ABI diz que Bolsonaro é um “mentiroso compulsivo”

Relatório Global de Expressão, da organização internacional Artigo 19, aponta que Jair Bolsonaro emitiu 1.682 informações falsas ou enganosas em 2020, uma média de 4,3 por dia. Após a divulgação do documento, em 29 de julho, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) emitiu nota referindo-se ao presidente da República como um “mentiroso compulsivo”

A reportagem é de Edelberto Behs, jornalista. 

No ranking da Repórteres Sem Fronteiras (RSF), Bolsonaro aparece, junto com os presidentes venezuelano, russo e outros 35 mandatários, no grupo “predadores da liberdade de imprensa”. A ONG atribui a Bolsonaro atitudes contra o livre exercício do jornalismo. “Insultos, difamação, estigmatização e humilhação de jornalistas passaram a ser marca registrada do presidente brasileiro”. O levantamento da RSF foi divulgado no dia 6 de julho. 

A diretora executiva da Artigo 19 no BrasilDenise Dora, arrola 464 declarações públicas do presidente da República, seus ministros ou assessores próximos que atacaram jornalistas e o seu trabalho, um “nível de agressão pública que não é visto desde o fim da ditadura militar”. 

“O Brasil é a perfeita avalanche contemporânea de problemas de expressão: populismo autocrático, desinformação, desigualdade severa e controle tecnológico”, diz o texto da Artigo 19. A pandemia amplificou o quadro, ao disseminar narrativas falsas e negacionistas sobre o vírus, causando uma crise de informação com discursos altamente polarizados. A administração Bolsonaro tentou ocultar do público o número de casos, mortes e informação sobre a covid-19, lembra a Artigo 19

O documento reúne informações de 161 nações, aplicando 25 indicadores, para constatar que o Brasil deixou de figurar entre os países com os melhores índices de liberdade de expressão para ser considerado agora uma democracia em crise. 

“Em 2020, o país registrou apenas 52 pontos na escala de liberdade de expressão (que vai de zero, péssima, a 100). Esta é a menor pontuação brasileira no indicador desde a primeira edição feita em 2020”, constata a Artigo 19

No ranking global apurado pela ONG, dos 161 países o Brasil aparece na 85ª posição, atrás do Paraguai (posição 50), Equador (64), Honduras (68), El Salvador (76), Haiti (82) e Colômbia (83). A primeiras cinco posições são ocupadas por DinamarcaSuíçaNoruegaSuécia e Finlândia. O Uruguai desponta na nona posição, na frente do Canadá (11), da Alemanha (12) e da Itália (14). 

Artigo 19 é uma ONG de direitos humanos criada em 1987, em Londres, com a missão de defender e promover o direito à liberdade de expressão e acesso à informação. O seu nome deve-se ao artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU. Ela está presente no Brasil desde 2007.

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Fonte:
IHU Online
http://www.ihu.unisinos.br/611625-abi-diz-que-bolsonaro-e-um-mentiroso-compulsivo


A invisibilidade do racismo nos dados da Covid-19

“O não preenchimento do campo “raça/cor da pele” relacionado às internações afeta gravemente, por exemplo, a comparação da letalidade entre pessoas brancas, pretas, pardas, amarelas e indígenas”, escrevem Edna Maria de Araújo, docente do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva na Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Ana Paula Nunes, professora de epidemiologia e bioestatística da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e Vitor Nisida, urbanista e pesquisador do Instituto Pólis, em artigo publicado originalmente no jornal Folha de S. Paulo, 20-07-2021 e reproduzido por Associação Brasileira de Saúde Coletiva – Abrasco, 20-07-2021.

Confira o artigo:

As respostas às desigualdades em saúde só podem ser adequadas quando a produção de dados é completa e dialoga com a realidade que visam transformar. Nesse sentido, não é possível planejar intervenções visando diminuir as iniquidades raciais sem conhecer sua verdadeira extensão.

Para isso, é fundamental organizar informações oficiais desagregadas por raça/cor da pele. É de interesse público, portanto, conhecer e reivindicar a qualidade dos dados sobre saúde quanto ao preenchimento do campo “raça/cor da pele” nos sistemas de informação oficiais.

Com o intuito de elaborar um diagnóstico sobre o impacto da pandemia de Covid-19 nas populações em situação de vulnerabilidade, sobretudo na população negra, o GT Racismo e Saúde da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva) e o Instituto Pólis vêm investigando a qualidade dessas informações nesses sistemas.

Dados do DataSUS relacionados à Covid registrados no SIVEP Gripe (Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica), no SIM (Sistema de Informação sobre Mortalidade), no SI-PNI (Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunizações) e no eSUS Notifica (que monitora casos suspeitos de Covid19) foram selecionados e sistematizados para analisar a qualidade do preenchimento do campo “raça/cor da pele” ao longo da pandemia. Preocupa que alguns sistemas ainda não apresentem o preenchimento desse campo em nível satisfatório

SIVEP Gripe, que trata das internações por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), incluindo a Covid, apresenta uma notificação do quesito “raça/cor da pele” em 80% das internações no Brasil. O preenchimento ideal seria de, ao menos, 90%.

Além disso, a variação entre as Unidades da Federação é grande e prejudica algumas análises. Enquanto SC, RR e TO preenchem acima de 95%, CE e RJ notificaram a “raça/cor da pele” em apenas 67% das internações. No DF, o dado foi preenchido somente em 53% dos casos.

SIM, por outro lado, se destaca por apresentar taxas de notificação adequadas. Quase 97% dos óbitos nacionais por Covid registrados no sistema tiveram o campo raça/cor da pele preenchido. AL e ES são exceções, com preenchimento em apenas 77% e 84% dos óbitos, respectivamente.

O SI-PNI, que trata dos dados de vacinação contra Covid, tem uma taxa nacional de preenchimento do campo “raça/cor da pele” de 74%, percentual muito aquém do necessário para garantir um monitoramento apropriado do processo de imunização.

Além de insuficiente, o padrão de registro varia entre as unidades: TO tem o melhor preenchimento do campo, com 90%, e o DF tem o pior, com apenas 56,5%. A diferença não se resume às Unidades da Federação.

Um estudo feito no Município de São Paulo mostra que a notificação deste dado também é heterogênea na cidade. Bairros mais ricos e com população proporcionalmente mais branca registram o dado “raça/cor da pele” de apenas 7% da sua população vacinada.

É como se “branca” não fosse “raça/cor da pele”, já que em outras áreas da cidade, proporcionalmente mais negras, a mesma taxa de preenchimento chega a quase 81%.

Quanto às informações de casos suspeitos de Covid, cabe destacar que o e-SUS Notifica não disponibiliza o dado “raça/cor da pele” no DataSUS, embora este campo seja de preenchimento obrigatório na ficha de notificação.

Por um lado, é importante reconhecer que os dados de mortalidade apresentam notificação adequada, quanto ao campo “raça/cor da pele” –só dois estados registraram um preenchimento abaixo do ideal. Entretanto, em muitas Unidades da Federação, o preenchimento dos bancos sobre internações e sobre a vacinação esteve muito aquém do desejável.

O não preenchimento do campo “raça/cor da pele” relacionado às internações afeta gravemente, por exemplo, a comparação da letalidade entre pessoas brancas, pretas, pardas, amarelas e indígenas. A situação é mais preocupante quanto aos dados sobre infecção de Covid, já que o preenchimento deste campo nos registros de casos suspeitos não pode ser analisado, dada a sua completa ausência nas bases nacionais de acesso público.

Apesar do quesito “raça/cor da pele” ser obrigatório e considerado como indicativo de qualidade nos sistemas de informação do SUS desde 2017, por meio de portaria do Ministério da Saúde e da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), portanto, quando o preenchimento de fato deste campo é analisado nos sistemas de informação oficiais, os números mostram que ainda é necessário avançar muito para que cheguemos ao adequado monitoramento das iniquidades raciais de saúde, dentro e fora da pandemia.

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