eleição direta de reitores é uma necessidade do momento histórico que atravessamos: a consulta permite o debate interno sobre que tipo de universidade deve ser estruturada para o futuro; impede que o cargo do reitor volte a ser mais um na imensa lista dos que servem à voracidade de arranjos políticos eleitorais; assegura liberdade de opinião, estabilidade nas pesquisas; garante autonomia para pensar e pesquisar; não permite censura oficial, apesar da incontrolável violência sectária de milícias ideológicas. O reitor imposto faz o trabalho acadêmico fenecer no lugar de florescer.

A UnB e o sistema universitário brasileiro precisam da eleição de reitor, até que a própria comunidade acadêmica, em diálogo com a sociedade, formule outro critério. Por isso, todos nós brasilienses, começando por nossas bancadas na Câmara Legislativa, Câmara Federal e Senado, cada cidadão e cidadã, jovens ou velhos, ex-alunos, devemos nos unir em um grande abraço à nossa universidade, por sua autonomia, pelo respeito à vontade de sua comunidade. Não podemos deixar que volte à prática do período militar, em que o reitor era nomeado, o que nos deixou sob intervenção de um reitor militar por 17 anos. É hora de um grande abraço em nossa UnB pela nomeação imediata da reitora reeleita, a professora Márcia Abrahão Moura.

*Cristovam Buarque, professor Emérito da Universidade de Brasília

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