Carolina Ricardo e Beatriz Graeff: Supremo precisa decidir sobre as armas

Foto: Fernando Frazão/ Agência Brasil
Foto: Fernando Frazão/ Agência Brasil

Enquanto ações aguardam julgamento, essa boiada também está passando

Carolina Ricardo e Beatriz Graeff / Folha de S. Paulo

Em consonância com sua agenda eleitoral e em diálogo direto com o grupo de apoiadores para quem o acesso às armas é visto como direito absoluto à liberdade de se armar, o governo Bolsonaro vem alterando normas que, entre outros impactos, aumentam o número de equipamentos que podem ser adquiridos por cada cidadão, autorizam a obtenção de exemplares que antes eram de uso exclusivo das forças de segurança e possibilitam a fabricação de munição sem nenhum tipo de controle por parte dos órgãos competentes.

Como resultado, desde 2019 verifica-se um crescimento exponencial no número de armas em circulação, tendo o ano de 2020 registrado um aumento de 65% —ou seja, mais de um milhão de novas armas nas mãos de civis ante 2018 e sem nenhuma ação correspondente para fortalecer os mecanismos de fiscalização e controle desse arsenal.

Em ações judiciais movidas contra os decretos de flexibilização do acesso a armas, os ministros Rosa Weber e Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, já registraram seus votos apontando a inconstitucionalidade dessas medidas, que violam os princípios constitucionais do direito à vida e à segurança pública e usurpam a competência exclusiva do Congresso Nacional ao afrontar mecanismos de controle definidos em lei.

Em decisão liminar, a ministra Rosa Weber suspendeu a eficácia de alguns dispositivos dos decretos editados na véspera do Carnaval de 2021. Embora a decisão tenha sustado provisoriamente parte das medidas de desmantelamento da política de controle de armas, muitos outros dispositivos permanecem vigentes, desde os decretos de 2019. A estratégia de fracionamento das normas adotada pelo governo, editando alterações sobre alterações, promove um ambiente de alta insegurança jurídica, deixando até mesmo os operadores que lidam cotidianamente com esse regramento em dúvida quanto ao que está ou não vigente.

É urgente que o ministro Alexandre de Moraes dê andamento às ações diretas de inconstitucionalidade que tramitam no STF, dando a oportunidade para que os outros ministros se manifestem sobre o desmonte da política de controle de armas. Enquanto as ações aguardam julgamento, a boiada das armas, infelizmente, segue passando. A estimativa é de que a cada dia cerca de 378 novas armas sejam registradas no sistema da Polícia Federal. Desde o pedido de vista das ações, mais de 45 mil novas armas já entraram em circulação.

Além disso, as mortes violentas voltaram a subir em 2020, tendo aumentado para 78% a proporção das cometidas com uso de armas de fogo. Paralelamente, arroubos antidemocráticos continuam se fortalecendo com o ingrediente das armas de fogo, e o crime organizado segue abastecendo seus arsenais.

O julgamento definitivo desse conjunto de ações é fundamental para barrar a explosão na circulação de armas. E, mais do que isso, a manifestação do Supremo a respeito dos decretos de descontrole das armas, à luz do direito à vida e à segurança pública, representará também um importante marco de proteção ao Estatuto do Desarmamento contra os constantes ataques que ameaçam os mecanismos de controle responsável de armas de fogo que ele consolida.

*Carolina Ricardo, advogada e socióloga, é diretora executiva do Instituto Sou da Paz

**Beatriz Graeff é antropóloga e pesquisadora na área de segurança pública e sistema de Justiça criminal

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2021/08/supremo-precisa-decidir-sobre-as-armas.shtml

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