Cora Rónai: As emoções das urnas

Vontade de bater a porta na cara dessa cidade sem vergonha que não aprende, e ir embora para algum lugar onde as pessoas raciocinem.
Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Vontade de bater a porta na cara dessa cidade sem vergonha que não aprende, e ir embora para algum lugar onde as pessoas raciocinem

Ainda me emociono quando vou votar. Isso se define como “o triunfo da esperança sobre a experiência”. Não me lembro mais quando foi a última vez em que consegui eleger um vereador, ou comemorar o resultado das urnas. Mesmo as (poucas) alegrias que elas me trazem são alegrias capengas, ofuscadas pelas criaturas dos pântanos que vicejam entre os votos vencidos.

Na semana passada escrevi sobre a eleição nos Estados Unidos. A vitória de Biden e de Kamala Harris foi festejada no mundo inteiro, mas antes de ficarmos muito felizinhos convém não esquecer que mais de 70 milhões de americanos votaram em Trump; e…

—Tá, tá! — disse a minha Mãe, quando fui jantar com ela. — Amanhã a gente pensa nisso. Por enquanto, vamos aproveitar e nos regozijar com o resultado.

Mamãe tem bastante experiência de governos medonhos, e foi com regozijo que sacou a palavra regozijo da algibeira. Claro: um verbo dessa grandeza não pode ficar guardado em qualquer bolso ou envelope, precisa mesmo de uma algibeira.

De modo que nos regozijamos então, e mais um pouco até domingo, quando a quantidade de votos no Crivella provou, por A + B, que o Rio não tem moral nenhuma para criticar ninguém. Os evangélicos e as esquerdas cariocas nos garantiram, como de costume, um segundo turno eletrizante.

Detesto a frase idiota que os sinalizadores de virtude usam para se mostrar superiores aos circunstantes, mas ela é perfeita para a ocasião: parabéns aos envolvidos.

Beto Santos, um amigo do Facebook, fez a melhor analogia: “A derrota de Martha Rocha e Benedita da Silva bem juntinhas me remete à lembrança da cena final de um dos episódios do filme ‘Relatos selvagens’, em que dois motoristas travam uma luta insana e sem sentido dentro dos carros acidentados até morrerem carbonizados e abraçados”.

Se Eduardo Paes ganhar no outro domingo estamos salvos; mas se perder, olha só para quem perde! Vontade de bater a porta na cara dessa cidade sem vergonha que não aprende, e ir embora para algum lugar onde as pessoas raciocinem.

(Quando vocês descobrirem onde há um lugar assim, por favor avisem.)

Por outro lado, foi bom ver Tarcísio Motta como campeão de votos. Ele fez um excelente trabalho na Câmara, e não foi por sua culpa que o bispo deixou de ser impichado, como deveria ter sido.

Em compensação, o 02 ficou em segundo: um vereador omisso, que passou a maior parte do mandato em Brasília, e ainda assim conseguiu 71 mil votos dos seus empregadores.

Só não digo que o Rio merece estar na situação em que está porque nenhuma cidade no mundo merece.

A entrevista que Barack Obama deu a Pedro Bial e a Flávia Barbosa, colega querida aqui do jornal, foi uma pausa no mundo grotesco que nos cerca, um ponto de luz e de civilidade.

Não há, no nosso tempo, líder mais carismático, ou orador mais eloquente.

Ao contrário dos seus contrários, quando Obama fala a gente presta atenção, porque tudo o que diz parece ser extremamente relevante — e é, no mínimo, muito interessante e bem contado. A entrevista terminou depois das duas da manhã, mas eu teria atravessado a noite acompanhando aquela conversa.

Educação, bom-senso, cordialidade, elegância — tantas coisas que não vemos mais.

Um grande entrevistado, com entrevistadores à altura.

Privacy Preference Center