Artigo: A economia política do deficit

A PEC 16/2022, aprovada no Senado e em revisão na Câmara dos Deputados, prevê transferências de renda para setores da sociedade que, somadas, podem custar mais de R$ 40 bilhões aos cofres públicos
Déficit econômico | Foto: Jittapon.k/Shutterstock
Déficit econômico | Foto: Jittapon.k/Shutterstock

Benito Salomão, Correio Braziliense*

Em função dos efeitos perniciosos da inflação sobre a renda das famílias e da proximidade com o primeiro turno das eleições, o governo encaminhou e o Congresso avalizou mais um pacote fiscal que contém “bondades”. A PEC 16/2022, aprovada no Senado e em revisão na Câmara dos Deputados, prevê transferências de renda para setores da sociedade que, somadas, podem custar mais de R$ 40 bilhões aos cofres públicos. A medida abre uma prerrogativa perigosa de extrapolar regras fiscais e eleitorais motivada pelos objetivos eleitorais do governante de plantão.

A criação de benefício em ano eleitoral afronta a legislação eleitoral que veda tal comportamento. Isso porque expansões fiscais em períodos próximos das eleições causam assimetrias de forças entre situação e oposição em um pleito eleitoral. Buchanan e Wagner, no clássico livro de 1977 Democracy in Déficit: The Legacy Economic of the Lord Keynes, chamam a atenção para esse fenômeno. Os autores sustentam que deficits públicos apresentam seus benefícios (como elevação nos níveis de emprego e renda) a curto prazo, porém seus custos ocorrem mais a longo prazo e, portanto, quando contratados às vésperas de eleições, desequilibram as forças do jogo democrático.

Entre os custos dos deficits fiscais, Dornbush e Edward (1990) listam no clássico ensaio Macroeconomic populism alguns desequilíbrios macroeconômicos como deficits externos; volatilidade na taxa de câmbio; inflação e expansão de juros no curto e longo prazo.

Entretanto os custos não param por aí, deficits fiscais levam à ampliação a posteriori do tamanho dos governos. Retornando à literatura clássica, Adolph Wagner (1890) estilizou uma tendência das democracias contemporâneas de absorverem demandas sociais em seus orçamentos. Portanto, o orçamento do governo tende a crescer acima da renda nacional, o que ficaria consagrado na literatura como Lei de Wagner.

Décadas mais tarde, Peacock e Wiseman (1961) retornam ao tema e após ampla análise da política fiscal no Reino Unido e concluem que o tamanho do governo está relacionado com a dinâmica do gasto público. Em outras palavras, na visão destes autores, é o lado das despesas que causa uma ampliação do tamanho dos governos pelo lado dos impostos. Surge assim a taxonomia Spend-Tax.

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Já em 1978, Milton Friedman retorna ao tema e atesta, em um ensaio que discutia regras fiscais na economia estadunidense, que o governo só poderia gastar recursos tributários disponíveis. E que, na ausência de disponibilidade de recursos tributários que permitissem a ampliação de despesas, por mais meritórias que pudessem parecer, seria preciso “starve the beast”, que, em tradução livre, significa “deixar que a fera morra de fome”. Surge, com isso, a clássica taxonomia Tax-Spend.

A economia brasileira é, segundo a evidência empírica disponível, enquadrada na taxonomia Spend-Tax. Isso está relacionado com o quadro normativo da política fiscal cujo crescimento inercial das despesas públicas, somado às restrições quanto a cortes de despesas, pressiona a longo prazo o crescimento da carga tributária.

Em ensaio recente, aceito para publicação no periódico argentino Estúdios Econômicos, eu e o professor Cleomar Gomes do (PPGE-UFU) buscamos enquadrar a política fiscal brasileira em uma das taxonomias supracitadas. Nossos resultados a partir de estimações de modelos não lineares, sugerem que a economia brasileira é Spend-Tax para a relação entre receitas tributárias; despesas primárias totais e despesas primárias obrigatórias. Porém, pode ser considerada como Tax-Spend no caso da relação entre receitas e despesas discricionárias, dentre as quais, o investimento público.

As conclusões do nosso ensaio mostram que o cenário fiscal brasileiro é bastante pernicioso. Isso porque as despesas obrigatórias pressionam, a longo prazo, as despesas primárias totais e as receitas tributárias. Entretanto, as despesas discricionárias dependem do crescimento de receitas para poderem também crescer. Essas rubricas de despesas são fundamentais para acelerar a trajetória de crescimento da economia brasileira, pois contemplam investimentos públicos e transferências diretas às famílias de baixa renda com elevada propensão a consumir. Utilizando a terminologia técnica, as despesas discricionárias têm elevado efeito multiplicador.

A chamada PEC Kamikaze agrava ainda mais essa situação, rompe as regras fiscais e eleitorais brasileiras, exacerbando incertezas. Também produzirá a médio prazo um aumento da carga tributária e uma limitação do investimento público tão necessário para que o país cresça.

*Texto publicado originalmente publico no Correio Braziliense

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