Andrea Jubé: Quem desdenha sempre quer comprar

Doria perdeu chance de tapa com luva de pelica em Bolsonaro.
Foto: Secom/Governo de São Paulo
Foto: Secom/Governo de São Paulo

Doria perdeu chance de tapa com luva de pelica em Bolsonaro

”É uma vacina emergencial, 50% de eficácia. É algo que ninguém sabe ainda se teremos efeitos colaterais ou não”.

Essa foi a declaração do presidente Jair Bolsonaro ontem a um grupo de apoiadores na saída do Palácio da Alvorada sobre a CoronaVac, vacina do Instituto Butantan em parceria com o laboratório chinês Sinovac.

Nas redes sociais, ele se manifestou com o silêncio sobre a única vacina disponível aos brasileiros num universo de 200 mil famílias enlutadas, e com um atraso de 41 dias, em relação à inauguração da temporada de vacinações com a britânica imunizada no Reino Unido. Hoje pelo menos 50 países estão imunizando seus cidadãos.

O Brasil só começou anteontem e quem saiu na foto foi o governador de São Paulo, João Doria – provável adversário de Bolsonaro em 2022.

Essa declaração de Bolsonaro aos apoiadores, voltando a desacreditar a CoronaVac, é contraditória, senão, estapafúrdia.

Isso porque neste sábado, depois que veio a público o fracasso do governo na importação da Índia de dois milhões de doses da vacina da Universidade de Oxford, em parceria com a AstraZeneca, o Ministério da Saúde tentou confiscar as seis milhões de doses da CoronaVac, para dar largada, com ela, no Plano Nacional de Imunização (PNI) em uma competição burlesca com o governo de São Paulo.

Na mesma conversa com apoiadores, Bolsonaro ainda ressaltou que as vacinas do Butantan, as quais ele pejorativamente chamou de “vacina chinesa”, são “do Brasil, não de um governador”.

Bolsonaro demonstra, dessa forma, que quem desdenha quer comprar.

Se o brasileiro tem memória curta, a das redes sociais é afiada, para revés de Bolsonaro em seu reduto mais cativo. As críticas do presidente à CoronaVac circularam intensamente nas plataformas nos últimos dois dias confrontando sua postura negacionista frente à vitória política de Doria.

Centenas de perfis relembraram a postagem de Bolsonaro há três meses, no dia 21 de outubro, afirmando em tom incisivo: “não compraremos a vacina da China”.

Na véspera, o ministro da Saúde, o general da ativa Eduardo Pazuello, havia informado Doria, em uma reunião com mais 23 governadores, que o governo federal iria comprar 46 milhões de doses da CoronaVac que seriam distribuídas a todo o país por meio do plano nacional.

Cobrado pelos seguidores, Bolsonaro desautorizou Pazuello, e ainda o submeteu à humilhação pública. Na transmissão ao vivo pela sua conta do Facebook, um ministro visivelmente abalado pela doença – o general estava no início do ciclo da Covid-19 – e constrangido pela situação, declarou: “Senhores, é simples assim: um manda e o outro obedece”.

Pazuello chamou o gesto de Doria, ao sair na frente com a vacinação no domingo, de jogada de “marketing”, mas não fez diferente. Adiou de domingo para ontem a entrega aos governadores de seus respectivos lotes da CoronaVac para sair na foto ao lado dos mandatários estaduais. Com as vacinas embrulhadas nas bandeiras de cada Estado, o recado de Pazuello era de que a CoronaVac não pertence a São Paulo.

O ministro ainda queria que os governadores esperassem até amanhã para começar a vacinar a população, mas eles reagiram.

“Isso caiu por terra logo, explicamos que a ansiedade é muito grande, não dava para esperar”, disse à coluna o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM). “Se a vacina está disponível, todo prefeito vai ser pressionado pra vacinar o quanto antes no seu município”.

Na sessão de fotos com Pazuello, os governadores acordaram que todos que estivessem em poder de seus respectivos lotes começariam a vacinar suas populações às 17 horas dessa segunda-feira.

O custo político do negacionismo de Bolsonaro materializou-se pela primeira vez na pesquisa XP/Ipespe divulgada ontem. Segundo o levantamento, a avaliação do classificada como péssima ou ruim subiu de 35% para 40%, segundo parcela da população ouvida pela rodada de janeiro. É a primeira vez, desde julho do ano passado, que a avaliação negativa superou a positiva.

Em paralelo, o percentual dos que veem a gestão Bolsonaro como ótima ou boa caiu de 38% para 32%. Também foi a primeira vez, desde maio, que a sondagem identificou um aumento no percentual dos críticos ao governo, e na redução do número de apoiadores.

O movimento coincide com uma piora na percepção da atuação de Bolsonaro no enfrentamento da pandemia.

Entretanto, se o comportamento negacionista de Bolsonaro está em xeque, o gesto de João Doria para faturar politicamente com a entrega do primeiro imunizante disponível aos brasileiros, ao sair na frente dos outros Estados na campanha de vacinação, foi duramente criticado pelos colegas.

“Ele poderia ter dado um tapa com luva de pelica no Bolsonaro, e convidado os governadores para começar junto com ele”, disse à coluna um governador que pediu para não ser identificado.

Este governador reconheceu, entretanto, que pelo papel relevante de Doria para viabilizar a primeira vacina brasileira, o conjunto dos governadores acabou relevando a postura do tucano.

Coube ao governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), verbalizar a indignação dos colegas. “Ele fez da vacina um instrumento político, existe uma distância entre a campanha eleitoral e a política de saúde pública”.

O goiano ponderou que Doria poderia ter tido a “humildade” de fazer um gesto político e convidar os demais colegas a começar a campanha de vacinação junto com São Paulo. “Isso constrangeu os colegas, ninguém quer ser tratado como segunda categoria”.

Bolsonaro é candidato declarado à reeleição. Doria é pré-candidato. Ambos estão se precipitando em um jogo em que movimentos atabalhoados tiram pontos dos concorrentes antes do começo da partida.

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