Ascânio Seleme: A praça do negro

A prefeitura de Bragança Paulista, cidade de 170 mil habitantes, deu o nome de Oswaldo de Camargo a uma nova praça que está acabando de construir na cidade.
Foto: EWlliams/Wikipedia
Foto: EWlliams/Wikipedia

A prefeitura de Bragança Paulista, cidade de 170 mil habitantes, deu o nome de Oswaldo de Camargo a uma nova praça que está acabando de construir na cidade

Pode parecer singelo, bonito e politicamente apropriado, mas batizar uma praça de uma cidade do interior de São Paulo com o nome de um poeta, escritor e ativista negro vivo é mais do que isso. A prefeitura de Bragança Paulista, cidade de 170 mil habitantes, deu o nome de Oswaldo de Camargo a uma nova praça que está acabando de construir na cidade e que vai abrigar também um terminal rodoviário. Antes disso, o único vereador de oposição da cidade, Quique Brown (PV), aprovou a concessão de uma placa de prata a Camargo, a mais alta honraria oferecida pela Câmara Municipal.

Oswaldo de Camargo tem 84 anos, é neto de escravos e filho de pais analfabetos. Aos seis anos, colhia café nas fazendas locais. Para chegar às plantações, caminhava oito quilômetros todas as manhãs, passando num largo despovoado onde hoje está sendo construída a praça que levará o seu nome. Trabalhou até perder os pais, Martinha e Cantiliano, que morreram de tuberculose. Muito jovem ainda, foi mandado para o Preventório Imaculada Conceição, onde foi alfabetizado. Religioso, foi recusado por diversos seminários, por ser negro. Até conseguir vaga no Seminário Menor Nossa Senhora da Paz, em São José do Rio Preto. Mas não foi ordenado, por ser preto.

Foi então para São Paulo. Lá trabalhou no jornal “O Estado de S. Paulo”, como revisor e resenhista, dos 23 anos até se aposentar. Escreveu diversos livros de poesia, história, contos e ensaios. Participou do movimento literário que publicou os “Cadernos Negros” e organizou uma antologia de literatura negra. Foi um dos fundadores de um grupo de ativistas negros, o Quilombhoje, dedicado a incentivar a literatura e dar visibilidade a textos de autores afrodescendentes. Oswaldo de Camargo foi e continua sendo um ativista literário. Segundo ele, a homenagem de Bragança não é para ele apenas. Numa entrevista a Shel Almeida, do UOL, disse que os homenageados “são todos os pobres, todos os negros que ajudaram a construir a cidade”.

O escritor merece com sobras a homenagem da sua cidade. Sua biografia prova o seu valor e a qualidade da sua obra não deixa dúvidas, segundo críticos e pensadores como Florestan Fernandes, que prefaciou seu primeiro livro “15 Poemas Negros”, que será relançado este ano pela Companhia das Letras. Só há uma questão, que embora lhe seja muito próxima, absolutamente não macula sua imagem. Oswaldo é o pai de Sérgio Camargo, o atarantado presidente da Fundação Palmares.

Sérgio tem ódio ao ativismo negro, como se sabe. Numa gravação feita sem o seu conhecimento, chamou o movimento negro de “escória maldita”. Disse que deveria ser extinto. Ele também é contra o Dia da Consciência Negra porque “celebra a escravização de mentes negras pela esquerda”. Um dos mais entusiasmados defensores do presidente Bolsonaro e de suas políticas, o filho de Oswaldo foi quase profano quando disse em rede social que “a escravidão foi benéfica para os descendentes dos escravos”. Segundo ele, os negros no Brasil vivem hoje melhor do que os negros na África.

O filho envergonha o pai. Embora evite falar sobre Sérgio, Oswaldo disse a Shel Almeida o seguinte: “Meu filho não tem nada a ver comigo nessa questão ideológica. A única coisa que eu torço é que este processo de apagar a História da qual eu faço parte não chegue tão longe que eu seja obrigado, como escritor, a confrontar-me com o que está acontecendo na Fundação (Palmares)”. O nome de Oswaldo de Camargo ficará na História, não apenas pela praça de Bragança, mas em razão da literatura que produziu e dos movimentos dos quais participou. O de Sérgio escorrerá pelo mesmo esgoto de onde um dia aflorou.

O Brasileiro vende voto

Se alguém ainda tinha dúvida, as últimas pesquisas sobre o governo do Bolsonaro provam que muito brasileiro vende seu voto. É absolutamente normal que um presidente ganhe o respeito e o apoio dos eleitores se governar bem, para todos, com rigor fiscal, honesta e democraticamente. O que se vê no Brasil, desde a instituição da política de bolsas, é o voto em troca de mesadas oficiais. Não se discute a necessidade das bolsas. O Brasil é muito pobre e não pode delas prescindir. Mas vejam como elas viram rapidamente um instrumento político. Nos governos do PT, os melhores resultados eleitorais do partido foram justamente nos lugares mais fortemente alcançados pelas bolsas. Agora, com Bolsonaro, o auxílio emergencial virou combustível para elevar a popularidade do presidente. Com o seu término em dezembro, o apoio ao capitão despencou. Por isso, aliás, ele quer urgentemente o seu retorno.

Última promessa

A imagem de político liberal de Bolsonaro é a última que resta a ser desmontada na sua saga para destruir todas as promessas de campanha. Paulo Guedes jamais vai confirmar. Se perguntado diretamente, vai negar, mas está com saco cheio. Tem gente no Ministério da Economia dizendo que ele não acredita mais no sucesso do projeto que o levou ao governo. A pauta liberal, que já vinha cambaleando e deu sinais de fadiga extrema com a demissão do presidente da Eletrobras, parece que não vai andar com Arthur Lira e o Centrão no comando da Câmara. Gente próxima a Guedes diz que esse grupo é egoísta, não pensa no país e que dificilmente vai apoiar privatização de empresas com centenas de cargos de livre indicação.

Dispensável

Até outro dia intocável, Paulo Guedes virou apenas mais um na Esplanada dos Ministérios. Bolsonaro, que já jogou no lixo até mesmo o combate à corrupção, a mais cara promessa aos eleitores não radicalizados, não tem por que segurar um ministro turrão, que vai fazer tudo o que estiver ao seu alcance para impedir a criação de novos ministérios e desembolsos, emergências ou não, desestruturados e sem compensações adequadas. O prazo de Guedes está chegando. Sua paciência também.

Mentirosa

Não sei por que ainda se dá bola e microfone para Bia Kicis, reconhecida como a maior disseminadora de fake news no Congresso. Fake news significa notícia falsa em português. Ou informação inventada. Trata-se, portanto, de uma mulher que inventa história, de uma mentirosa. Não é a única, muita gente diz que todo político mente. Mas no caso dela, trata-se de uma mentirosa patológica. Para quê ficar ouvindo mentira, não é mesmo?

Quem odiar

Em alguns meses Arthur Lira vai ganhar antipatia parecida com a do seu inspirador, o ex-deputado preso por corrupção Eduardo Cunha. Num determinado momento da História política nacional, Cunha tinha praticamente todo o Brasil contra ele. Foi o homem mais odiado do país. Mais do que os ex-presidentes Michel Temer e Dilma Rousseff, para ficar apenas na História mais recente. Lira tem tudo para seguir os passos do seu velho guia. Primeiro, tocando a pauta da Câmara, que na prática é a agenda nacional, com a truculência com que iniciou o seu mandato. Depois, quando começar a retaliar Bolsonaro, que não vai conseguir conter a sua gula e a gula do Centrão.

A prova

A eleição de Arthur Lira prova definitivamente aquela máxima de que o que é ruim pode sempre piorar. O fundo do poço é sempre mais fundo do que se pensa. No caso do Congresso, fica para lá do pré-sal.

Bola dentro

Está bem, você pode dizer que se trata de protocolo. Mas vale ressaltar que eventualmente até o ministério de Ernesto Araújo acerta. O Itamaraty distribuiu comunicado entre todas as embaixadas, consulados e outras missões estrangeiras acreditadas no Brasil explicando que todos podem e devem fazer uso dos serviços nacionais de saúde, especialmente o SUS, para enfrentar qualquer inconveniência em razão da pandemia. Explica ainda que estrangeiros têm direito à vacinação, atendendo os critérios de idade e comorbidades. Tudo bem, tudo certo. O problema é quando as vacinas chegarão. A Embaixada de Israel estuda repatriar seus servidores em escala para serem vacinados no país para depois retornarem imunizados ao Brasil.

Militares no poder

Além dos nove ministros militares do governo Bolsonaro, sabe-se que o Executivo abriga em seus ministérios e autarquias 2,7 mil oficiais e praças cedidos pelas três Forças Armadas. Dados do Movimento Acredito mostram que na Presidência da República, 15,1% dos cargos de natureza especial em funções de DAS e similares são ocupados por militares. No Ministério das Minas e Energia eles ocupam 10,8% dos cargos; na Ciência e Comunicações, 10,1%; no Meio Ambiente, 8,3%; e na Saúde, 7,3%. No final do governo Dilma, os militares somavam 2,7% dos cargos comissionados no Palácio do Planalto.

Esquecimento

Se a polêmica sobre o direito ao esquecimento passar no Supremo, os bisnetos de Getulio Vargas vão poder pedir para que se esqueça que o velho ditador deu um tiro no próprio peito. E os descendentes de Emílio Garrastazu Médici poderão exigir que não se fale mais da carnificina de civis promovida em seu governo.

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