Celso Rocha de Barros: Partido Novo tem que escolher entre ser um partido liberal ou um partido de ricos

Potencial político que a direita construiu pode ter sido desperdiçado.
Foto: Divulgação/Partido Novo
Foto: Divulgação/Partido Novo

Potencial político que a direita construiu pode ter sido desperdiçado

Na semana passada, o Partido Novo votou contra a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, alegando que ela abria as portas para cotas raciais no Parlamento. Poucos dias depois, o Novo também aprovou uma emenda que permite usar dinheiro do Fundeb para pagar funcionários de escolas privadas.

São posições que reforçam a ideia de que o liberalismo é só uma racionalização dos interesses dos ricos, inteiramente confortável com a mais extrema desigualdade e com a perpetuação de injustiças históricas, sempre pronto a acomodar o fascismo quando a esquerda se fortalece.

Aparentemente, os caras foram pesquisar o que é liberalismo no livro do Losurdo.

Há mesmo uma certa intersecção entre o interesse dos ricos e o liberalismo. Os ricos querem o máximo de limites para a ação do Estado, que é mais poderoso do que eles. E querem o mínimo de regulação do contrato de trabalho, porque são mais poderosos do que seus empregados. Olhando de longe, depois de umas cachaças, dá pra confundir isso com liberalismo.

Mas liberalismo deveria ser mais do que isso. Deveria ser uma defesa da liberdade das minorias contra as maiorias, de um país em que o mais humilde brasileiro não precise temer abusos da polícia, da etnia dominante ou de pessoas com crenças religiosas diferentes.

Os liberais não deveriam tratar com leveza violações históricas da liberdade individual. Os liberais deveriam defender os direitos humanos, porque os direitos humanos são o liberalismo político.[ x ]

A diferença entre partido liberal e partido de rico fica clara diante da evidente simpatia de grande parte do Partido Novo pelo governo Bolsonaro.

Um partido liberal consistente jamais apoiaria Bolsonaro, apologista da ditadura e da tortura que tentou um autogolpe em 2020. Bolsonaro está, neste exato momento, manipulando verbas publicitárias públicas para reprimir a mídia crítica ao governo.

Bolsonaro aparelha as instituições como ninguém nunca aparelhou. Bolsonaro sabotou o pacto federativo repetidas vezes durante a pandemia. Bolsonaro é inimigo jurado das liberdades da população LGBT.
Se Adam Smith aparecesse no Brasil de 2020, estapearia o Jean Wyllys para furar a fila da cusparada em Bolsonaro.

Agora, se o Novo quiser ser só um partido de rico, vá em frente, filho, lambe com força esse coturno. Os desmatadores da Amazônia são ricos, os milicianos são ricos, quem pode contratar miliciano como segurança particular é rico, os lobbies que capturam o Orçamento público são ricos, a turma do Guedes é rica, o centrão é rico, e os ricos, de fato, às vezes ganham mais dinheiro nas ditaduras do que nas democracias.

O Novo vai ter que escolher entre ser partido liberal ou partido de rico. O dilema mostra que o potencial político que a direita construiu durante os anos de oposição ao PT pode ter sido desperdiçado.

Por volta de 2005, 2006, as pessoas voltaram a ter coragem de dizer que eram de direita, embora normalmente acrescentassem “não a direita da ditadura, é direita de ideias”.

Pois bem: a direita de ideias apoiou o impeachment, e Temer foi um fracasso; a direita de ideias apoiou a direita da ditadura em 2018 e agora corre o risco de ser engolida por ela.

Não é à toa que todo mundo voltou a dizer que é de centro.Celso Rocha de Barros

*Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).

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