Cristovam Buarque: A Escola Brasil

No próximo ano, a Lei do Ventre Livre completa 150 anos e o Fundeb será incorporado à Constituição, depois de 13 anos como lei provisória. O Brasil já dispõe de leis que destinam recursos federais para financiar parte das escolas municipais, desde 1983, pela Emenda Calmon; o Fundef, desde 1996; e o Fundeb, desde 2007.
Foto: Mais Minas
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No próximo ano, a Lei do Ventre Livre completa 150 anos e o Fundeb será incorporado à Constituição, depois de 13 anos como lei provisória. O Brasil já dispõe de leis que destinam recursos federais para financiar parte das escolas municipais, desde 1983, pela Emenda Calmon; o Fundef, desde 1996; e o Fundeb, desde 2007.

Cento e cinquenta anos separam essas duas leis positivas, porém insuficientes. A extinção do Fundeb teria sido uma catástrofe, mas sua continuidade não vai trazer a educação de qualidade que necessitamos, nem vai fazer com que as escolas sejam igualmente boas para todos. Da mesma maneira que, em 1871, a Lei do Ventre Livre libertou mas não emancipou os filhos dos escravos; e, 17 anos depois, a Lei Áurea aboliu a escravidão, mas não emancipou os ex-escravos. Elas quebraram as algemas da escravidão, mas os libertos continuaram amarrados à falta de educação de base e suas consequências: pobreza, exclusão, racismo e abandono.

Assim também, as leis que aumentam recursos federais para a educação, diminuíram a penúria, mas não permitiram a qualidade e ainda menos a igualdade no acesso à educação. Para conseguir isso, será necessário oferecer condições para que toda criança, independentemente da renda e do endereço, tenha a chance de concluir o ensino médio, conhecendo muito bem o idioma português e nossa literatura; sabendo falar, ler e escrever pelo menos um idioma estrangeiro; entender e deslumbrar-se com as artes; saber matemática, filosofia e ciências, história e geografia; ser informado e poder opinar sobre o que acontece no mundo contemporâneo; dispor de um ofício profissional que lhe permita emprego qualificado; ter consciência de seus direitos e deveres e estar pronto para participar da vida social e continuar se educando ao longo da vida.

Para tanto, precisamos implantar um Sistema Educacional Unificado Público com duas metas: ficarmos entre os dez melhores países em educação e eliminarmos a desigualdade na qualidade entre as escolas. Isso exige responsabilizar a nação, e não cada município, pela educação das crianças brasileiras, com um ministério comprometido com a educação de base, que coordene a execução da estratégia da nacionalização.

Um caminho seria a “voucherização”, que consiste em repassar uma bolsa com o mesmo valor para cada criança, deixando para a sua família pagar a escola no mercado privado. Esse sistema pode servir, em algum momento e lugar, mas não elevaria a qualidade do conjunto, nem diminuiria a desigualdade.

Outra possibilidade seria a “fundebização”, que consiste no “voucher coletivo” para o prefeito cuidar de suas escolas públicas. Embora melhor do que a “voucherização”, a “fundebização” não dará a qualidade e muito menos a igualdade, porque educação não se compra em loja, e nossos municípios são pobres não apenas em receita, também em recursos humanos e gerenciais, além de suas administrações terem convicções e prioridades educacionistas diferenciadas.

O terceiro caminho seria pela “federalização”, que consistiria em um processo de substituição paulatina dos frágeis quase seis mil sistemas municipais por um robusto sistema nacional único, com uma carreira federal para os professores, padrões equivalentes de construção e equipamento das escolas, todas com horário integral. Assegurando descentralização gerencial por escola e liberdade pedagógica para o professor, dentro da Base Nacional Comum Curricular.

Por esse sistema seria possível implantar Escolas Brasil nos municípios, da mesma forma que temos as agências do Banco do Brasil. A estratégia de implantação deste Sistema Educacional Unificado Público requer diversos anos e um investimento de R$15 mil por aluno ao ano. Se a economia crescer apenas 2% ao ano, em 20 anos o custo total para as 50 milhões de crianças será um pouco maior do que os quase 6% do PIB que são gastos atualmente.

Isto é possível e necessário. A maior dificuldade é formar uma consciência nacional que dê suporte à estratégia nacional de longo prazo e que aceite tratar a educação de base como a prioridade central com as duas metas: estarmos entre os países com melhor educação e não deixar um único cérebro desaproveitado por falta de escola com a máxima qualidade.

*Cristovam Buarque, professor emérito da Universidade de Brasília (UnB)

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