Conrado Hübner Mendes: ‘Operação Kopenhagen’ quer salvar Flávio Bolsonaro

Instituições estão funcionando, mas não se esqueça de perguntar para quem.
Foto: Marcos Oliveira / Agência Senado
Foto: Marcos Oliveira / Agência Senado

Instituições estão funcionando, mas não se esqueça de perguntar para quem

Desenhar o xadrez da imunização criminal de Flávio Bolsonaro é para profissionais. A teia de corrupção institucional costurada por Jair Bolsonaro deveria ser reconstruída por instituições de controle, a começar pelo Ministério Público. Mas estão em processo de fechamento. Apesar das ameaças, ainda resta jornalismo com coragem moral e recursos. E alguns promotores. Só não se sabe até quando.

Eu pediria a ajuda de Constança Rezende e Patrícia Campos Mello, ou de Malu Gaspar e Juliana Dal Piva. Também de Chico Otavio, Rubens Valente e Guilherme Amado. E de tantos repórteres que estão no varejo da microcoleta de informações sobre essa “nova era” que extirpou corrupção do país. O prêmio internacional Corrupto do Ano já foi dado a N. Maduro, R. Duterte e V. Putin. Jair recebê-lo em 2020 foi conspiração globalista.

Reportagens históricas vão se diluindo na torrente de notícias e na incredulidade gerada por governo incapaz de comprar seringas enquanto zomba da pandemia. Esses cacos factuais comporão no futuro um dos aposentos desse castelo de terror político, um dos capítulos do livro “Brasil Nunca Mais” do inverno bolsonarista.

É fundamental não perder a visão do conjunto. Há 17 atores envolvidos na blindagem criminal de Flávio Bolsonaro, sob regência da Presidência da República: STF, Senado, Abin, GSI, PF, Receita Federal, PGR, MJ e AGU; TJ-RJ, MP-RJ, Polícia Civil, Alerj, governador interino, governador afastado, ex-prefeito do Rio. O 17 é ideia fixa do time.

Flávio é acusado do crime de peculato (modo “rachadinha”) por anos a fio. Provas são caudalosas. Os gabinetes do pai e dos três filhos teriam movimentado R$ 29 milhões confiscando salários. O quarto filho não entrou para a política, mas já é investigado por iniciativas empresariais sob o carinho presidencial.

A “Operação Kopenhagen” de proteção a Flávio se faz assim: 
TJ-RJ confere foro privilegiado a Flávio e contraria posição do STF; procuradora bolsonarista faz MP-RJ perder prazo de recurso; STF ainda recebe reclamação do MP-RJ, mas, distribuída a Gilmar Mendes, ação fica na gaveta; TJ-RJ adia julgamento ao infinito.

Enquanto isso: ex-assessora de Flávio é empregada por Crivella; irmãos Flávio e Carlos ajudam a derrotar pedido de impeachment contra o prefeito; na Alerj, servidores fraudam ponto e regularizam retroativamente presença de funcionárias-fantasma de Flávio; Cláudio Castro está prestes a ignorar lista tríplice e escolher comissário de Flávio para chefiar MP-RJ.

Segue: concerto entre PF, GSI, Abin e Receita Federal presta serviços a Flávio na busca de invalidar relatórios de auditores; PGR e AGU se manifestam em favor do foro privilegiado de Flávio e se reúnem com Gilmar; André Mendonça pede investigação “independente” do ilícito da Abin; eleição do Senado se negocia à luz do caso de Flávio na Comissão de Ética.

Jair faz ameaça de máfia siciliana contra MP-RJ, insinuando “caso hipotético” de filho de promotor (com base em informações “hipotéticas” da polícia civil). Wilson Witzel, afastado, concluiu: “A República gira hoje em torno da proteção a Flávio Bolsonaro”.

“As instituições estão funcionando” é a frase mais estéril da análise política brasileira. Esse espasmo descritivo não indica como ou para quem “estão funcionando” nem pondera erros e acertos, omissões, obstruções e usurpações. Não leva a sério a legalidade. Se há juristas dos “dois lados”, basta para a “controvérsia”. Não importam conflitos de interesse e a qualidade do que falam. Pouco importa o padrão de legalidade autoritária que emerge no agregado.

A frase não é vazia só pela indolência intelectual que a automatiza, mas pela falsa divisão que induz. Reduz o debate ao sim ou não. Virou jargão jornalístico binário e entrou no último estágio de seu ciclo de vida analítico. Morre quando deixa de dizer qualquer coisa sobre o mundo real, mesmo que siga dizendo muito sobre quem a boceja.

Antes de incorrer nesse hábito, estude a “Operação Kopenhagen”. E faça perguntas mais elaboradas do que “instituições estão funcionando?”. Por um segundo, imagine se o esforço fosse replicado, de forma não corrupta, na coordenação federativa da vacinação de brasileiros.

Inspire. Expire. Inspire de novo e sinta o cheiro do beco em que nos metemos.

*Conrado Hübner Mendes é professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e embaixador científico da Fundação Alexander von Humboldt.

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