Ascânio Seleme: Cabo Daciolo faria melhor

O Brasil não assinou os contratos nos momentos adequados graças ao negacionismo do presidente Jair Bolsonaro. Hoje estamos no fim da fila.
Foto: Alan Santos/PR
Foto: Alan Santos/PR

O Brasil não assinou os contratos nos momentos adequados graças ao negacionismo do presidente Jair Bolsonaro. Hoje estamos no fim da fila.

O custo que pagamos em vidas pela imprevidência governamental será aumentado exponencialmente até que vacinas em larga escala comecem a chegar ao Brasil. Não faltam vacinas ou insumos para a sua fabricação nos centros produtores. O que há são cronogramas de entregas que atendem a ordem de assinatura dos contratos firmados com os fabricantes. O Brasil não assinou os contratos nos momentos adequados graças ao negacionismo do presidente Jair Bolsonaro. Hoje estamos no fim da fila.

O exemplo da vacina da Pfizer/BioNTech é particularmente ilustrativo. Bolsonaro exigiu que se mudasse no contrato uma cláusula pela qual a empresa não se responsabiliza por efeitos adversos que porventura ocorressem aos imunizados. Ele disse que se concordasse com aquela cláusula seria obrigado a exigir de cada brasileiro que assinasse um termo de responsabilidade ao ser vacinado. Bobagem do tamanho da ignorância do presidente. “Se você virar jacaré, é problema seu”, resumiu o homem eleito para proteger o Brasil e seu povo. O contrato poderia ter sido assinado em julho.

Em qualquer bula de remédios vendidos no país há uma lista de efeitos colaterais que eles podem gerar. São muitos. Há bulas que relatam até mesmo a ocorrência de alguns óbitos. Nem por isso esses medicamentos foram recolhidos das prateleiras das farmácias. Tampouco as pessoas deixaram de usá-los se esta foi a recomendação do médico. A asneira presidencial, portanto, só se entende se lida politicamente. Bolsonaro julgou que ganhava pontos com a bravata, apostou, perdeu e agora os brasileiros arcam com seus custos.

Há um outro elemento perturbador na disputa política que o presidente introduziu maleficamente na questão da pandemia. A Anvisa, que deveria ser autônoma, foi instrumentalizada por Bolsonaro. Embora defenda-se sua independência, havendo mesmo um ganho de respeitabilidade quando o deputado Ricardo Barros (Centrão) resolveu enquadrar a entidade em favor de negócios da sua turma, a verdade é que a Anvisa prestou alguns claros desserviços ao Brasil e aos brasileiros durante a saga negacionista do capitão.

Três exemplos da boa vontade da Anvisa com a política bolsonarista: 1) Interrompeu os testes da CoronaVac em razão de uma morte por suicídio, quando estava claro que não se tratava de resultado da vacina. A entidade mandou parar a testagem e deu palanque ao presidente. Só deixou os testes seguirem depois de muita gritaria; 2) Exigiu que vacinas fossem testadas no Brasil para aprovar o seu uso. Uma loucura, como se os brasileiros tivessem uma natureza especial. Acabou voltando atrás; 3) Tentou vergonhosamente proibir o uso no Brasil de vacinas aprovadas por diversas entidades do porte da FDA, a gigante similar americana da Anvisa.

O Brasil, que tem a melhor e mais bem preparada rede de postos de vacinação entre as grandes nações do mundo, e que poderia vacinar até dez milhões de pessoas por dia, segundo o ex-ministro Henrique Mandetta, imunizou até aqui tanto quanto nanicos como Israel e Emirados Árabes Unidos. Enquanto os Estados Unidos vacinaram 57 milhões até quinta-feira, o Brasil imunizou 6 milhões. Mas o problema é outro. Aqui a vacinação parou e ao que parece seguirá por espasmos, com chegadas de pequenos lotes até abril, quando espera-se que a oferta de insumos e vacinas poderá ser aumentada.

De hoje a primeiro de abril, mantida a média de mil mortes diárias, 39 mil brasileiros perderão a vida em decorrência da Covid-19. A vacinação em escala do SUS reduziria drasticamente este número. Muitas dessas mortes poderiam ser evitadas se nosso país fosse governado por Fernando Haddad, Ciro Gomes, Geraldo Alckmin, João Amoêdo ou Cabo Daciolo. Nenhum deles seria tão estúpido quanto Bolsonaro. Já disse antes, mas não custa repetir, o custo da catástrofe brasileira deve ir para a conta do presidente do Brasil. E ele que não se engane, um dia esta conta vai chegar.

Bravateiro

As ameaças do troglodita Daniel Silveira de não deixar em paz os ministros do STF não significam nada, são bravatas. No futuro, se estiver solto e voltar a abusar da retórica, que de resto sequer deveria ser publicada, tornará a ser encarcerado. Isso não significa que os ministros não precisem de medidas de segurança especiais. As práticas do indigitado são típicas de milicianos. E… você sabe.

Eleitores

Quem elege um brutamonte desse é desconforme como ele ou estúpido como uma porta. Há também a hipótese de ter sido obrigado a votar nele. Difícil é imaginar o eleitor indo à urna para sufragar o sujeito, e pensando: “Meu deputado vai trabalhar pela minha comunidade, pelo meu município, pelo meu estado”.

Promiscuidade

O hipopótamo preso por atentar contra o STF foi tratado como um amigo por alguns policiais federais durante o tempo em que ficou detido na sede da PF do Rio. Tanto que na sua breve saída para a audiência de custódia foram encontrados dois celulares no local. As imagens dele circulando na casa demonstram a promiscuidade. Risinhos, olhares amigáveis, boa vontade, está tudo lá na coleção de vídeos feitos pela TV Globo. A certa altura, ele ofereceu uma bala a um agente, que aceitou. Teve um problema, foi com uma funcionária do IML, que exigiu dele o uso da máscara. Ele a desacatou nas barbas de outro policial, que nada faz. Se foi assim na PF, imagina como está sendo na PM, onde já foi visto passeando no pátio interno sem máscara. Aliás, o que ele ainda faz em carceragem especial? Seu lugar é Bangu.

Tudo tem limite

“Pela bondade de Deus, temos em nosso país três preciosidades fundamentais: a liberdade de expressão, a liberdade de consciência e a prudência de nunca praticar nenhuma delas”. Este alerta de Mark Twain recomenda implicitamente que não se ultrapassem certos limites, que podem ser legais, morais, éticos, religiosos. Todos podem ser ignorados, claro, mas o bom senso recomenda que não. A imprudência pode resultar em crimes, e alguns deles acabam mandando o quadrúpede para a cadeia.

Rio reforma

O projeto é ambicioso, mas se andar será uma revolução. O governo estadual quer modernizar o regime tributário do Rio reduzindo o número de leis fiscais. Hoje são 300, que se quer diminuir para alguma coisa entre cinco e dez. A Assembleia gosta da ideia, mas sua aprovação vai exigir negociações quase caso a caso. E é aí que residem os perigos e os percalços do projeto. Os grupos de pressão tentarão puxar e esticar a corda de acordo com seus interesses. Até aí, nenhum problema, é este mesmo o papel dos parlamentos. O importante é que os órgãos de fiscalização, inclusive a imprensa, mantenham vigilância permanente.

Armas 1

Bolsonaro poderia ir um pouco mais ao norte buscar exemplos para sua administração. Veja o caso do Canadá, onde armas automáticas foram banidas há anos, e nenhuma arma legal no país pode disparar mais de cinco balas antes de ser recarregada. O Canadá é o sexto país do ranking de violência do Índice Global da Paz, atrás apenas de Islândia, Nova Zelândia, Portugal, Áustria e Dinamarca. O Brasil é o 126º de um total de 163 países pesquisados, à frente do Haiti, do Zimbábue e de Mianmar, que está sob estado de sítio após um golpe militar.

Armas 2

O Centrão que abra o olho. Ao armar e municiar sua gangue mais radical, Bolsonaro está dando energia àqueles que veem fantasmas em todo lugar. Esta turma acha, equivocadamente, que no Congresso só tem ladrão. E que o símbolo dos ladravazes é justamente o Centrão. Foi isso o que aprenderam com o velho líder general Heleno.

General Pesadello

Ao contrário do que o mundo fez, isolando o Brasil em razão da nova cepa amazônica do coronavírus, o Ministério da Saúde espalhou contaminados entre diversos estados. Não se pode mesmo exigir muito do incompetente general Pazuello, que Vinicius Torres Freire, da “Folha de S. Paulo”, adequadamente chama de general Pesadello. Aliás, parabéns à “Folha” pelos seus cem anos.

A gravata do Lula

Foi o escritor e jornalista Ingo Ostrovsky quem observou. O general Eduardo Pazuello tem aparecido com uma gravata igual às que Lula e comitiva usaram em todos os eventos preparatórios da candidatura do Rio para sediar a Olimpíada de 2016. A estreia da gravata do Lula, como ficou conhecida, foi na Olimpíada de Pequim, em 2008. Ela tem fundo azul marinho com listras diagonais em verde, amarelo e branco, é de seda e foi fabricada na Itália por encomenda da Tie Rack, de Londres. Lula gostou tanto da gravata que continuou a usá-la em seu dia a dia. Seria interessante saber onde Pazuello foi buscar a sua.

Mulheres na direção

Por lei, todas as empresas públicas da Califórnia devem ter pelo menos uma mulher em sua diretoria. A lei exige ainda a presença de um membro que se identifique como parte de comunidades consideradas sub-representadas no estado, sejam LGBTQ+ ou minorias étnicas e raciais. Nos EUA, 30% das vagas na direção das 500 maiores empresas são ocupadas por mulheres. O Brasil não faz feio nesse quesito. Tem 34% das vagas de cargos de liderança sênior com mulheres. Acima da média global que é de 29%. Nosso maior problema são as minorias.

Descolonização francesa

Emmanuel Macron inicia ainda neste semestre o cumprimento de uma promessa feita em 2017, devolver ao continente africano tesouros artísticos e históricos levados para a França por colonizadores e que hoje repousam em museus do país. Vai começar pelo Benin, para onde serão devolvidas 26 peças do reinado de Dahomey. Grécia e Egito também querem de volta objetos que contam a sua História. Mas aí, o Louvre teria de fechar uma de suas três alas.

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