El País: Uma eleição que demoliu todos os padrões de campanha no Brasil

Tempo de propaganda na TV, quantidade de recursos e peso de medalhões foram postos em questão. Ferramentas de comunicação e turbulência política influenciaram diretamente nos resultados

Por Rodolfo Borges, do El País

Éneas Carneiro se estabeleceu no folclore político nacional por conta dos breves 15 segundos que tinha para passar sua mensagem no horário eleitoral gratuito. Quase 30 anos depois daquela eleição de 1989 em que o Brasil conheceu o candidato do Prona, um presidenciável com metade de seu tempo de propaganda na tevê passou ao segundo turno com 46,03% dos votos. Os oito segundos do deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ) eram 39 vezes mais breves do que os 5 minutos e 33 segundos de Geraldo Alckmin (PSBD), que terminou o primeiro turno na humilde quarta colocação, com apenas 4,76% dos votos, apesar de reunir a maior coligação da corrida presidencial, com nove partidos, e de ter acesso a 185,8 milhões de reais de fundo eleitoral —o PSL, de Bolsonaro, recebeu 9 milhões de reais. Esse e outros resultados do primeiro turno desta eleição não respeitaram os padrões estabelecidos durante as últimas décadas. E talvez esses padrões nunca voltem a existir, avisa o cientista político Carlos Melo.

Outro paradigma revertido nestas eleições foi a importância de medalhões históricos no Congresso. A Câmara Federal passou neste ano pela maior renovação desde 1994, com 52% de mudanças, acima dos 40% projetados pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). A renovação no Senado, de 87%, foi ainda mais expressiva. A eleição deixou de fora medalhões como o atual presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), além de Cassio Cunha Lima (PSDB-PB), vice-presidente da Casa, e Cristovam Buarque (PPS-DF) —dos nomes históricos do Congresso, Renan Calheiros (MDB-AL) foi um dos únicos a se reeleger. Alguns deles deixarão o Congresso Nacional por conta das turbulências que tomaram conta da política brasileira nos últimos anos, capitaneadas pela Operação Lava Jato e pelo impeachment da presidenta Dilma Rousseff, que está entre os derrotados na eleição deste ano.

Para o cientista político Jairo Pimentel Jr., um dos grandes determinantes para o desfecho da eleição foi a falta de referência para o eleitor. “Importaram menos as questões relativas à avaliação de governo. Era consensual que o [presidente Michel] Temer tinha um Governo ruim, seja para a direita ou para a esquerda. Quando os eleitores perdem a referência, tudo pode acontecer”, diz o pesquisador do Centro de Política e Economia do Setor Público (Cepesp/FGV). Foi nessas condições que o partido Novo, que disputou sua primeira eleição, conseguiu eleger oito deputados federais e colocou seu candidato ao Governo de Minas Gerais, Romeu Zema, no segundo turno. Outro resultado surpreendente: a Rede, cuja candidata à presidência, Marina Silva, teve menos votos que Cabo Daciolo (Patriota), terá uma bancada com cinco senadores, mas apenas um deputado federal.

Assim, enquanto o PSDB teve sua bancada reduzida de 49 para 29 deputados, com a perda do maior número de parlamentares na Câmara, e ainda luta para eleger pelo menos um governador, o PSL surfou na onda Bolsonaro para saltar de um deputado eleito em 2014 para 52 neste ano, o maior crescimento. Segundo Pimentel Jr., as campanhas dos partidos, cuja probabilidade de influenciar no resultado da eleição costuma ser calculada em torno de 10%, fizeram menos diferença neste ano, e isso inclui a tevê — é a primeira vez desde a redemocratização que um candidato com um dos menores tempos de propaganda passa para o segundo turno. "O Brasil e o mundo são outros nos últimos quatro anos", resume Carlos Melo.

"Em 2014, quem se elegeu foi a Dilma, e o segundo colocado foi o Aécio [Neves]. A Dilma não se elegeu senadora neste ano e o Aécio teve de ser candidato a deputado federal para não perder o foto privilegiado. Aconteceu de tudo: impeachment, Lava Jato, muita denúncia, muito desalento, estourou a violência urbana. O Estado mais simbólico do país, o Rio de Janeiro, está sob intervenção do Governo federal por conta da violência", resume o cientista político, que segue: "O maior líder popular da história do Brasil está preso. O presidente da República exerce mandato porque conseguiu um abrigo da Câmara dos Deputados e porque o TSE [Tribunal Superior Eleitoral] o protegeu". Para Melo, comparar a eleição atual com a anterior não faz sentido, porque todas as condições são diferentes.

Gastos de campanha

Apesar de todas as mudanças e surpresas, o poder financeiro seguiu, em alguns casos, predominando nesta eleição, que não contou com doações de empresas, mas com um fundo eleitoral público. A deputada mais votada no Distrito Federal, por exemplo, foi Flávia Arruda (PR), mulher do ex-governador José Roberto Arruda e dona do maior orçamento na disputa regional, com 2,4 milhões de reais repassados pelo partido —ela declarou gastos de 1,38 milhões de reais. Já Marcel Van Hattem (Novo), cujo partido tem como política não usar o fundo partidário, se elegeu para a Câmara Federal com o maior número de votos no Rio Grande do Sul gastando 423.020 reais — ele declarou 719.742, 75 reais em doações recebidas. O segundo colocado no Estado, Onyx Lorenzoni (DEM), teve 166.337 votos a menos que o novato Hattem, mas gastou mais do que o dobro: 956.679,17 de reais.

Por outro lado, a candidata a deputada estadual mais votada da história em São Paulo, Janaína Paschoal (PSL), só precisou gastar 27.949 reais para receber 2 milhões de votos. E os 2 milhões de reais gastos pelo senador Romero Jucá (MDB) não foram suficientes para mantê-lo no cargo pelo sétimo mandato consecutivo. Faltaram 426 votos para ele superar Mecias de Jesus (PRB), o segundo colocado na corrida pelo Senado em Roraima. Líder no Senado dos governos Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e Michel Temer, Jucá pode ser considerada uma das vítimas da Lava Jato e da impopularidade recorde do atual presidente nesta campanha.

O senador ficou marcado, no início do Governo Temer, em maio de 2016, por comentar em gravação vazada que era preciso "estancar a sangria" provocada pela operação. A Lava Jato também acertou em cheio candidaturas como a o ex-governador Beto Richa (PSDB), que chegou a ser preso durante a campanha e não conseguiu se eleger ao Senado. Outro ex-governador, Anthony Garotinho (PR), ficou de fora da eleição no Rio de Janeiro por conta de uma condenação por improbidade administrativa, em um dos vários casos em que juízes e procuradores influíram diretamente na eleição.

A operação policial que dita os rumos da política nacional desde 2014 desarrumou a dinâmica partidária estabelecida desde a redemocratização, enfraquecendo os polos PT e PSDB. "Os eleitores sempre buscam simplificar a realidade para tomar uma decisão, porque a realidade é muito complexa. O que fica no meio termo acaba perdendo força para os polos binários enquanto referência. Se o Bolsonaro ou o PSL vão conseguir consolidar isso, é um dúvida. Leva tempo. O fato é que o PSDB perdeu essa força de polarização com o PT, diz Jairo Pimentel Jr.

O cientista político lembra que a próxima eleição já não terá coligações para cargos proporcionais e que a cláusula de barreira será mais rígida, o que deve contribuir para a simplificação do sistema político. "O ideal é que a dinâmica partidária seja mais estável, para que o eleitor tenha referências de longo prazo, de como os partidos pensam e atuam, tanto no Governo quanto na oposição", diz, acrescentando que a tendência é que surja um novo arranjo do sistema partidário. "A simplificação da política importante para que o eleitor se sinta seguro com o sistema. Ele não tem tempo para ficar estudando ou pensando sobre a política, quer uma referência mais elementar, basilar, para tomar a melhor decisão possível".


Merval Pereira: Haddad e Ciro se distanciam

É previsível que as bases amplas de apoio do tucano e a de Marina se dispersarão em busca de porto mais seguro

Com o crescimento da candidatura de Fernando Haddad do PT, e a manutenção de Ciro Gomes nos mesmos patamares, parece ter encurtado o campo para os demais candidatos que disputam o segundo turno. O candidato do PSDB Geraldo Alckmin mais uma vez ficou parado, não dando ânimo a quem ainda aguarda uma tendência de alta. Marina Silva confirmou a queda registrada em outras pesquisas, e, segundo o Datafolha, está com a metade das intenções de votos com que começou a campanha eleitoral.

A persistir essa situação, é previsível que a base ampla de apoio do tucano, e a de Marina se dispersarão em busca de porto mais seguro, a maioria dos eleitores indo para Bolsonaro, que continua crescendo, consolidando sua posição no segundo turno. Mas certamente Ciro ganhará com votos úteis de tucanos de esquerda ou que não querem ver o PT de volta, e de eleitores de esquerda de Marina.

Caso Alckmin cresça nas próximas pesquisas, aí será a vez de Bolsonaro desinflar, tornando mais parelha a disputa das duas vagas no segundo turno. Mas para crescer, Alckmin precisa que eleitores de Álvaro Dias, Amoedo e Meirelles decidam fazer voto útil. Os três somam 9 pontos “roubados” do PSDB, além dos eleitores tradicionais do PSDB no sul e no centro-oeste, principalmente ligados ao agronegócio, que migraram para Bolsonaro. Porque nenhum dos três parece disposto a renunciar para ajudar o PSDB.

Em busca do voto útil, tanto Ciro quanto Alckmin transferiram para o candidato petista Haddad a carga de suas baterias. Se esse resultado persistir, o voto útil dos eleitores moderados pode ir para Ciro, que se apresenta como um candidato mais amplo que o petista, e mais competitivo. Alckmin, por sua vez, passou a criticar com mais firmeza Marina, colocando-a no campo da esquerda, dentro que chamou de “vários tons de vermelho”.

Na eleição de 2014, o candidato tucano Aécio Neves avançou sobre o eleitorado de Marina defendendo a tese de que não era possível a esquerda disputar sozinha o segundo turno. Alckmin visa o mesmo objetivo, mas desta vez fica difícil apelar para o antipetismo quando Bolsonaro roubou-lhe essa bandeira e já está praticamente garantido no segundo turno.

É previsível, a continuar este quadro, que o candidato do PSDB vá perdendo apoios pelo meio do caminho dentro do centrão, partidos que teriam mais afinidades com Bolsonaro. Mas Ciro Gomes, que chegou a negociar com o centrão, pode voltar a ser a alternativa desse grupo ao petismo.

Ciro costuma dizer que Bolsonaro é “um cabra marcado para perder” no segundo turno, utilizando-se de um filme chamado “Cabra marcado para morrer”. Mas as pesquisas não mostram isso. O candidato do PSL perde sem margem de dúvidas para Ciro Gomes, mas já está empatado tecnicamente com os demais candidatos.

Para quem perdia de todo mundo no começo da campanha, é um grande avanço já ser competitivo contra a maioria de seus adversários. O líder trabalhista Leonel Brizola morreu certo de que houve um complô contra ele para colocar Lula no segundo turno, que seria um adversário mais fácil de ser batido por Collor. Bolsonaro, que lidera a pesquisa eleitoral desde sempre quando Lula não aparece, está se tornando competitivo no segundo turno, e mais uma vez um pedetista considera-se a melhor opção para vencer a direita.

Ciro se apresenta como aquele que pode garantir a derrota da extrema direita no segundo turno. Alckmin diz que o melhor adversário para o PT seria Bolsonaro, mas as pesquisas mostram que Haddad tem mais dificuldades do que outros para enfrentar no momento o líder das pesquisas.

O apoio de Lula, se é certamente um ativo eleitoral decisivo, também explicita a polarização do país o país, com 32% de eleitores afirmando que votariam “com certeza” no candidato de Lula, e 49% que não votariam de jeito nenhum. Mas há 16% que “levariam em conta” a recomendação de Lula, e os petistas os consideram já eleitores certos.

O empate técnico permanece da disputa do segundo turno continua, mas com dois grupos já se distinguindo um do outro. Ciro e Haddad estão no limite do empate técnico com Geraldo Alckmin (PSDB), que oscilou de 10% para 9%. No mesmo patamar do tucano está Marina Silva (Rede), que caiu 11% para 8%.

Mas é preciso muito malabarismo estatístico para não enxergar que Alckmin e Marina estão estagnados, quando não caindo, enquanto Ciro e Haddad estão em ascensão, principalmente o petista.


Demétrio Magnoli: Cancellier, eu e você

Cancellier não fará o que fez Caldas, temos que fazer por ele, para nós

“Convivo com a pior de todas as sentenças: a mácula da minha honra por crimes que não cometi ou que sequer existiram”. Eduardo Jorge Caldas, secretário-geral da Presidência no governo FHC (1995-98), enfrentou uma incessante campanha de acusações, sem prova ou nem sequer denúncia formal, conduzida por Luiz Francisco de Souza, um procurador-militante. Reagiu, lutando nos tribunais por uma década, até provar sua inocência.

Já o reitor Luiz Carlos Cancellier, preso sem um fio de prova e proibido de colocar os pés na universidade, não resistiu à “pior de todas as sentenças”, suicidando-se diante do público num shopping de Florianópolis. Cancellier não fará o que fez Caldas. Temos que fazer por ele, para nós.

O Conselho Nacional do Ministério Público reconheceu finalmente, em 2009, que Luiz Francisco perseguia Caldas por razões político-partidárias. Prudentemente, desde o fim do governo FHC, o procurador sumiu do palco iluminado, desistindo da missão sagrada da denúncia da corrupção para refugiar-se num sinistro blog “socialista cristão”, de onde dispara petardos difamatórios.

Já a delegada Erika Marena, que mandou prender o reitor, foge à obrigação mínima de reconhecer o erro monstruoso, preferindo inventar um processo vazio contra um colega da vítima. Quanto pesa a injustiça? Será necessária uma nova década até que se repare o irreparável?

De Caldas a Cancellier, mudaram os tempos. Sob o signo da Lava Jato, há cheiro de sangue no ar. Da barriga da operação anticorrupção que desvendou tantos crimes escorrem líquidos contrastantes. Num lado, vastas, justificadas esperanças cívicas; no outro, a substância tóxica da arrogância missionária.

Nas suas imensas diferenças, o acordo de imunidade judicial para Joesley e a prisão de Cancellier ilustram o desvio escuro da Lava Jato. Pois, embora a Operação Ouvidos Moucos, que vitimou o reitor, não tenha ligação formal com a Lava Jato, nela pulsa o espírito do arbítrio angelical.

“Cortem-lhe a cabeça!” –a Rainha de Copas que premia Joesley é a mesma que condena um reitor sem amigos na corte. A delegada Marena notabilizou-se na força-tarefa da Lava Jato, em Curitiba. Deslocada para a Ouvidos Moucos, levou para Florianópolis uma inclinação ao espetáculo que resultou na tragédia.

A acusação a Cancellier, de obstrução da Justiça, tinha as marcas kafkianas clássicas: a “prova” brandida pela Polícia Federal era um ato oficial do reitor, avocando para si a condução da investigação interna. Quem, no mundo, obstrui a Justiça por meio de decisões administrativas documentadas? Mas, sob o amparo da juíza Janaina Machado, o arbítrio fez seu curso, impondo a um inocente a “pior de todas as sentenças”.

Mais Kafka. Em janeiro, diante de um modesto ato acadêmico em memória de Cancellier, a delegada Marena moveu inquérito contra o professor Áureo Moraes, chefe de gabinete da reitoria, acusando-o do “crime” de aparecer, num vídeo estudantil, à frente de cartazes de denúncia do abuso de autoridade.

A Justiça converte-se em ferramenta de intimidação. “Eles não têm nenhum cuidado com a honra alheia e são tão cuidadosos quando criticam os seus”, registrou Gilmar Mendes, conclamando o ministro Jungmann a “instalar o Estado de Direito na PF”.

“Cortem-lhes a cabeça!”. Dos 686 mil presos no Brasil, 236 mil são provisórios. A presunção de inocência está morta para essa multidão de gente sem rosto que, atrás das grades, aguarda julgamento pelo tempo médio de um ano.

Na sua saga judicial contra o abuso de autoridade, Caldas lutou para limpar seu próprio nome, mas também por um princípio geral inegociável. O ato extremo de Cancellier, tão diferente na forma, aponta o mesmo norte. Quando holofotes iluminam as portas das delegacias e dos tribunais, quem não deve teme sim. Dessa vez, não é comigo ou com você. Por mero acaso.

*Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.


Merval Pereira: Sem soluções fáceis

Estamos diante de um novo quadro de desânimo, e novamente o eleitorado parece buscar o salvador da pátria

As pesquisas eleitorais mostram há mais de ano Lula e Bolsonaro nos primeiros lugares. Toda vez que o brasileiro votou em busca de um salvador da pátria, o resultado não foi bom.
Desde a redemocratização tivemos outros dois episódios assim: em 1989, quando venceu Collor, e em 2002, quando Lula foi eleito.

Assim como desta vez, o eleitorado naquelas ocasiões estava desanimado com as experiências anteriores, buscando soluções que pareciam fáceis, mas eram simplesmente ilusórias.

Em 1989, primeira eleição direta depois da redemocratização, o país vinha da frustração da morte de Tancredo, outro que parecia o salvador da pátria, mas não te vetem pode ser testado como tal, e buscou os extremos para encontrara saída.

Foram para o segundo turno Collor, um populista de direita, contra Lula, um populista de esquerda, depois de uma campanha de muitas agressões mútuas e baixarias incríveis.

Ficou em terceiro o trabalhista Leonel Brizola, outro político de esquerda que morreu convencido de que foi roubado para que Lula fosse ao segundo turno, pois, conforme sua análise, era um candidato mais fácil de ser derrotado por Collor. Lula superou Brizola por 0,1% dos votos.

Lula já fez sua autocrítica, reconhecendo que seria uma tragédia se tivesse sido eleito naquela ocasião. Disse ele em 2010, num comício: “Hoje eu agradeço a Deus por não ter ganhado em 1989, porque eu era muito novo, muito mais radical do que eu era em 2002 e, portanto, eu poderia ter feito bobagem. Não bobagem porque eu quisesse fazer, mas pela impetuosidade, pela pressa de fazer as coisas”.

Collor não fez sua autocrítica, apenas lamentou que não soubesse interagir com o Congresso naquela ocasião como sabe agora, o que pode significar que teria antecipado já naquela época a metodologia que levou ao mensalão e ao petrolão.

Em 2002, depois de ter elegido Fernando Henrique Cardoso duas vezes no primeiro turno graças ao Plano Real, o eleitorado buscou Lula, o seu contrário.

A disputa entre PT e PSDB que há 30 anos domina apolítica brasileira começou em 1994, o fim da era dos tucanos deu início à dos petistas.

Lula, mais moderado depois de duas derrotas consecutivas, preparou-se para ampliar seu eleitorado, abrindo o discurso para a classe média e o mercado financeiro coma Carta ao Povo Brasileiro, onde garantia, entre outras coisas, que não quebraria contratos e manteria os fundamentos da política econômica de seu antecessor. Desiludido comas experiências anteriores, o eleitorado busco uno PT apolítica nova e a decência na disputa eleitoral que ele encarnava, sem que se desconfiasse de que o embrião da corrupção sistêmica do petismo já fora revelado nos governos municipais.

A revelação do mensalão, em 2005, e agora do petrolão, fez o PT e seu líder Lula voltarem a ser o partido radical que era em 1989. No governo Dilma, as ideias econômicas heterodoxas do PT, que acusara o Plano Real de ser um estelionato eleitoral, foram postas em prática através do que chamaram de “nova matriz econômica”, que provocou a maior recessão que o país já viveu, e uma legião de desempregados.

Agora, estamos diante de um novo quadro de desânimo nacional, descrença na classe política, e novamente o eleitorado parece buscar o salvador da pátria, o que, em vez de acabar coma inflação com um tiro só, promete resolver os problemas brasileiros à bala, ou aquele que reencarna o pai dos pobres.

O Lula radical de 1989 voltou em 2018 e, mesmo condenado e preso por comandar o maior esquema de corrupção já descoberto no país, é o favorito nas pesquisas, prometendo o retorno ao tempo em que, com o mundo prosperando como nunca antes se vira, conseguiu tirar milhões da pobreza.

Só que a mudança era apenas superficial, não das estruturas da economia brasileira, e, na crise ocasionada por governo que o representava, devolveu a maioria à pobreza. Voltara os bons tempos é um sonho que embala ainda 30% dos eleitores, que não desconfiam que esse é um sonho impossível.

Na outra extremidade do espectro político, surge Bolsonaro, que, assim como Lula em 1989, parece ser o novo na política. Só que mais destemperado e tão despreparado quanto. Se não houver uma mudança do eleitorado, caminhamos para uma falsa solução populista, mais uma vez.


Mariliz Pereira Jorge: #voltaquerida

Desculpe. Sim, a Constituição não permite um terceiro mandato, como sugeri na coluna de hoje. Ainda que uma fonte tenha garantido que o PT poderia brigar pela candidatura à presidência de um político que perdeu e não terminou o mandato, é responsabilidade minha, como profissional, ouvir outros especialistas.

Muitas lições para aprender com esse erro. Por exemplo, que a Constituição está lá para ser respeitada e não interpretada da forma que beneficie esse ou aquele interesse. Infelizmente não será dessa vez. Ainda que o PT quisesse muito, Dilma Rousseff não poderá se candidatar à Presidência em 2018.

Mas quatro anos passam rápido e 2022 está aí. Com sorte, todo o arsenal jurídico do PT terá funcionado e Lula será eleito, apesar de uma lei (chamada Ficha Limpa) tentar impedi-lo, e isso abrirá caminho para um #voltaquerida2022. Porque, afinal, leis estão aí para serem contestadas, mas a Constituição, que impede que Dilma tente voltar ao Planalto em 2018, precisa ser defendida, ainda que essa mesma Constituição tenha sido rasgada na hora de manter uma presidente impichada elegível.

Leia a coluna original abaixo.

 

Por que o PT não lança Dilma Rousseff à Presidência?

Perguntar não ofende. Por que não Dilma? Por que o PT não a lança à Presidência? O partido teria a chance de provar que, como a militância defende, era uma “presidenta” escolhida pelo povo, honesta, competente, guerreira, vítima de um golpe de Estado. Meio golpe.

O Senado rasgou a Constituição ao fatiar o impeachment, com a chancela do ministro Ricardo Lewandowski, do STF (Supremo Tribunal Federal). Dilma deveria ter perdido o direito de exercer cargos públicos por oito anos. Mas está aí, faceira, denunciando a pernada que levou do seu vice, a prisão política de Lula —em países tão democráticos quanto Cuba—, prestes a concorrer ao Senado.

Ainda que digam que não há plano B, que o candidato é Lula, fala-se em Fernando Haddad e Jaques Wagner, se o ex-presidente tiver as negativas do TSE e do STF. Ora, Haddad perdeu no primeiro turno uma eleição municipal, Jaques Wagner não parece disposto a abrir mão do favoritismo ao Senado pela Bahia.

Por que o PT não avalia o nome de Dilma, a “presidenta” tão amada, proba, que teve 52% dos votos? Por que a #voltaquerida passou a ser ignorada pela militância, que grita em uníssono apenas #lulalivre? Seria um retorno triunfal.

Talvez porque o PT tenha pavor de Dilma. Talvez porque, para o partido, ela seja o que Haddad disse sobre Alckmin: o atraso na disputa do Planalto. O petista ainda se referiu ao tucano como a continuidade do governo Temer. Como se o PT não tivesse nada a ver com o atual presidente.

Como se Dilma não tivesse seguido o programa do PSDB depois de ter levado uma eleição apertadíssima contra o finado (politicamente) Aécio. Como se Lula não tivesse mantido o plano econômico de FHC, que a militância tanto detesta.

É preciso estar muito distraído para não perceber quando a velha política desdenha da velha política. E quando os partidos e correligionários desdenham de seus próprios representantes.

*Mariliz Pereira Jorge é jornalista e roteirista de TV.

 

Erramos: o texto foi alterado
26.jul.2018 às 15h53
Diferentemente do informado na coluna “#voltaquerida”, de Mariliz Pereira Jorge, Dilma Rousseff não pode concorrer à Presidência em 2018. Sua candidatura é impedida pela Constituição, que veda um terceiro mandato consecutivo no mesmo cargo do Executivo.