Faixa pode ter sido usada por golpistas como escudo de proteção - Marcelo Camargo/Agência Brasil

PF investiga se vândalos bolsonaristas receberam treinamento antes do ataque a Brasília

Brasil de Fato*

A Polícia Federal (PF) investiga se parte dos golpistas apoiadores de Jair Bolsonaro (PL) que invadiram a Praça dos Três Poderes em Brasília no último dia 8 de janeiro recebeu algum tipo de treinamento para encarar as forças policiais. A informação foi publicada nesta quinta-feira (19) em reportagem do jornal Valor.

Segundo a apuração do jornal, uma série de evidências demonstraria que ao menos uma parte do grupo tinha sido preparada para o confronto. O uso de máscaras e luvas por muitos dos invasores seria um desses indícios. As armas brancas também não parecem ter sido escolhidas por acaso: vários usavam soco inglês e estilingue.

Objetos como cabos de bandeiras, pedaços de pau e pedras também foram usados. Além disso, até mesmo uma faixa verde e amarela de grande pode ter sido levada pelo grupo para servir como proteção contra balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo.

A reação de parte dos bolsonaristas ao gás lacrimogêneo é um dos pontos que fizeram as suspeitas avançarem, segundo o Valor. Muitos resistiram aos efeitos do gás, que, além das lágrimas, causa tosse. Mesmo após o lançamento das bombas, integrantes do grupo seguiam determinados, o que teria chamado atenção dos policiais presentes.

Outro indício, apontou a reportagem, foi a maneira como a invasão ocorreu. Enquanto um grupo partiu para o Congresso, outras duas frentes seguiram rumo ao Palácio do Planalto e à sede do Supremo Tribunal Federal (STF), em movimento aparentemente coordenado.

Após ter acesso aos dados sobre a investigação, o Valor procurou a PF para confirmar as informações, mas a corporação afirmou que não comenta investigações em andamento.

Texto publicado originalmente no Brasil de Fato.


Nas entrelinhas: Uma reforma militar será inevitável

Luiz Carlos Azedo/Correio Braziliense

Recém-eleito, com 288 mil votos, o jovem deputado Amom Mandel (Cidadania), de 21 anos, o mais votado no Amazonas para Câmara dos Deputados, antes mesmo de tomar posse, iniciou uma campanha para acabar com o serviço militar obrigatório, um verdadeiro tabu para as Forças Armadas. “Estou preparando um projeto para propor o fim do alistamento militar obrigatório. Qual a sua opinião?” — anunciou no Twitter, a sua principal ferramenta de intervenção política. A proposta provocou 3.567 comentários e teve 1.538 compartilhamentos, o que já é suficiente para se tornar uma causa com ressonância na sociedade e posicionar seu mandato junto à opinião pública.

Se aprovada, a proposta será o ponto de partida para uma reforma militar, que pode ganhar apoio da sociedade, principalmente da juventude, em razão dos últimos acontecimentos envolvendo as Forças Armadas, principalmente a omissão quanto à invasão e depredação do Palácio do Planalto, do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF). Não é uma ideia nova, mas o ambiente político agora é mais favorável a sua aprovação. A proposta de Amom está na contramão do Projeto de Lei 557/19, já aprovado pelo Senado, para que jovens morando em instituições de acolhimento familiar ou institucional tenham prioridade no processo seletivo para o serviço militar obrigatório.

Atualmente, a seleção para as Forças Armadas tem três etapas: alistamento (no ano em que o jovem completa 18 anos), seleção e incorporação. Pela proposta, de autoria do senador bolsonarista Eduardo Girão (Podemos-CE), a preferência pelos jovens egressos de abrigos será complementar a critérios definidos previamente pelo Exército, pela Marinha ou pela Aeronáutica. O Ministério da Defesa seleciona os jovens a partir da combinação de vigor físico e capacidade analítica, medida de forma independente do nível de informações ou da formação cultural dos candidatos.

O projeto tramita em caráter conclusivo na Câmara, mas tem um longo caminho a percorrer: as comissões de Trabalho, de Administração e Serviço Público; de Seguridade Social e Família; de Finanças e Tributação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania. A proposta de Amom coloca em xeque o conceito adotado na criação do serviço militar obrigatório, cujo objetivo é fazer com que as Forças Armadas sejam a representação do “povo em armas”, com base no mito fundador do nosso Exército, a vitória na batalha de Guararapes (PE), decisiva para expulsão dos holandeses.

Ocorrida entre 1648 e 1649, houve muitos combates entre as tropas holandesas e as brasileiras, com apoio dos portugueses, na região dos Montes Guararapes, localizada próximo à cidade de Recife. Derrotados pelos militares luso-brasileiros, os holandeses fugiram para a cidade de Recife, local em que resistiram até janeiro de 1654. Muitos índios e negros lutaram ao lado das forças luso-brasileiras para expulsar os holandeses, sob comando do general português Francisco Barreto de Meneses; do paraibano André Vidal de Negreiros; do negro Henrique Dias, filho de escravos libertos; e do líder indígena potiguar Felipe Camarão, todos militares.

Profissionalismo e tecnologia

O surgimento de exércitos de massa no Ocidente está associado à formação do Estado-nação e ao uso de mosquete, que facilitou a instrução militar. A falta de precisão das armas de fogo da época obrigava a formações maciças de atiradores. Com a Revolução Francesa, o Exército de Napoleão Bonaparte, que conquistou a Europa e obrigou Dom João VI e a família real a fugirem de Portugal para o Brasil, consolidou o conceito de exército popular, com forte identidade patriótica, para se contrapor aos exércitos profissionais, muitas vezes formados por mercenários. A conscrição permitiu à França revolucionária formar o exército que Napoleão Bonaparte considerava “a nação em armas”.

Entretanto, esse conceito vem sendo contestado no Ocidente desde os protestos maciços nos Estados Unidos contra a conscrição para a Guerra do Vietnã. Com o final da Guerra Fria, a maioria dos países do Ocidente passou a dar prioridade aos soldados profissionais, ao treinamento de alta performance, à criação de forças especiais e ao uso de tecnologia de última geração. A guerra da Ucrânia, por exemplo, está servindo de terreno para um confronto entre modernos armamentos da Otan e as tropas russas equipadas com armamentos convencionais.

O projeto do jovem Amom Mandel abre um debate na sociedade sobre as Forças Armadas que queremos, num momento em que a questão militar voltou ao centro das preocupações políticas. Ontem, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou que pretende discutir com os comandantes militares a modernização das Forças Armadas. Recém-empossado, Lula está convencido de que no dia 8 de janeiro havia um golpe em marcha, que somente não ocorreu devido à intervenção civil na segurança pública do Distrito Federal.

Há uma desconfiança recíproca entre Lula e os militares, uma vez que o bolsonarismo contaminou grande parte dos efetivos militares. Ao contrário do que aconteceu na Argentina e na Espanha, como no Chile, a volta aos quartéis dos militares brasileiros foi uma retirada em ordem, embora tenham sido politicamente derrotados. A vitória de Bolsonaro em 2018 representou uma volta ao poder pelas urnas, levando à militarização da administração federal, numa proporção maior até que a do regime militar.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-uma-reforma-militar-sera-inevitavel/

Cenário brasileiro | Imagem: reprodução/Outras Palavras

Os caminhos para uma reforma tributária justa

Outras Palavras*

A reforma tributária tem ocupado as atenções políticas há, pelo menos, 25 anos. Parece haver consenso quanto a sua necessidade. No entanto, sempre que o assunto ganha alguma relevância no cenário político, esse suposto consenso se desmancha, pois nem todos os que defendem a reforma comungam das mesmas motivações. Não é diferente, neste momento, com debates sobre programas para um governo de corte democrático e popular.

Para muitos, inclusive para nós, o problema central do sistema tributário é o seu caráter regressivo, cujas principais consequências relacionam-se ao aprofundamento das desigualdades de natureza econômica e social. Mas como traduzir mais precisamente essa regressividade do sistema tributário? Trata-se da sua característica de beneficiar os mais ricos pela débil tributação das altas rendas e das grandes riquezas e “transferir o fardo dos impostos”, como afirmou Chomsky, aos mais pobres. No caso brasileiro, esta transferência é mais visível na hipertrofia da carga tributária sobre o consumo.

Para outros, o único problema a ser corrigido se refere à complexidade do sistema tributário. São, estes, os conhecidos defensores de uma reforma restrita à tributação sobre o consumo, designada “simplificação tributária”, a ser supostamente resolvida pela unificação de praticamente todos os tributos indiretos, das competências municipal, estadual e federal, incluídas várias contribuições sociais, num único imposto sobre o valor agregado (IVA).

Lideram esse bloco, as grandes corporações que industrializam ou importam produtos considerados supérfluos, atualmente submetidos ao critério da seletividade e, portanto, à incidência de alíquotas mais gravosas do IPI e do ICMS, e em alguns casos, do PIS/Cofins não cumulativo, pois, certamente, seriam as maiores beneficiadas por uma reforma desse tipo. As instituições financeiras igualmente demonstram enorme disposição para tal mudança, com o objetivo de abolir a possibilidade da incidência de alíquotas maiores da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido. E a mesma lógica de interesses serve às empresas que, a depender da atividade econômica exercida, podem vir a ser submetidas a alíquotas maiores de qualquer uma das contribuições sociais existentes, possibilidade contemplada pelo §9º do Artigo 195 da Constituição Federal. Associam-se aos partidários da reforma restrita à tributação indireta, aqueles que defendem o esvaziamento do Estado Social e o fim das contribuições sociais, espécie de tributo cuja essência é a vinculação de sua arrecadação ao financiamento de políticas de seguridade.

O debate no campo popular

Interessa-nos, aqui, discutir as posições do primeiro bloco, formado pelos que atuam no campo popular e democrático. Entre nós, manifesta-se uma concordância fundamental sobre a necessidade de modificações estruturais no sentido de deslocar parte da tributação indireta incidente sobre as mercadorias e os serviços, para a imposição direta sobre as altas rendas e as grandes riquezas, mas, em outro sentido, uma divergência preocupante tem se destacado, sobre qual é a prioridade da reforma e, consequentemente, por onde começar.

A divergência aparece no debate em formulações sutis como, por exemplo, “Não basta simplificar, é preciso tributar mais a renda e o patrimônio”, que acabam por conferir à reforma dos tributos indiretos as qualidades de ser imprescindível e prioritária, ainda que seja ressalvada a necessidade de atribuir maior progressividade aos tributos diretos. As distintas visões também estão presentes na discussão sobre o alcance da reforma tributária no futuro próximo: ampla, abrangendo a tributação sobre o consumo e começando por aí, ou centrada na renda e patrimônio, pelo menos no primeiro momento.

Parece haver consenso, entre os que defendem uma reforma no sentido da progressividade, sobre cada componente do sistema tributário poder ser melhorado. Os tributos sobre a renda, tanto das pessoas físicas, como das pessoas jurídicas, deveriam ser modificados para adotar a capacidade contributiva, de fato, como o critério mais relevante e para elevar sua participação na arrecadação nacional total. Da mesma forma, deveria ser reforçado o papel dos tributos patrimoniais, principalmente, por meio da criação do Imposto sobre Grandes Fortunas, há tempos, previsto na Constituição Federal, mas, até hoje, sem a maioria política para ser implementado.

Os tributos sobre o consumo também deveriam sofrer modificações, com vistas a reduzir seu peso na arrecadação total e racionalizar sua forma de incidência, corrigindo características como o tributo por dentro da base de cálculo e sua cobrança na origem. Os tributos com natureza extrafiscal, como o IPI, os incidentes sobre o comércio exterior, o IOF e a Cide deveriam estar alinhados a um programa de desenvolvimento nacional e de sustentabilidade ambiental. Além disso, as mudanças tecnológicas e as consequentes mudanças ocorridas no mundo do trabalho, assim como a atuação no plano global das grandes corporações, vêm colocando desafios importantes para a tributação, exigindo a busca de novas fontes para o financiamento da proteção social.

No entanto, sabe-se que qualquer reforma ampla tende a potencializar resistências políticas, muitas delas, justas, sob a ótica das lutas sociais. As propostas de reformas dos tributos indiretos, em particular, fazem emergir conflitos e disputas internas ao empresariado e entre os entes federativos, provocam desgaste junto à parcela importante dos prefeitos e governadores, além de resultar na legítima oposição dos movimentos populares que lutam pela preservação e alargamento das políticas de proteção social, como demonstraram as propostas de reforma tributárias tentadas desde meados da década de 1990. Tais propostas não apenas alteram a distribuição da carga tributária entre os diversos setores econômicos, repercussão que sempre merece um bom debate, mas, afetam sobremaneira a autonomia dos estados e municípios e agridem o financiamento da Seguridade Social previsto na Constituição Federal de 1988.

Em partes, para avançar

Ainda que seja possível projetar a configuração geral de um sistema tributário socialmente justo, funcional para o desenvolvimento econômico e a sustentabilidade ambiental, sua implementação efetiva terá maiores chances de êxito se os projetos forem tratados separadamente, priorizando-se, inicialmente, aqueles cuja natureza afeta os problemas centrais do sistema e, ao mesmo tempo, está em sintonia com a maior parte dos setores organizados da sociedade, os aliados do financiamento progressivo das políticas públicas.

A reforma tributária silenciosa realizada no Brasil entre 1995 e 2002 iniciou-se por mudanças estruturais no Imposto de Renda. A reforma progressiva deve se iniciar também por aí, mas seguindo o sentido inverso. Está muito evidente que a criação de mecanismos como a isenção dos lucros e dividendos distribuídos e a possibilidade de dedução dos juros sobre o capital próprio, promovidas pela Lei nº 9.249/95, resultaram na desidratação substancial do IR em seus aspectos arrecadatório e distributivo. Os mais ricos pagam proporcionalmente muito menos do que os mais pobres.

Quanto à tributação corporativa, o fato de a maior parte das pessoas jurídicas não tributarem o lucro, mas sim frações da receita bruta, faz com que também o Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) acabem onerando muito mais o consumo do que o resultado obtido pela atividade econômica. Em 2019, por exemplo, somente 3,05% das pessoas jurídicas registradas no país eram tributadas pela modalidade do Lucro Real. As demais são todas tributadas pelo Lucro Presumido (16,68%) ou pelo Simples (80,26%)1. Mesmo para as pessoas jurídicas tributadas pelo regime de Lucro Real, há um enorme conjunto de possíveis ajustes que reduzem substancialmente as bases de cálculo do IRPJ e da CSLL em relação ao lucro líquido da atividade – o resultado efetivo no período –, tornando a alíquota efetiva bem inferior à alíquota nominal. Estas PJ, embora submetidas a uma alíquota maior da CSLL, que, somada ao IRPJ, totalizaria uma alíquota nominal de 45%, na realidade estiveram sujeitas a uma alíquota efetiva de apenas 14,3% entre 2010 e 20192. É absolutamente falsa, portanto, a afirmação sobre as pessoas jurídicas serem excessivamente tributadas no Brasil, como os economistas liberais querem nos fazer crer.

Evidentemente, não se afasta a necessidade de aperfeiçoamento da tributação da renda das empresas, mas o caminho segue em outra direção. É importante reduzir as possibilidades de tributação de um lucro fictício, como ocorre atualmente, por meio da sistemática de lucro presumido e de outras formas de diminuição da base de cálculo do IR e da CSLL. Um bom objetivo é aproximar, o máximo possível, a base de cálculo desses tributos do lucro líquido efetivamente obtido pela atividade empresarial no período considerado.

Outro fator relevante da regressividade é a ausência injustificável da cobrança do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), previsto na Constituição de 1988 e até hoje não implementado, mesmo diante do quadro dramático que vivemos no país, de profunda desigualdade social e de uma brutal concentração de renda e riquezas.

A solução para imprimir progressividade efetiva ao IR e instituir o IGF independe de modificações constitucionais e pode ser encaminhada pela aprovação de Leis ordinárias e complementares. Sem corrigir as distorções no Imposto de Renda e sem implementar o IGF, fica muito difícil, senão, impossível, avançar no sentido da justiça fiscal e pavimentar o caminho para o desenvolvimento nacional, inclusivo, com redistribuição de renda e riqueza.

Prioridade das mudanças na esfera de competência da União

Quase 70% de toda a arrecadação tributária se refere a tributos de competência da União, os quais abrangem todas as bases de incidência (renda, patrimônio e consumo). Tanto a redução da regressividade, quanto o alinhamento do sistema tributário às políticas de desenvolvimento, de redistribuição e voltadas à sustentabilidade ambiental podem ser implementadas por meio de medidas no âmbito das competências tributárias federais. As propostas de eliminação das distorções na legislação do IR e de implementação do IGF apresentam grande capacidade de aumento da arrecadação e, em contrapartida, permitirão viabilizar a gradativa redução da carga impositiva sobre as rendas mais baixas e sobre o consumo de mercadorias e serviços, por meio da correção da tabela de incidência do IRPF e da diminuição das alíquotas da Cofins e do PIS, aliviando o peso dos tributos sobre boa parte dos assalariados e dos consumidores de baixa e média renda.

Primeiro: reafirmar os fundamentos tributários da Constituição Cidadã!

Boa parte dos problemas identificados podem ser caracterizados como desvios dos marcos do sistema tributário previsto na Constituição Federal de 1988. A isenção dos lucros e dividendos distribuídos pelas empresas e a possibilidade de dedução dos juros sobre o capital próprio são os mecanismos mais graves e evidentes da ruptura entre o Imposto de Renda e os princípios e critérios constitucionais que o deveriam guiar. A isonomia de tratamento entre os contribuintes foi violada e o princípio da capacidade contributiva, desrespeitado. Além disso, ao isentar também o lucro remetido ao exterior, a legislação infraconstitucional promoveu um benefício indevido ao destinatário dos lucros, como também aos países onde estes residem, na medida em que a quase totalidade destes tributam os lucros recebidos pelos sócios e acionistas das empresas estrangeiras. O que deixamos de cobrar aqui, os países de residência cobrarão por lá.

Segundo: impulsionar o avanço da progressividade

É preciso atuar, ainda, na redução dos tributos que incidem sobre o consumo, e que, portanto, afetam mais a renda da população pobres. A tributação das empresas deve incidir preferencialmente sobre o resultado líquido e menos sobre o faturamento ou sobre a receita bruta. Para tanto, parte das contribuições sociais pode migrar para bases de incidência direta. O PIS e a Cofins, por incidirem sobre o faturamento, podem ter suas alíquotas reduzidas, o que reduziria o peso da tributação sobre o consumo e ao mesmo tempo diminuiria os custos de produção.

A compensação da redução na arrecadação das contribuições de natureza regressiva pode ser obtida pela criação de uma Contribuição Social sobre as Altas Rendas das Pessoas Físicas (CSAR), com incidência progressiva, uma vez que incidiria apenas sobre parcelas de rendimentos excedentes a R$ 60 mil mensais. Essa medida exige uma alteração constitucional.

Terceiro: alinhar a tributação à política de desenvolvimento econômico 

A progressividade na tributação em geral é, por si só, um fator favorável à atividade econômica, na medida em que os mais pobres, sendo menos tributados, teriam aumentada sua capacidade de consumo, o que amplia a demanda agregada. A elevação da tributação sobre as altas rendas e sobre as grandes riquezas amplia a capacidade do Estado para a promoção de políticas públicas, comprovadamente, um forte fator de estímulo à atividade econômica. Afinal, o gasto público se transforma imediatamente em receita privada.

Para o bom alinhamento da tributação à política econômica pretendida, no entanto, cabe acrescentar a maior utilização dos instrumentos extrafiscais da tributação. O Imposto de Exportação pode ser aplicado sobre as exportações de commodities em períodos de sobrevalorização no mercado internacional, como forma de o Estado reter parcela do resultado da atividade num Fundo de Desenvolvimento industrial voltado à criação de cadeias produtivas e ampliação das já existentes.

A orientação na alocação dos recursos privados pode ser obtida pelo uso do princípio da seletividade do IPI ou pela criação de Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico. Assim, é possível estabelecer uma política de sustentabilidade ambiental, utilizando esses instrumentos.  A interferência do Estado na política monetária pode ser obtida pela definição das alíquotas do IOF.

Tão importante quanto a definição de um modelo de sistema tributário ideal para o país, considerando o estágio de desenvolvimento em que se encontra e ao qual se pretende chegar, é a definição da estratégia de como avançar na construção deste modelo. Assim, neste artigo, procuramos apontar uma proposta de caminho para implementação das propostas de modificações da legislação tributária com maior capacidade de alteração estrutural progressiva do sistema tributário, com baixo nível de dificuldade técnica legislativa, com enorme potencial de adesão popular e com menor volume de resistências.

Em síntese, entendemos que a reforma politicamente viável e socialmente desejável deva se iniciar pelos tributos da União, primeiramente com correções da tributação sobre a renda (IRPF, IRPJ e CSLL), incluindo a instituição do IGF, seguida por ajustes na tributação sobre o consumo (PIS, Cofins, IPI e Cide) de forma a reduzir a regressividade do sistema. E somente a partir dessa nova configuração da tributação federal é que se partiria para uma reforma dos tributos dos entes subnacionais, com uma ampla discussão do pacto federativo.

Texto publicado originalmente no portal Outras Palavras.


Nas entrelinhas: Zema, Leite e Tarcísio já disputam a liderança da direita

Luiz Carlos Azedo/Correio Braziliense*

O ex-presidente Jair Bolsonaro não morreu, mas a possibilidade de que venha a se tornar inelegível, em razão de seu envolvimento na tentativa de golpe contra a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, precipitou uma corrida entre os governadores de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo); do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB); e de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos). Cada um, ao seu estilo, busca liderança das forças conservadoras do país para a formação de uma nova direita, mais moderada e comprometida com a democracia.

Essas são as peças que estão se movendo no tabuleiro, no lusco-fusco do isolamento da extrema direita, num ambiente político em que a polarização Bolsonaro versus Lula se mantém na base do “hay gobierno, soy contra”. A expressão criada pelos anarquistas espanhóis é a tradução popular de uma filosofia que vê todas as formas de autoridade governamental como desnecessárias e indesejáveis. Uma utopia irrealizável, o anarquismo defende uma sociedade baseada em cooperação voluntária e livre associação de indivíduos e grupos. No Brasil, o bolsonarismo incorporou a violência anárquica como forma de luta.

O bolsonarismo cresceu no bojo do sentimento antigovernista das manifestações de junho de 2013, contra o governo Dilma Rousseff, que desaguaram no impeachment da presidente da República e, depois, em 2018, na eleição de Jair Bolsonaro. Existe na classe média, principalmente entre profissionais liberais e empreendedores, um sentimento do tipo “hay gobierno, soy contra”, por causa dos impostos, da má qualidade dos serviços públicos e da ojeriza à política e aos políticos por causa da corrupção. De certa forma, Bolsonaro conseguiu capturar esse sentimento, somando esses setores a uma base eleitoral reacionária, até então formada por corporações que integram o “partido da ordem”, e conservadora, alicerçada nos evangélicos e na defesa da família unicelular patriarcal.

Como Jair Bolsonaro, Romeu Zema foi catapultado ao governo de Minas pelo tsunami eleitoral de 2018. Reeleito no primeiro turno, apoiou Bolsonaro no segundo turno e, agora, está assumindo o protagonismo na oposição ao governo Lula e ao Supremo Tribunal Federal (STF), com ataques ao ministro da Justiça, Flávio Dino, que responsabiliza pelo vandalismo na Praça dos Três Poderes, acusando-o de omissão, e ao ministro Alexandre de Moraes, pelo afastamento do governador de Brasília, Ibaneis Rocha, que considera arbitrário e inconstitucional. Minas Gerais é um estado decisivo nas eleições presidenciais; no segundo mandato, é natural que Zema tenha pretensões de se tornar presidente da República. Saiu na frente na disputa pela liderança da oposição conservadora.

Polarização e terceira via

De certa forma, Lula aceitou a polarização com Zema. O ministro da Justiça, Flávio Dino, que é senador eleito e ex-governador do Maranhão, não rebateria o governador mineiro com a dureza que o fez sem autorização do presidente da República. “Me espanta que o governador Zema tente vestir a roupa do Bolsonaro. Não cabe nele… É preciso que ele tenha algum amigo sincero que diga a ele… Primeiro, porque Minas Gerais é a terra de Tiradentes, de Tancredo Neves, é a terra da democracia… Então, não é possível que um governador, de modo vil, se alinhe à extrema direita para proteger terrorista. Fica feio…”

O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, também reeleito, é outro que já está se lançando ao pleito de 2026. É uma novidade na política brasileira. Defende uma agenda econômica neoliberal, mas esse conservadorismo não se traduz em pauta dos costumes, quando nada porque Leite é gay assumido, num estado de grande tradição machista. A estratégia de Leite é a formação de um grande partido de direita moderada, a partir da ampliação da federação do PSDB com o Cidadania, somando-se ao Podemos, que acaba de incorporar o PSC, na esperança de viabilizar uma nova “terceira via”.

Supostamente, isso possibilitaria tomar a bandeira da ética de Bolsonaro, para disputar a liderança moral da sociedade. Leite tem dois problemas: somente venceu as eleições com apoio do PT, que negociou sua neutralidade; e não terá amplo respaldo dos bolsonaristas. Além disso, só há um precedente de presidente gaúcho eleito pelo voto direto, Getúlio Vargas, em 1950, mesmo assim depois de ter governado o Brasil por 15 anos como ditador. Entretanto, precisa de apoio federal para fazer um bom segundo mandato.

A maior vitória de Bolsonaro em 2022 foi a eleição do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, seu ex-ministro da Infraestrutura, quebrando a longeva hegemonia tucana. O Palácio dos Bandeirantes tradicionalmente é o ponto de decolagem de candidatos a presidente da República, por ser o estado mais rico e mais populoso, com quase um terço do eleitorado. Sua candidatura atropelou o ex-governador Rodrigo Garcia (PSDB), que contava com amplo apoio político para se reeleger e operou fortemente para remover a candidatura presidencial de seu antecessor, João Doria (PSDB), e assim não confrontar o eleitorado bolsonarista.

Tarcísio é um player das eleições de 2026, mas somente será candidato à Presidência se Bolsonaro ficar inelegível e lhe apoiar, o que não é o mais provável. De todos os pretendentes, é o que mais representa os interesses do empresariado paulista, mas isso também não garante a eleição de ninguém, haja vista o fracasso eleitoral dos ex-governadores Orestes Quércia (MDB), José Serra (PSDB) e Geraldo Alckmin (então no PSDB) em disputas presidenciais. Tarcísio é o que tem a maior sombra de futuro: pode concorrer à reeleição e somente disputar a Presidência em 2030.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-zema-leite-e-tarcisio-ja-disputam-a-lideranca-da-direita/

Foto: Jacqueline Lisboa/WWF-Brasil

Revista online | O protagonismo indígena e o Ministério dos Povos Indígenas 

Marcos Terena*, escritor indígena, especial para a revista Política Democrática online (51ª edição: janeiro/2023)

O chamado protagonismo indígena não pode ser tratado como ação de um partido político, de um governo ou de uma organização indígena apenas.

Ao longo do tempo, a grande caminhada indígena para afirmar sua soberania e dignidade começou, talvez, naquele dia em que Caramuru, o português Borba Gato, chegou com um litro de aguardente e ameaçou queimar as águas dos rios, caso não lhe fosse mostrado onde encontrar as pedras preciosas.  

Não se deve desconsiderar as formas de vida, a inteligência, a economia sustentável e os mistérios espirituais indígenas e suas relações com a Mãe Terra em cada bioma.

Durante todo o processo colonizador, em que mais de mil povos ancestrais desapareceram, a aplicação da meia verdade tornou-se uma moeda corrente, inclusive para justificar a instituição do paternalismo, da dominação e da falsa ideia do enriquecimento fácil, como o arrendamento territorial. 

Veja todos os artigos da edição 50 da revista Política Democrática online

No final dos anos 1970, os chefes indígenas de vários povos e regiões passaram a conhecer os caminhos do poder de Brasília e a observar como eram e ainda são invisíveis aos olhos do poder público, do Judiciário, do Legislativo e do próprio Executivo.

É preciso recordar que as questões indígenas eram tratadas como casos de segurança nacional e, recentemente, como casos de polícia. 

No entanto, o protagonismo indígena nunca parou de avançar. Aquele protagonismo tribal ou comunitário da dignidade, da inteligência e da coragem que mostra os chefes Mario Juruna e Celestino Xavante sempre renasce e está vivo na nova geração a partir do conceito “posso ser o que você é, sem deixar de ser quem sou!”.

São sementes históricas marcantes das quais não se deve esquecer, especialmente pelos jovens indígenas que acessaram a universidade por sistemas de cotas articuladas e negociadas pelo mesmo protagonismo indígena.

No ano de 1992, com a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, os povos indígenas se uniram para mostrar que “caminhamos em direção ao futuro, nos rastros de nossos antepassados”. Dessa forma, o fogo sagrado do bem viver foi aceso para recordar o valor ancestral do vínculo com a Mãe Terra e os compromissos com todos.

O movimento indígena, nos últimos anos, vem criando as condições possíveis para construir uma política indigenista dentro do sistema governamental. Afinal, as regras de afirmação já estão postas na Constituição Federal ou no cenário internacional, como na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) ou na Declaração da ONU sobre os direitos indígenas. 

Depois, surgiram jovens indígenas que passaram a dominar a linguagem dos grandes debates internacionais após a RIO 92 e a COP 8, eventos realizados no Brasil sobre meio ambiente e diversidade biológica. Seguiram essas agendas os debates na COP 27, no Egito, e na COP 15, em Ottawa, agora sob a roupagem de mudanças climáticas e proteção à biodiversidade e conhecimentos indígenas.

A realidade brasileira indígena, devido a essa gama de articulações, de certa forma, encurralou o sistema governamental ao mostrar essas credenciais, como ocorreu no encontro com o presidente Lula e a primeira dama Janja, no Egito, apresentando a fatura por programas e compromissos factíveis com a realidade dos mais de 300 povos e 240 línguas, por exemplo. Além do Ministério dos Povos Indígenas, também houve proposta para criação de uma Universidade Intercultural e até de um centro de pesquisa e proteção à saúde indígena, com a novidade de ser coordenada pelo próprio protagonismo indígena.

O Ministério dos Povos Indígenas chegou, e Lula, em ação inédita, assinou o ato que o torna parte da história, ao nomear a primeira ministra indígena, a deputada Sonia Guajajara, eleita por São Paulo.

Veja, abaixo, galeria:

Reprodução: Revista Amais
A pintura Batizado de Macunaíma, de Tarsila do Amaral, em 1956, retrata a cerimônia batismal da criança que nasceu do fundo do mato virgem | Reprodução: Arte Brasileiros
Foto: Tacito.fotografia/Shutterstock
Reprodução: Elisclésio Makuxi/Agência Brasil
Foto: Joa Souza/Shutterstock
Reprodução: Atelier
Foto: Joa Souza/Shutterstock
Foto: Daiara Tukano/Instagram
Foto: Ricardo Stuckert/Instagram | Os índios atravessaram a ponte
Reprodução: Revista Amais
A pintura Batizado de Macunaíma, de Tarsila do Amaral, em 1956, retrata a cerimônia batismal da criança que nasceu do fundo do mato virgem | Reprodução: Arte Brasileiros
Foto: Tacito.fotografia/Shutterstock
Reprodução: Elisclésio Makuxi/Agência Brasil
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Reprodução: Atelier
Foto: Joa Souza/Shutterstock
Foto Daiara TukanoInstagram
Foto: Ricardo Stuckert/Instagram | Os índios atravessaram a ponte
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Reprodução: Revista Amais
A pintura Batizado de Macunaíma, de Tarsila do Amaral, em 1956, retrata a cerimônia batismal da criança que nasceu do fundo do mato virgem | Reprodução: Arte Brasileiros
Foto: Tacito.fotografia/Shutterstock
Reprodução: Elisclésio Makuxi/Agência Brasil
Foto: Joa Souza/Shutterstock
Reprodução: Atelier
Foto: Joa Souza/Shutterstock
Foto Daiara TukanoInstagram
Foto: Ricardo Stuckert/Instagram | Os índios atravessaram a ponte
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Mesmo com a assinatura desse ato, não podemos pensar que isso signifique a solução de todos os problemas dos mais de 500 anos de invasão e as demandas da modernidade, mas, sim, a responsabilidade do presidente do Brasil no cenário nacional e internacional de contribuir com a pavimentação desse caminho que não é indígena. Isto porque os inimigos dos indígenas existem e se organizam sob o manto da democracia parlamentar. 

Mais uma vez, os povos indígenas, com direito a quase 15% do território nacional onde está a resposta para o bem viver mundial, contribuem novamente para o resgate da afirmação da identidade cultural brasileira e, em especial, da credibilidade internacional. O país é megadiverso.  

O protagonismo indígena independente do governo. Deve estar organizado para o bom combate, como a demarcação territorial e a gestão das terras indígenas, e ter como estímulo a mensagem do chefe Sepeti Arajú: “Esta terra tem dono!”

Sobre o autor

*Marcos Terena é escritor indígena, fundador do primeiro movimento indígena, da tradição Xumono e articulador dos direitos indígenas.

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de janeiro/2023 (51ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

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Desabafo de Bolsonaro com o ex- presidente dos Estados Unidos Donald Trump | Imagem: JCaesar

Revista online | Confira charge de JCaesar sobre prisão

Sobre o autor

JCaesar

* JCaesar é o pseudônimo do jornalista, sociólogo e cartunista Júlio César Cardoso de Barros. Foi chargista e cronista carnavalesco do Notícias Populares, checador de informação, gerente de produção editorial, secretário de redação e editor sênior da VEJA. É autor da charge publicada pela Revista Política Democrática Online.

** Charge produzida para publicação na Revista Política Democrática Online de janeiro/2023 (51ª Edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

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Foto: Divulgação do acervo da Organização Cultural Remanescentes de Tia Ciata | Arte: Ana Schuller

O Legado da Tia Ciata

Luiz Carlos Prestes Filho*

A Matriarca do Samba de Sambar e do Carnaval do Brasil, Hilária Batista de Almeida, conhecida como Tia Ciata, estava em seu terreiro, na Praça Onze, quando modernistas, em São Paulo, realizavam a Semana de Arte Moderna de 1922. Claro, os organizadores do evento modernista não imaginavam que a obra daquela mulher negra um dia seria tão importante como as obras de um Mário de Andrade, Heitor Villa-Lobos, Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Oswald de Andrade, Manuel Bandeira, Menotti Del Picchia, Vicente do Rego Monteiro, Guiomar Novaes, entre outros.

Por outro lado, naquele mesmo ano, reunidos em Niterói para fundar o Partido Comunista Brasileiro (PCB), Manuel Cendon, Joaquim Barbosa, Astrogildo Pereira, João da Costa Pimenta, Luís Peres, José Elias da Silva, Hermogênio Silva, Abílio de Nequete e Cristiano Cordeiro, também não tinham noção da poderosa força social que estava sendo germinada no terreiro da Tia Ciata.

Os 18 heróis do Forte de Copacabana, que liderados pelo tenente Antônio Siqueira Campos, caminharam com coragem frente ao inimigo de peito aberto, possivelmente nunca tinha ouvido dos compositores Pixinguinha, Sinhô e Donga que, reunidos no terreiro da Tia Ciata, em 1922, estavam dando voz a voz do povo brasileiro.

Entendo que sem a obra da Tia Ciata não podemos entender em sua totalidade o ano de 1922. Em especial, nas artes. Durante 100 anos acadêmicos universitários nos impõem a Semana de Arte Moderna como o único evento fundador do modernismo no Brasil. Desconsiderando simultaneidades. Como se a cidade de São Paulo tivesse sido a única fonte de renovação das artes no Brasil.

Certa vez, quando perguntaram ao Tom Jobim sobre a origem da bossa-nova, ele prontamente respondeu: “Nasceu no terreiro da Tia Ciata!”

Essa resposta do compositor me levou para a autocrítica realizada pelo Mário de Andrade, um dos nomes centrais do modernismo, de que a semana de 1922 esteve distante do sentimento de revolta que tomava o Brasil naquele ano. Inclusive, na diversidade de representação. O evento paulista contemplou a elite e foi financiado pela elite.

Neste sentido, a Tia Ciata tinha muito mais representação. Ela desenvolveu sua arte juntamente com letrados e não letrados, ricos e pobres, poderosos e excluídos. Reconhecer que o terreiro da Tia Ciata tem a mesma importância que a Semana de Arte Moderna, que os 18 do Forte de Copacabana e a fundação do PCB, é fundamental para a História do Brasil. Sem o Samba de Sambar e sem o Carnaval não seríamos modernos.

*Luiz Carlos Prestes Filho é diretor de cinema formado pelo Instituto Estatal de Cinema da União Soviética (URSS), escritor, jornalista e compositor.


Nas entrelinhas: Vandalismo isolou extrema direita, mas sociedade segue polarizada

Luiz Carlos Azedo/Correio Braziliense*

Os atos de vandalismo ocorridos em 8 de janeiro isolaram a extrema direita, porém, a sociedade continua polarizada. A pronta resposta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) contra os sediciosos e a dura reação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes contiveram a escalada golpista. A pesquisa divulgada ontem pelo Ipec mostra que 54% dos brasileiros confiam no petista. Por outro lado, 41% disseram que não confiam e 4% não responderam ou não opinaram.

A maior parte dos que confiam no presidente são homens (59%), com mais de 60 anos (63%), que possuem escolaridade até o ensino fundamental (65%) e que moram na região Nordeste (77%). O índice dos que não confiam é maior entre as mulheres (45%). Elas são jovens de 25 a 34 anos (46%), com ensino superior (49%) e moradoras da região Sul (53%). O dado mais positivo foi o fato de que 55% dos entrevistados acreditam que o governo Lula será bom ou ótimo. Já para 21% será ruim ou péssimo. Os que consideram que a gestão será regular são 18%. Essa expectativa não pode ser frustrada.

Será um erro confundir o isolamento da extrema-direita com o de Jair Bolsonaro (PL). Nas redes sociais, permanece o dispositivo montado para manipular a opinião pública e coordenar as ações bolsonaristas, apesar de todas as medidas tomadas até agora contra os propagadores de fake news e financiadores do que houve no domingo. As narrativas construídas nas redes bolsonaristas atribuem a depredação do Palácio do Planalto, do Congresso e do STF à ação de provocadores, desvinculando-as de Bolsonaro, que foi para Miami exatamente para que isso fosse possível. Insistem na tese da fraude eleitoral.

Entretanto, o presidente Lula saiu fortalecido, as instituições também. Duas variáveis foram decisivas para demover o ex-presidente Jair Bolsonaro de assinar o tal decreto de “estado de emergência” contra o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A primeira, foi a ostensiva atuação dos presidentes dos Estados Unidos, Joe Biden, e da França, Emmanuel Macron, contra qualquer tentativa de golpe. Os militares brasileiros são sensíveis a esse posicionamento, porque são estudiosos da geopolítica e sabem que o governo Bolsonaro se tornara uma ameaça para o mundo, por causa da questão do desmatamento da Amazônia e da aproximação de Bolsonaro com o presidente da Rússia, Vladimir Putin. A segunda, a união dos Três Poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário – em repúdio ao vandalismo e defesa da democracia.

Do ponto de vista da sua legitimidade, o governo Lula está blindado. Entretanto, a governança e a governabilidade são ainda um dever de casa. A primeira depende da competência dos ministros, de suas iniciativas num cenário de escassez de recursos, que exige criatividade e ações de alto impacto e baixo custo. Os titulares das diferentes pastas, principalmente as recém-criadas, ainda estão arrumando as gavetas; aguardam a demissão dos integrantes da equipe de Bolsonaro, inclusive de 8 mil militares em cargos comissionados, prevista para o próximo dia 24 de janeiro, para organizar suas equipes.

Terceira via

É aí que a questão da governabilidade passará pelo primeiro teste, porque uma parte desse pessoal é ligada aos generais que garantiram a posse de Lula, outra, aos partidos que estiveram com Bolsonaro e agora se dispõem a dar sustentação a Lula no Congresso. A reeleição dos atuais presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), são favas contadas, mas o sistema de alianças que se estabelecerá como hegemônico nas duas Casas tende a ser mais conservador. Pelo andar da carruagem, Pacheco será um aliado de Lula; Lira, um adversário ladino e perigoso. O prestígio de Lula na opinião pública terá um peso igual ou superior à capacidade de cooptação da administração federal, que como se sabe é muito grande.

Não se deve invocar o nome do povo em vão. A pesquisa IPEC mostrou que a desconfiança em relação ao governo Lula está na faixa de 41% dos eleitores. Bolsonaro teve 49,1% dos votos no segundo turno. Lula venceu com 50,9%, uma margem muito estreita. Esses números mostram a resiliência dos opositores do petista e são uma tentação para os que acham, equivocadamente, que Bolsonaro é um cachorro morto.

Por exemplo, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, que assume o comando do PSDB com o firme propósito de ampliar a federação com Cidadania em direção ao eleitorado bolsonarista. O novo parceiro seria o Podemos, que incorporou ao PSC. Isso lhe garantiria uma bancada de 40 deputados na Câmara, que poderia dar muito trabalho ao governo Lula e garantir sustentação à sua candidatura.

O projeto de Leite é açodado, mas vai ao encontro de setores da opinião pública, agentes econômicos e líderes políticos frustrados pelo fato de que Marina Silva (Rede), ministra do Meio Ambiente, Geraldo Alckmin (PSB), vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, e Simone Tebet (MDB), ministra do Planejamento, estão no governo e dão a ele um caráter de ampla coalizão democrática. Os órfãos da terceira via estão em busca de um candidato para chamar de seu. Não combinaram com Bolsonaro, cuja resiliência eleitoral é maior do que alguns imaginam. Por razões políticas e até antropológicas, sua liderança carismática e reacionária continua enraizadas na sociedade.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-vandalismo-isolou-extrema-direita-mas-sociedade-segue-polarizada/

O saneamento básico se tornou um imbróglio na transição do governo Lula | Imagem: Outras Palavras

Saneamento: um retrato da desigualdade no Brasil

Outras Palavras*

Quase metade da população brasileira ainda não tem acesso à rede de esgoto. Segundo o relatório final da equipe de transição de Lula, o governo Bolsonaro reduziu em 99,5% o orçamento para a área de saneamento em 2023 – o que deve afetar obras aprovadas ou em andamento. A meta do Plano Nacional do Saneamento (PlanSab) é atingir 90% de cobertura com rede de esgoto até 2033, mas se o país mantiver o ritmo dos últimos dez anos, só chegará a esse nível de cobertura em 2057. Na região Norte, apenas 14% da população é atendida com rede de esgoto (o que não abrange sistemas alternativos, como fossas), enquanto a região Sudeste tem quase seis vezes essa cobertura. Mas apesar de ter a maior cobertura do país, a região Sudeste tem o pior índice de tratamento de esgoto coletado. A cada cem litros de esgoto coletado em Minas Gerais, segundo o SNIS, 42 voltam para a natureza sem tratamento. O Brasil despejou, só em 2021, pelo menos 1,1 bilhão de m³ de esgoto não tratado na natureza, o equivalente a 177 Lagoas Rodrigo de Freitas. A falta de saneamento básico é fator de risco para uma série de doenças – e mata crianças e idosos país afora. Nesta semana, o =igualdades destrincha a tragédia do saneamento básico no Brasil. 

A região Norte tem a menor cobertura de rede de esgoto do país. Em 2021 (ano do levantamento mais recente), apenas 14% da população era atendida com rede de esgoto, segundo os dados do SNIS – um avanço de seis pontos percentuais em comparação a 2010, quando a cobertura com rede de esgoto era de 8,1%. Já na região Sudeste, 82% da população é atendida com rede de esgoto. Isso significa que a cobertura na região Sudeste é quase seis vezes a da região Norte, proporcionalmente (os percentuais não abrangem sistemas alternativos, como fossas sépticas, fossas rudimentares, valas a céu aberto e lançamentos em cursos d’água). Os dados referem-se a uma amostra de municípios brasileiros que respondem à pesquisa nacional, e o SNIS é a principal fonte de informações usada pelo Ministério do Desenvolvimento Regional para obter o diagnóstico do setor. 

O Brasil registrou recorde de investimento em saneamento básico no ano de 2021: 17,3 bilhões de reais (em média, 45% foi investido em abastecimento de água e 42,5% em esgotamento sanitário). A maior parte do dinheiro investido é proveniente dos prestadores de serviços de água e esgoto – companhias estaduais ou empresas privadas – e uma pequena parcela compete ao poder público. Mas o aumento progressivo do valor injetado no setor ao longo dos anos pouco alterou o mapa da cobertura de esgoto no Brasil. E apesar do recorde no cômputo geral, a distribuição do investimento ainda é desigual. O diagnóstico do Ministério do Desenvolvimento Regional mostra que o déficit de acesso aos serviços de água e esgoto na região Norte e Nordeste, por exemplo, é maior do que a proporção de recursos investidos. Além de ter a menor cobertura de rede de esgoto no país, em 2021 a região Norte teve o menor investimento per capita no setor: 50 reais por pessoa. Na região Sudeste, foram 98 reais. Isso significa que a região Sudeste teve o dobro do valor investido na região Norte. 

O saneamento básico se tornou um imbróglio na transição do governo Lula. Parte da equipe defende a revisão de alguns pontos do Marco Legal do Saneamento, sancionado em julho de 2020 pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. A legislação facilita a concessão de serviços de água e esgoto à iniciativa privada, com o argumento de que essas empresas são mais eficientes e podem investir na universalização do acesso ao saneamento. Mas isso nem sempre é verdade. No ano 2000, os serviços de saneamento da cidade de Manaus, capital do Amazonas, foram entregues ao setor privado. Vinte e um anos depois, em 2021, a cobertura de esgoto da cidade continua muito abaixo da média nacional, atendendo 25% da população, segundo os dados do SNIS, com tarifa acima da média nacional. Isso significa que três em cada quatro manauaras não têm acesso à rede de esgoto. 

O valor faturado pelas operadoras de saneamento nem sempre é sinal de melhora na estrutura da rede de esgoto. Mesmo tendo uma das menores coberturas do país, em Alagoas o faturamento é maior que a média nacional. No estado nordestino, operadoras de saneamento faturam 5,57 reais por cada m³ de esgoto. Em São Paulo, estado que tem o custo de vida mais elevado do país, a tarifa média de faturamento é de 3,72 por m³. Isso significa que, em um ano, as empresas de Alagoas faturam 264* reais por habitante para operar a rede de esgoto – quase o dobro do que é faturado em São Paulo, 176 reais*.

Apesar de ter a maior cobertura do país, a região Sudeste tem o pior índice de tratamento de esgoto coletado – 77,4%. Na região Nordeste, 77,9% do esgoto coletado é tratado. Na região Norte, 84,1%. No Sul, 94,3%. No Centro-Oeste, o índice é de 94,8%. A baixa porcentagem do Sudeste se deve ao estado de Minas Gerais, que, de acordo com os dados do SNIS, tem o terceiro pior índice de tratamento do Brasil (o estado só perde para o Maranhão e Rondônia). A cada cem litros de esgoto coletado em Minas Gerais, 42 voltam para a natureza sem tratamento. 

Quando o esgoto não é coletado e tratado adequadamente, os resíduos são despejados na natureza, gerando uma série de problemas ambientais e de saúde. Em 2021, o volume de esgoto coletado chegou a 6,0 bilhões de m³ e 4,9 bilhões de m³ foram tratados. Isso significa que 1,1 bilhão de m3 de esgoto in natura foi despejado na natureza – o equivalente a 177 Lagoas Rodrigo de Freitas.

A falta de saneamento mata. Um estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou que antes da pandemia de Covid-19 – de 2008 a 2019 –, só os óbitos por doenças relacionadas a saneamento inadequado correspondiam a 0,9% do total de mortes ocorridas no país, levando em conta todas as causas. Ou seja, a cada mil mortes no Brasil, nove foram por doenças relacionadas ao saneamento inadequado, como disenteria, leishmaniose, esquistossomose, diarreia, doença de Chagas, etc. 

*Nota metodológica: o valor foi calculado com base nos dados do SNIS, levando em conta a produção individual de esgoto de uma residência de padrão médio

Texto publicado originalmente no portal Outras Palavras.


A partir de agora o crime de injúria racial passa a ser inafiançável, imprescritível e prevê detenção de dois a cinco anos para quem o praticar - Marcello Casal Jr. / Agência Brasil

Nova lei tipifica injúria racial como crime de racismo; saiba como denunciar

Brasil de Fato*

Sancionada pelo presidente Lula durante a posse das ministras Sônia Guajajara e Anielle Franco, a Lei do Crime Racial inclui no crime de racismo a injúria racial. A partir de agora o crime de injúria passa a ser inafiançável, imprescritível e prevê detenção de dois a cinco anos para quem o praticar.

Até então a injúria racial - que é compreendida como a ofensa da honra de uma pessoa por conta de sua raça, cor, etnia, religião ou origem - era prevista no código penal dissociada do crime de racismo, com reclusão de um a três anos mais multa.

A nova legislação já havia sido aprovada pelo Senado em maio do ano passado, sendo ratificada novamente em dezembro. O texto pode ser conferido no Diário Oficial da União da última quinta-feira (12).

Na prática, a nova lei aumenta a pena para todos os crimes previstos na Lei 7.716 em um terço até a metade, quando ocorrerem em contexto ou com intuito de descontração, diversão ou recreação e que causem constrangimento, humilhação, vergonha, medo ou exposição indevida dos sujeitos.

Vale ressaltar que se o crime for cometido por duas ou mais pessoas a pena será aumentada em 50% para cada um dos julgados. Se quem praticar o crime de injúria for um funcionário público no exercício da sua função de trabalho, a pena será aumentada em um terço. 

Se o crime for cometido por intermédio de meios de comunicação ou ainda publicações, inclusive pessoais, em redes sociais, a pena prevista será de reclusão de dois a cinco anos e multa.

Ainda de acordo com o texto da nova lei, se o crime de racismo for praticado no contexto de atividades esportivas, religiosas, artísticas ou ainda culturais, como durante jogos de futebol, por exemplo, a pena prevista também será de dois a cinco anos de reclusão para quem o praticar.

Racismo no trabalho

Na área trabalhista, o racismo pode se caracterizar em diversas situações, desde a recusa da contratação até o pagamento de salários mais baixos devido à cor da pele do sujeito, por exemplo.

As estatísticas mostram que o racismo estrutural ainda prevalece quando falamos em desigualdade entre pessoas de cor de pele diferentes no mercado de trabalho.

Segundo dados de 2019 do Observatório da Diversidade e da Igualdade de Oportunidades no Trabalho da Smartlab, plataforma que atua em conjunto com a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e com o Ministério Público do Trabalho (MPT), os trabalhadores autodeclarados pretos e pardos são os menos remunerados, em comparação a brancos e amarelos, por exemplo.

De acordo com dados do mesmo estudo, enquanto um homem branco recebe cerca de R$ 3,6 mil trabalhando no setor formal, uma mulher preta recebe mensalmente, em média, R$ 1,9 mil.

Entretanto, é essencial saber que a Constituição Federal declara a "proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil" e o artigo 461 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) prevê multa por discriminação em razão do sexo ou etnia e assegura a isonomia salarial.

Como denunciar

O cidadão que estiver sendo vítima do crime de racismo ou injúria racial pode ligar gratuitamente para o número 190 e chamar a Polícia Militar. Caso a PM chegue durante a prática do crime, o responsável poderá ser levado à delegacia.

Outra alternativa é procurar a autoridade policial mais próxima de você e registrar um Boletim de Ocorrência (BO). Neste caso é importante que se relate a história com o máximo de detalhes possível e que seja indicado testemunhas, caso houverem. Deve-se solicitar que o agressor seja processado.

Se o crime praticado atingir toda uma comunidade - como, por exemplo, discriminação contra pessoas indígenas -, a denúncia pode ser feita diretamente no Ministério Público.

Para denunciar crimes contra os direitos humanos, o governo federal possui o Disque 100, onde é possível denunciar também violências como racismo, injúria racial e discriminação de forma geral.

É importante ressaltar que o Estatuto da Igualdade Racial aponta como dever do Estado brasileiro garantir a igualdade de oportunidades por meio de políticas públicas e ações afirmativas que reduzam diferenças históricas, a fim de combater a discriminação étnica.

Texto publicado originalmente no Brasil de Fato.


Senadora quer que data seja celebrada em 8 de janeiro como marco das lutas do Estado Democrático de Direito (Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado)

Eliziane Gama propõe projeto que institui o Dia Nacional da Resistência Democrática contra ato golpista

Cidadania23*

A líder da Bancada Feminina do Senado, Eliziane Gama (Cidadania-MA), apresentou um projeto de lei, nesta terça-feira (10), que institui o Dia Nacional da Resistência Democrática, a ser celebrado anualmente no dia 8 de janeiro, como marco das lutas do Estado Democrático de Direito no Brasil.

Segundo ela, a invasão da sede dos três Poderes, em Brasília, no último domingo (08), por apoiadores de extrema direita do ex-presidente Jair Bolsonaro, não pode ser esquecido.

“Esse dia tenebroso de afronta à jovem democracia brasileira não pode ser esquecido, ao contrário, tem de ser lembrado como um marco para que as nossas lutas pelo Estado Democrático de Direito, para que as nossas lutas pela democracia possam ser fortes a cada minuto e a cada instante. Porque também foi o dia em que a democracia venceu a barbárie, em que a unidade venceu e em que a democracia prevaleceu”, disse Eliziane Gama, ao exaltar a unidade entre os três Poderes da República contra o vandalismo dos radicais que defendem o golpe contra o governo eleito democraticamente.

Para a senadora, o dia 8 de janeiro entrou definitivamente para a História do País e o ‘fato deve ser lembrado por séculos pela exacerbação ideológica de extrema direita’.

“Vergonhosamente, centenas de brasileiros invadiram as sedes dos três Poderes republicanos, ferindo frontalmente a Constituição cidadã. E mais: destruíram bens materiais e culturais caros à sociedade, um crime inafiançável. Mas o 8 de janeiro, para além da tragédia golpista pretendida, também se transformou no Dia Nacional da Resistência Democrática, quando o Brasil majoritariamente manifestou-se inequivocamente a favor das liberdades e do império legal”, argumenta Eliziane Gama na justificação do projeto.

A parlamentar disse ainda que transformado em lei, o ‘Dia Nacional da Resistência Democrática possa ser lembrado pelas atuais e futuras gerações que o povo brasileiro cultua, sempre, o ideal da liberdade’.

Texto publicado originalmente no portal Cidadania23.


Anderson Torres está nos EUA e ainda não voltou ao Brasil, onde teve prisão decretada | Foto: reprodução/BBC News

As reações à minuta achada na casa de Torres que decretaria estado de defesa no Brasil

BBC News Brasil*

A Polícia Federal (PF) apreendeu documentos na casa de Torres como parte das investigações sobre seu papel na invasão e depredação de prédios dos três poderes em Brasília no domingo. Torres era secretário de Segurança Pública do Distrito Federal — mas nesta semana foi exonerado e teve sua prisão decretada.

No entanto, um outro documento achado na casa de Torres chamou a atenção das autoridades. Uma minuta da época em que ele era ministro da Justiça do ex-presidente Jair Bolsonaro decretaria um estado de defesa no Brasil, possibilitando a revisão do resultado das eleições de 2022, vencida por Luiz Inácio Lula da Silva.

Torres — que assumiu o cargo de secretário de Segurança Pública na primeira semana do ano — ainda está em viagem de férias aos Estados Unidos e disse que vai voltar ao Brasil esta semana, onde teve prisão decretada, acusado de omissão e conivência com os ataques em Brasília.

Qual foi a reação ao documento?

Anderson Torres divulgou uma nota em que afirma que a divulgação da minuta aconteceu fora de contexto.

"No cargo de Ministro da Justiça, nos deparamos com audiências, sugestões e propostas dos mais diversos tipos. Cabe a quem ocupa tal posição, o discernimento de entender o que efetivamente contribui para o Brasil", escreveu Torres no Twitter.

"Havia em minha casa uma pilha de documentos para descarte, onde muito provavelmente o material descrito na reportagem foi encontrado. Tudo seria levado para ser triturado oportunamente no MJSP. O citado documento foi apanhado quando eu não estava lá, e vazado fora de contexto, ajudando a alimentar narrativas falaciosas contra mim. Fomos o primeiro ministério a entregar os relatórios de gestão para a transição. Respeito a democracia brasileira. Tenho minha consciência tranquila quanto à minha atuação como Ministro."

Parlamentares e políticos governistas reagiram à notícia.

"PF encontrou na casa de Anderson Torres, ex-ministro de Bolsonaro, minuta com proposta para mudar o resultado das eleições!!! O golpe foi arquitetado no núcleo de Bolsonaro", acusou o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL-SP).

A deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP) escreveu: "A PF encontrou na casa do ex-ministro de Bolsonaro, Anderson Torres, uma minuta para reverter o resultado da eleição. Isso é uma prova concreta de tentativa de golpe. Iam rasgar a Constituição para Bolsonaro se perpetuar no poder como o autoritário que nunca escondeu ser?"

"A Polícia Federal encontrou ontem na casa de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro, minuta de documento para tentar alterar o resultado da eleição. Mais uma evidência de que Bolsonaro e seus aliados colocam a nossa democracia em risco", disse o ex-presidente do Partido Novo, João Amoedo.

Políticos da oposição não comentaram o episódio.

Juristas e analistas políticos dizem que a minuta em si não constitui um crime, mas que a nova revelação agrava a situação de Bolsonaro e aliados, que são investigados em diversos outros temas ligados ao tempo em que estavam no governo.

O que diz a minuta?

A minuta está com a data em branco e com o nome do presidente Jair Bolsonaro. Ela não está assinada e nunca chegou a virar decreto oficial.

Ela foi encontrada em um armário na casa do ex-ministro da Justiça de Bolsonaro.

A proposta diz que decreta "Estado de Defesa na sede do Tribunal Superior Eleitoral, em Brasília, Distrito Federal, com o objetivo de garantir a preservação ou o pronto restabelecimento da lisura e correção do processo eleitoral presidencial do ano de 2022, no que pertine [sic] à sua conformidade e legalidade, as quais, uma vez descumpridas ou não observadas, representam grave ameaça à ordem pública e a paz social".

A minuta também prevê a suspensão do sigilo de comunicações dos membros do TSE, que seriam impedidos de frequentar as dependências do prédio.

Texto publicado originalmente na BBC News Brasil.