Ascânio Seleme: A beleza da rotatividade

O novo time de Bolsonaro havia esquecido que o Supremo tinha um novo presidente.
Foto : Nelson Jr./SCO/STF
Foto : Nelson Jr./SCO/STF

O novo time de Bolsonaro havia esquecido que o Supremo tinha um novo presidente

Nada como um dia depois do outro. Até o final de setembro, as articulações dos novos aliados de Bolsonaro contra a Lava-Jato andavam de vento em popa. A indicação de Kassio Marques para a vaga de Celso de Mello era o ponto alto do entendimento entre o centrão, o Planalto e alguns ministros do Supremo Tribunal Federal. O presidente afastava, pelo menos provisoriamente, a ideia de nomear um nome terrivelmente evangélico ou um advogado despreparado para o posto, o tribunal seguia na sua solene altivez, e o centrão ganhava um ministro que ajudaria a torpedear a saga punitivista, engordando a ala garantista da Segunda Turma do STF. Aí chegou o Fux.

O novo time de Bolsonaro havia esquecido que o Supremo tinha um novo presidente. Acostumado com a simpatia e a amizade de Dias Toffoli, batia bola como se nada houvera. Foi um erro. O mundo estava diferente. E esta é a beleza da rotatividade no comando do STF. Se Toffoli fosse presidente vitalício, como funciona na Suprema Corte dos Estados Unidos, Bolsonaro nadaria de braçada. Mas, não, por aqui o sabiá muda de cantiga a cada dois anos. E o canto da vez é o de Luiz Fux, que reagiu à manobra do capitão com outra manobra, e tirou poder da Segunda Turma sobre a Lava-Jato.

Sem entrar no mérito de quem tem razão, se os garantistas ou os punitivistas, é fato que se Bolsonaro e o centrão estão de um lado, tudo indica que o outro lado é melhor. Se o lado de Bolsonaro e do centrão também tiver a simpatia do PT de Lula, mais forte fica esta convicção. Foi o que se viu com a indicação de Kassio Marques. O festival de elogios ao magistrado não teve qualquer contenção partidária. O PT sentiu-se à vontade para falar bem alegando que o indicado já havia sido conduzido para o TRF pela ex-presidente Dilma. Mas é mais do que isto, além de tentar enterrar a Lava-Jato, Kassio provavelmente se somará aos que querem punir e desautorizar Sergio Moro, anulando a sentença de Lula no caso do tríplex do Guarujá.

O ex-sumido senador Renan Calheiros também entrou no circuito ao lado de Bolsonaro, do centrão e do PT de Lula, reforçando a tese de que o outro lado é melhor. Há três semanas, Renan recebeu Lula num hospital de São Paulo, onde se convalescia de uma cirurgia. “Vou vingar o senhor, presidente”, disse Renan ao visitante. Dias depois, saiu do hospital e voltou a operar com toda a desenvoltura que o distingue. Junto com seu ex-desafeto, o presidente do Senado Davi Alcolumbre, Renan organizou a paz entre Paulo Guedes e Rodrigo Maia; ajudou a consolidar a vida de Bolsonaro no STF; está azeitando o caminho de Kassio no Senado e incentivando a punição a Moro.

Renan trabalha por Lula, com o seu aval, e por Bolsonaro, com o OK do presidente. Foi para atender ao capitão que ele acionou a senadora Kátia Abreu, a organizadora do jantar que reuniu Guedes e Rodrigo. E para contemplar também o petista, Renan se uniu a Alcolumbre em favor do rito rápido na aprovação do garantista Kassio e da votação para a suspeição de Moro. Se depender de Renan e dos novos aliados de Bolsonaro, a maquiagem do currículo do indicado não o impedirá de ser aprovado pelo Senado. Com isso, ganham centrão, Bolsonaro e Lula. E ganha o reinserido Renan.

Não foram poucas, como se vê, as articulações que reuniram sob o mesmo guarda-chuva Bolsonaro, Lula, Renan, Gilmar, Toffoli, Alcolumbre e o centrão. Não importa a força e o poder que um grupo desse possa ter, o problema é que sempre há um outro lado. E de dois em dois anos a fila anda.

Transparência

Pode-se falar tudo de Dias Toffoli, menos que não seja transparente. Tem o currículo que tem e não se acanha. Não inventou mestrados, doutorados ou pós-docs. Sabe-se que lecionou numa universidade meia boca de Brasília e nunca escondeu que tentou ser juiz e foi reprovado em dois concursos. Ele é o que é. E ponto final.

Grande negócio

Sabe qual o melhor investimento hoje no Brasil? Esqueça Bolsa, dólar ou fundos de investimento. Na Justiça é que a grana rola. Qualquer sentença judicial que envolva pagamento em dinheiro, rende 1% ao mês se a parte condenada recorrer da decisão. Assim, quando uma pessoa ou empresa é sentenciada e recorre, a dívida vai sendo ajustada mensalmente até a sentença em instância derradeira. Se o caso tramitar por mais de dez anos e a decisão final confirmar a sentença inicial, o devedor deverá pagar juro de 1% ao mês por todo o período. Numa simulação feita pelo TJ do Rio, uma dívida de R$ 10 milhões vai pagar R$ 20,6 milhões só de juros. Somam-se a isso a correção monetária e os honorários advocatícios, e a facada final chega a R$ 42,1 milhões.

Esfarrapadas

A cordialidade entre Paulo Guedes e Rodrigo Maia, quando fizeram as pazes publicamente, deve ser vista com muita atenção para se saber quem mesmo se desculpou com o outro. Na entrevista do perdão, Rodrigo disse com os olhos marejados fitando Guedes: “Eu fui grosseiro e pedi desculpas”. Na sua vez, Guedes foi muito menos inflamado: “Caso tenha ofendido alguém inadvertidamente, peço desculpas”. Claro que Paulo Guedes não se desculpou. Na verdade, nem acha que ofendeu Rodrigo Maia ao desautorizar membros da sua equipe a se reunir com o presidente da Câmara.

Huck Bobeou

Tucanos da nova geração de São Paulo acham que Luciano Huck perdeu uma grande chance de testar sua capacidade eleitoral e ganhar corpo para uma disputa presidencial mais adiante. Huck poderia ter se candidatado à prefeitura do Rio, dizem os tucanos, com grande chance de ganhar. Partido não lhe faltaria, e o PSDB chegou a sondá-lo neste sentido. Se ganhasse, estaria se qualificando para 2022, além de obter experiência na administração pública. Se perdesse, aprenderia a jogar, o que lhe daria um pouco mais de segurança para o pleito seguinte.

Lema

Para os que vivem se lamentando pela vitória de Bolsonaro, vale a pena lembrar o lema americano de convivência democrática: “Vote, eleja, aguente, aprenda”. Nos Estados Unidos, a máxima está em vigor desde a eleição de Donald Trump, em 2016. Os americanos votaram, elegeram e depois aguentaram, resta saber se aprenderam. Aqui no Brasil, vai-se saber se houve algum aprendizado desde Bolsonaro já nas eleições municipais.

Agulha no palheiro

Um mil e 800 candidatos de 33 partidos se apresentam para concorrer a um mandato de vereador na Câmara do Rio. Tem todo tipo de gente. Tem doutor, tem cabo, sargento e tenente, tem corretor, bombeiro e pastor. Tem até um que se apresenta como “advogado de Deus”. O eleitor terá de vasculhar para encontrar agulhas neste palheiro. Mas com esforço e determinação, vai encontrar candidato que presta. Não desanime, nobre eleitor.

Serial killer

É incalculável o número de vidas ceifadas pelo negacionismo de Donald Trump em relação ao coronavírus. Mas tem gente calculando quantas pessoas ele matou nos últimos cinco dias, desde que tuitou que as pessoas têm de enfrentar o vírus sem medo e tirou a máscara em cadeia de TV ao voltar para a Casa Branca depois de sua internação.

Reza o contrato

A gigante Pinterest, uma rede social de compartilhamento de fotos, pagou US$ 90 milhões a uma empresa imobiliária para desfazer contrato de leasing de um prédio de 46,5 mil metros quadrados em São Francisco. Com a pandemia, a empresa aprendeu que dá para manter muita gente em casa e seguir suas operações a custos bem mais baixos. O detalhe curioso é que o prédio ainda nem foi construído.

Que susto

Certo dia um senador que atende pelo apelido de Vulcabras foi a São Paulo receber uma propina de um empresário local. Chegou ao escritório da empresa, contou o dinheiro e levantou-se para sair, quando o empresário lhe ofereceu um carro blindado para levá-lo ao aeroporto. No meio do caminho para Cumbica, o veículo parou por falta de gasolina. Em dois minutos uma patrulhinha da PM estacionou ao lado do carrão. O senador, que achou que tinham armado contra ele, se identificou com os policiais e pediu ajuda. Pois não, excelência. Os PMs então empurraram o carro blindado e pesado, que carregava um senador com uma mala cheia de dinheiro, até um posto de gasolina.

Dinos do Planalto

A Christie’s leiloou na terça passada em Londres o esqueleto de um Tiranossauro Rex. Conseguiu oferta final de US$ 31,8 milhões (R$ 177,2 milhões) pelos restos da fera do período cretáceo. Se viesse garimpar em Brasília, a leiloeira levantaria uma fortuna.

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