Celso Ming: O rombo fiscal e o risco de hiperinflação

Paulo Guedes pode ter exagerado no risco de hiperinflação, mas ministro tem razão a respeito da deterioração das contas públicas do Brasil.
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Paulo Guedes pode ter exagerado no risco de hiperinflação, mas ministro tem razão a respeito da deterioração das contas públicas do Brasil

O ministro da Economia, Paulo Guedes, pode ter carregado demais nas tintas, mas tem de ser levado a sério na sua advertência de terça-feira de que “o Brasil pode ir para a hiperinflação se não rolar a dívida pública satisfatoriamente”.

À primeira vista, parece fora de propósito falar em risco de hiperinflação quando a evolução do custo de vida nos primeiros dez meses deste ano não passa de 2,22%; quando já se tinha como favas contadas a reversão estrutural da inflação; e quando, apesar da atual recaída, que empurrou a inflação de outubro para 0,86%, o Banco Central mantém os juros básicos (Selic) estacionados nos 2,0% ao ano desde agosto deste ano.

No momento, uma hiperinflação não passa pelas telas dos radares. O próprio ministro tem dito que a recuperação da economia já começou e, com ela, espera aumento da arrecadação. Embora o IGP-M tenha disparado para 18,10% nestes dez primeiros meses e, por isso, tenha complicado o reajuste anual dos aluguéis, em consequência da cavalgada dos preços no atacado e da puxada nas cotações do dólar, a inflação continua sob controle. Como mostra o Boletim Focus, do Banco Central, o mercado continua esperando uma inflação em 2020 de 3,02%, portanto abaixo da meta (que é de 4,0%). E, para 2021, as projeções do mercado são de uma inflação de 3,11% (com meta de 3,75%).

Os próprios assessores do Ministério da Economia se viram na obrigação de negar que esse aviso devesse ser interpretado como “terrorismo fiscal”.

Mas o ministro tem razão quando adverte para a ameaça de que a forte deterioração das contas públicas e de aceleração da dívida pode arrastar rapidamente a economia para uma situação de dominância fiscal, aquela em que o Banco Central não poderá fazer nada para evitar a disparada das cotações do dólar e o avanço da inflação.

A frente fiscal só pode ser enfrentada eficazmente de duas maneiras: por meio de aprovação de um orçamento equilibrado e por meio de rápido andamento dos projetos de reforma administrativa e tributária. Sem isso, a falta de confiança tenderá a empurrar as cotações do dólar para a cumeeira e, a partir daí, será inevitável que a alta dos preços dos importados e dos demais produtos nacionais cotados em dólares (como combustíveis, derivados de soja, de milho e de trigo) seja repassada para os preços em reais.

E, no entanto, os políticos do Congresso se comportam como se a questão fiscal não fosse prioritária. A todo momento, deputados e senadores sugerem que nessa hora de calamidade não se pode ficar ouvindo demais os xiitas da contabilidade, que saúde não tem preço, que o governo precisa parar de sentar em cima do cofre e que “lá na frente, quando der, serão consertadas as contas públicas e a dívida”.

O presidente Bolsonaro não se mostra nem um pouco preocupado com o equilíbrio fiscal. Quer aprovar de uma vez o programa Renda Cidadã, destinado à população de baixa renda, sem ao menos incorporar a ele os inúmeros programas de subsídios e de renúncia tributária, para não “tirar dos pobres para dar aos paupérrimos”. Por essas e outras, a inflação preocupa, sim.

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