Cora Rónai: Quando o block é censura

Políticos e autoridades que usam suas redes sociais para pronunciamentos oficiais não podem decidir quem tem ou não permissão para ler.
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Políticos e autoridades que usam suas redes sociais para pronunciamentos oficiais não podem decidir quem tem ou não permissão para ler

A colunista Mariliz Pereira Jorge , da Folha de S.Paulo, foi bloqueada no Twitter por Abraham Weintraub , o ministro da Educação, e por Marcelo Bretas , juiz da Lava-Jato . Fez observações em relação a tuítes deles de que eles não gostaram. Mariliz levou o assunto à sua coluna em vídeo do canal MyNews , eu compartilhei essa coluna – e, a partir daí, caímos numa discussão sem fim na internet a respeito do uso de blocks por pessoas públicas.

A eleição de Donald Trump deslocou de vez o espaço da discussão política para as redes sociais. Ele não foi o primeiro político a manter contato com o eleitorado através do Twitter – Barack Obama já fazia uso intenso da plataforma durante a sua primeira eleição, em 2008 – mas foi o primeiro presidente a usar uma rede social como ferramenta de governo, e o seu estilo tosco fez escola.

Essa ligação direta com o público, sem passar pelos canais tradicionais de divulgação, levanta, porém, uma questão importante: onde ficam as fronteiras entre público e privado? Mais: essas fronteiras podem sequer existir quando o que está em pauta é o debate político, que diz respeito a todos os cidadãos? Contas pessoais de políticos muitas vezes são mais importantes para compreender o que está acontecendo do que as contas oficiais do governo.

Nos Estados Unidos, essa questão já passou em julgado. Donald Trump foi proibido por um juiz de bloquear qualquer cidadão no Twitter, e a mesma coisa tem acontecido, rotineiramente, com outros políticos pouco afeitos ao diálogo.

Aqui, um grupo de 111 advogadas protocolou um mandado de segurança contra o ministro Weintraub, exigindo que ele desbloqueie a professora Debora Diniz no Twitter – pois é, a Mariliz não foi a única. A professora também teve a ousadia de contestá-lo quando ele se manifestou a respeito do transporte de drogas no avião presidencial.

“Meu Twitter minhas regras!” tuitou o ministro em resposta. “Fui informado que há uma comunistinha querendo que eu a desbloqueie. Regras para ter acesso: não pode ser comunistinha e chato ao mesmo tempo (tenho que dar risada quando ler). Mantive o Cocada, o Dragão, a Tiburi e tantos outros… Estou sendo radical?”

Não, o ministro não está sendo radical. A palavra é outra. Ele está sendo antidemocrático, e está provando que ainda não entendeu a complexidade do seu cargo. Ele não pode estabelecer regras para determinar quem tem o direito de ler o que ele escreve num espaço público.

Vale lembrar que a confusão entre público e privado não se dá por engano dos cidadãos; ela começa quando autoridades transformam as suas plataformas virtuais em espaço de debate. O Twitter do ministro seria privado se ele não o utilizasse para fazer pronunciamentos políticos.

Vale lembrar também que o nome que se dá à proibição de manifestações críticas por autoridades é censura .

Em suma, todo cidadão tem o direito de se manifestar em relação ao trabalho do governo, que não só é pago com o seu dinheiro, como afeta diretamente a sua vida. Se um político não está disposto a ouvir críticas, ou se só está disposto a ouvir aquelas críticas que o fazem rir, é melhor que saia das redes sociais – e, de preferência, do governo.

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