Ascânio Seleme: ‘Revogazo’

Simpatizantes do PT sabem que mexer em decretos, portarias e pareceres não custa nada, nem tempo
Foto: Roberto Stuckert
Foto: Roberto Stuckert

Ascânio Seleme / O Globo

Enquanto Lula anuncia que se for eleito quer rever as reformas tributária e trabalhista, gente do PT opera sobre bases mais realistas e elenca medidas infralegais tomadas pelo governo Bolsonaro e para as quais basta uma canetada do presidente ou do ministro da área para serem revogadas. Para mexer na Previdência ou nas leis trabalhistas, Lula vai precisar do Congresso. Este que está aí, já disse presidente da Câmara, Arthur Lira, é de centro e não quer rever nada. Mesmo que o Congresso eleito em outubro se mova para a centro-esquerda, mudanças legais tomam tempo e exigem dedicação política. Mexer em decretos, portarias e pareceres não custa nada, nem tempo.

São muitas as medidas que os petistas consideram antidemocráticas, retrógradas ou simplesmente absurdas. Elas estão sendo listadas por simpatizantes do partido espalhados em ministérios, autarquias e empresas públicas. O que se quer é promover um “revogazo” logo depois da posse do presidente e de seus ministros, caso Lula seja eleito, obviamente. Se for possível e não atrapalhar o cerimonial, o evento tomaria mais alguns minutos para a assinatura dos atos revogatórios. A ideia é não permitir que decretos como os que afrouxam restrições para compra e posse de armas e munições permaneçam em vigor um único dia do novo governo.

As revogações vão desde decretos de natureza ambiental até portarias sobre direitos humanos. Da boiada que Ricardo Salles passou enquanto era ministro, constam alterações na indicação de membros do Conama, redução de multas a agressores ambientais e permissões de exploração mineral em áreas de preservação ou indígenas. Bolsonaro também alterou por decreto a lei dos agrotóxicos permitindo que até pesticida que causa câncer seja comercializado no país. O decreto também muda procedimentos que afrouxam a fiscalização do emprego de agrotóxicos na lavoura brasileira. A recomendação é revogar os atos de Salles e o documento dos agrotóxicos, além de retirar da pauta do Congresso o PL do Veneno, que institui o “liberou geral” nos pesticidas.

Departamentos extintos em ministérios, como o de HIV/Aids da Saúde, devem ser reinstalados no mesmo pacote de primeiro dia de governo por se entender que seu fechamento foi determinado em razão da homofobia governamental, da mesma forma que a população LGBTQIA+ foi retirada das políticas de Direitos Humanos por Damares Alves com a extinção do comitê específico. Que seria recriado.

Ainda na área de Damares, um grupo de trabalho foi instaurado para rever toda a política de direitos humanos e criar uma nova, apelidada de PNDH3. O grupo é formado apenas por representantes governamentais, sem a participação de representantes da sociedade civil. Uma denúncia contra a medida foi enviada ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Caso Lula seja eleito, o grupo do PNDH 3 será extinto.

O governo Bolsonaro restringiu por decreto a Lei de Acesso à Informação, autorizando que alguns documentos públicos tenham sigilo eterno. O decreto foi cancelado por ordem do Supremo Tribunal Federal, e uma Medida Provisória baixada pelo governo acabou caducando sem votação. Mesmo assim, pareceres que embasaram o decreto continuam sendo usados com a mesma finalidade. Neste caso não há revogação a ser feita. E, embora o PT não tenha lá tanto apreço pela transparência, dificilmente estes pareceres serão usados por Lula para restringir o acesso a documentos oficiais.

O “revogazo” petista é diferente do “revogaço” do governo atual. O de Lula tem caráter ideológico. O de Bolsonaro, que já somam 4.154 decretos, alcançou apenas instrumentos normativos em desuso ou caducos. De qualquer modo, as revogações de Bolsonaro também serão revistas por um eventual governo petista. Programas como o Minha Casa, Minha Vida, estabelecidos por decreto, foram revogados e substituídos por outros que não funcionam por desinteresse ou pouco caso governamental. Eles serão restabelecidos no caso de Lula ser eleito.

Justiça militar

O julgamento do traficante de cocaína Manoel da Silva Rodrigues, preso na Espanha com 37 quilos de pasta base, prova mais uma vez como é desnecessária a justiça militar. O fato dele ser sargento da Aeronáutica e ter transportado a droga num avião militar (o da comitiva presidencial) não mudou em nada o seu destino, mas poderia ter mudado. Pelo Código Penal Militar, ele deveria ser condenado de um a cinco anos de prisão. Pela Lei de Drogas, a punição seria de cinco a 15 anos. O presidente da sessão de julgamento ignorou o Código e sugeriu uma pena de 14 anos, corroborada pelo coronel e pelos três capitães que compunham a corte. Em tempos de paz, a justiça militar deveria ser mínima, apenas para atender problemas da caserna. Por crimes cometidos fora do âmbito militar, melhor deixar que os códigos civis resolvam.

Militares e urnas

O melhor lugar para estacionar tropas é bem distante de urnas eleitorais. Não faz qualquer sentido associar as Forças Armadas ao processo eleitoral. O TSE errou ao incluir no ano passado o Ministério da Defesa na Comissão de Transparência das Eleições. Por essa razão, as arguições do seu representante causaram estresse agora, com Bolsonaro dizendo que haviam sido identificadas “vulnerabilidades” no sistema. Equivocado também foi o convite ao general Fernando Azevedo e Silva para assumir a direção-geral do tribunal. Parece que se queria buscar a simpatia das Forças Armadas. Simpatia desnecessária. O que se quer dos militares é o cumprimento das suas missões constitucionais, não sua simpatia.

Utilidade militar

Enfim uma situação em que as Forças Armadas puderam provar sua utilidade, sendo empregadas com eficiência e prestando serviço relevante para a comunidade. A tragédia de Petrópolis mobilizou Exército, Marinha e Aeronáutica que enviaram mais de 900 homens além de máquinas, equipamentos e veículos para o trabalho de resgate de vítimas e recuperação da cidade.

Roendo o osso

Além do garçom do palácio, que só lhe oferece café frio, o deputado Arthur Lira já o trata de você. Lira usa a segunda pessoa do singular e sua força política para dar orientações ao presidente. Numa entrevista ao Valor, o deputado disse que Paulo Guedes deveria se submeter hierarquicamente a Ciro Nogueira. Ato contínuo, Bolsonaro deu ao ministro da Casa Civil poder para mediar impasses entre pastas. Mesmo dando as cartas, o Centrão já sinalizou que tranquilamente abrirá mão de Bolsonaro quando a hora chegar. Enquanto isso, vai ficando no poder, fazendo política, distribuindo verbas, roendo o osso.

A Bahia aceita

Lula articula muito bem os entendimentos ao centro de maneira a expandir seu eleitorado. Por isso, faz todo sentido o movimento que alija o senador Jaques Wagner (PT) da disputa pelo governo da Bahia em favor do senador Otto Alencar (PSD). Mas, não custa lembrar, esse tipo de entendimento só acontece fora de São Paulo. Na Bahia, tudo bem, em Minas, nenhum problema, no Rio, que calem a boca. Mas em São Paulo, não mexam em São Paulo que o PT vira bicho.

Desmata-me de rir

O ex-ministro da Madeira e do Garimpo, Ricardo Salles, arrancou gargalhadas, mesmo entre os bolsonaristas mais convictos, quando disse que o presidente do Brasil evitou a terceira guerra mundial ao demover Putin de invadir a Ucrânia. Mas ainda pior foi Bolsonaro dizer que por “coincidência ou não” sua presença na Rússia apaziguou os ânimos. Logo em seguida os ânimos pioraram. Coincidência.

Boca torta

Ontem, em Petrópolis, depois de servir de mestre de cerimônias nas falas das autoridades, chegada a hora da entrevista, Bolsonaro provou mais uma vez que o uso do cachimbo deixa mesmo a boca torta. “Quem vai conduzir a imprensa?”, perguntou.

Orgulho

Na entrevista de Petrópolis, ao ser perguntado sobre seu encontro com Vladimir Putin, o presidente mostrou todo o seu orgulho e sua alegria ao informar que passou duas horas a um metro e meio do líder russo, destacando que houve até alguns momentos de grande descontração.

Mortes em Paris

Segundo levantamento da Prefeitura de Paris, 2,6 mil pessoas vivem nas ruas da capital francesa. Muitos são recolhidos à noite e levados a abrigos aquecidos. Outros tantos não atendem a demanda dos funcionários, alguns se escondem. Dez já morreram de frio desde o início do inverno em todo o país, dois em Paris. No Brasil, dezenas de milhares perambulam pelas ruas das cidades sem ter para onde ir. Não morrem de frio, mas de fome.

Fake snow

Além de gerar uma sensação de paz em razão das montanhas e dos horizontes brancos de neve, o cenário dos jogos de inverno costuma ser de uma beleza indescritível. Não em Pequim. Algumas das arenas foram construídas dentro da cidade, cercada por prédios feios, galpões e containers. Uma delas, a que abrigou a modalidade Big Air Skiing, que consiste numa descida de prancha com salto em alta velocidade, foi instalada ao lado de uma siderúrgica abandonada que mais se parece com uma velha usina nuclear. E, claro, apesar de ser inverno em Pequim, a neve das rampas e pistas urbanas é falsa.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/revogazo-25401509

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