Clóvis Rossi: PT entroniza dom Sebastião Lula da Silva

Ex-presidente teve morte jurídica decretada pela Lava Jato, mas seus seguidores não acreditam na morte, rezam e jejuam pelo seu reaparecimento.
Foto: Paulo Pinto
Foto: Paulo Pinto

Ex-presidente teve morte jurídica decretada pela Lava Jato, mas seus seguidores não acreditam na morte, rezam e jejuam pelo seu reaparecimento

A convenção do PT entronizou neste sábado (4) a candidatura de dom Sebastião Lula da Silva. Dom Sebastião é aquele rei de Portugal que supostamente morreu na batalha de Alcácer-Quibir (1578). Como o corpo nunca foi encontrado, nasceu um movimento místico —o sebastianismo— que acreditava que o rei voltaria para salvar Portugal de todos os problemas surgidos após seu desaparecimento.

Luiz Inácio Lula da Silva teve sua morte jurídica (como candidato) decretada na esteira da Operação Lava Jato. Mas seus seguidores não acreditam na morte, rezam e jejuam pelo seu reaparecimento para superar o único problema que aflige o PT neste momento: ter um candidato presidencial viável.

O “sebastianismo” —“lulismo”, em sua versão brasileira— era onipresente na Casa de Portugal, que abrigou o encontro petista que, por aclamação, indicou Lula como seu candidato presidencial.

Presente até no nome oficial da convenção: “Encontro Nacional do PT 2018 – Lula livre”. Presente na frase, bem “sebastianista”, de uma militante no vídeo sobre os cem dias da prisão de Lula: “Você é e sempre será nosso eterno presidente”.

Presente, sempre como essa característica de solução para todos os problemas, no grande banner que ocupava o fundo do palco e gritava em letras brancas sobre fundo negro: “O Brasil feliz de novo”.

Presente nas camisetas polo vendidas a R$ 30 ou nas t-shirts, pela metade do preço.

Justifica-se, pois, o rótulo de religião que Ciro Gomes, candidato do PDT, cravou no petismo em entrevista à GloboNews. Esse “lulismo” místico é definido como “perversão do petismo” por Francisco de Oliveira, fundador do PT mas depois rompido com o partido. Lulismo seria “o carisma de Lula combinado com assistencialismo”, segundo esse sociólogo, um dos raros intelectuais de esquerda que se manteve de esquerda.

Que o PT vive da expectativa de renascimento de Lula fica evidente no fato de que a convenção deste sábado não indicou candidato a vice-presidente. Fazê-lo seria lido como um sinal de que há, sim, um plano B, ao contrário do que dizem oficialmente todos os petistas, graúdos ou miúdos.

Pior para o partido: o reinado de Lula impediu o surgimento de qualquer nome que pudesse rivalizar com ele, mesmo que fosse um pouquinho. É uma característica do caudilhismo. Caudilhos em geral impedem que nasça até grama em suas imediações, quanto mais uma palmeira que lhes faça sombra.

Se os aplausos dos convencionais deste sábado significam alguma coisa, o único eventual plano B seria a inelegível Dilma Rousseff, ovacionada quando o nome foi anunciado. Abaixo dela, Fernando Haddad. Para os demais, as palmas foram tímidas, pouco mais que protocolares.

O Eurasia Group, consultoria de risco político, bate mais palmas do que os convencionais para o candidato que o PT vier a lançar se Lula for mesmo vetado. Terá “grandes chances relativas de ir ao segundo turno”, diz em nota desta semana.

Mas falar de plano B é proibido no PT, como diz o vereador e candidato a senador Eduardo Suplicy. O partido, aliás, não é mais o mesmo: seu manifesto de fundação dizia que “o PT pretende ser uma real expressão política de todos os explorados pelo sistema capitalista”.

Trinta e oito anos depois, o PT é Lula, o presidente que cansou de dizer que nunca antes na história do Brasil os capitalistas ganharam tanto dinheiro quanto no governo dele.

O programa em elaboração para a campanha presidencial, pouco explorado na convenção, talvez por ainda incipiente, passa muito longe da condenação ao sistema capitalista. É até bem burguês: diz que ”é preciso investir para acelerar a economia, com inflação controlada, crédito disponível, juros baixos e geração de emprego.”

Convenções nunca são bom termômetro para avaliar a saúde de um partido, por ser reservada aos militantes, já convertidos.

Mas, à margem dela, parece claro que o partido não perdeu capacidade de atração: no número mais recente de Nueva Sociedad, a revista da social democracia alemã, Esther Solano Gallego (Universidade Federal de São Paulo) relembra dados de pesquisas feitas em duas mobilizações em São Paulo em 2016, predominantemente de jovens: “Quase 90% dos participantes concordam total ou parcialmente com a ideia de que o PT é corrupto; por outro lado, mais de 90% afirmam que as políticas do PT melhoraram a vida dos brasileiros”.

Na convenção, a primeira constatação não passou nem perto. E a segunda foi atribuída inteiramente a Luiz Inácio Lula da Silva, razão poderosa para rezar por sua volta (como “eterno” candidato) até o último minuto possível.

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