Andrea Jubé: Moro pode levar mais “caneladas”

Abuso de autoridade pode voltar à pauta do Congresso.
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Abuso de autoridade pode voltar à pauta do Congresso

Na esteira das recentes decisões do Supremo Tribunal Federal, caciques do Congresso farejaram um vento favorável à retomada da votação dos projetos de lei que regulamentam o abuso de autoridade – uma pauta indigesta à Lava-Jato, e que dormita nos escaninhos das duas Casas há dois anos. Se a movimentação se concretizar, será mais uma “canelada” no ministro da Justiça, Sergio Moro – para usar um termo caro ao presidente Jair Bolsonaro.

Desde que entrou para o jogo político, Moro vem levando cotoveladas e “carrinhos por trás”. Na última semana, os parlamentares retiraram o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) da Justiça para alojá-lo na Economia. Há dois meses, o ministro teve de recuar da nomeação de Ilona Szabó, mestre em estudos de conflito e paz e especialista em segurança, para uma vaga de suplente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.

O possível avanço dessa pauta seria também um chute na canela do ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que relatou o projeto das “10 medidas contra a corrupção”, no qual foi aprovado o destaque estabelecendo o crime de abuso de autoridade. O alvo já era a Lava-Jato e os protagonistas da operação, em particular os procuradores da República que faziam parte da força-tarefa.

Esse clima propício à retomada da discussão sobre o abuso de autoridade, na visão desse grupo de parlamentares, vem da inflexão do Supremo em pautas consideradas éticas. Na última quinta-feira, sete ministros do STF decidiram ratificar o decreto de indulto natalino editado pelo ex-presidente Michel Temer em 2017, e que havia sido suspenso pelo ministro Luís Roberto Barroso. O decreto reduziu para um quinto o tempo de cumprimento das penas de condenados por crimes cometidos sem violência ou grave ameaça, beneficiando inclusive condenados por corrupção.

Em outro julgamento o Supremo decidiu que as assembleias legislativas têm poderes para revogar prisões ou medidas cautelares impostas a deputados estaduais. Por seis votos a cinco, foram mantidos trechos das constituições do Rio de Janeiro, do Rio Grande do Norte e de Mato Grosso que conferiam essa prerrogativa aos parlamentares estaduais.

É a reboque dessas decisões, e do azedume com o Planalto, que ganhou corpo nos últimos dias o movimento de parlamentares influentes para convencer o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ou o do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), a pautarem a medida em uma das Casas.

A Câmara pode votar o projeto que os senadores aprovaram em abril de 2017, autorizando a punição dos agentes públicos que praticarem abusos, desde servidores de prefeituras, concursados ou terceirizados, a integrantes do Ministério Público, juízes, deputados e senadores. Relatado pelo então senador Roberto Requião, o texto exige a comprovação da intenção da autoridade de prejudicar ou beneficiar a si próprio, por capricho ou satisfação pessoal, para que fique caracterizado o crime de abuso.

Na ocasião, Sergio Moro – ainda como juiz titular da 13ª Vara Federal de Curitiba – divulgou nota afirmando que receios mais graves foram afastados, mas ele advertiu que o texto ainda merecia “críticas pontuais”. O juiz e seus aliados haviam articulado para evitar a votação da proposta – foi a primeira derrota do magistrado no Legislativo.

No Senado, aguarda análise o projeto que foi relatado pelo então deputado Onyx Lorenzoni. Ele foi derrotado pela aprovação acachapante do destaque do então líder do PDT, deputado Weverton Rocha (MA) – respaldado por 313 votos, quando bastava a maioria simples – que estabeleceu que magistrados e integrantes do Ministério Público responderiam por crime de abuso de autoridade quando praticassem conduta incompatível com o cargo.

Enigmas presidenciais
Bolsonaro flertou com a tragédia grega nos últimos dias quando desafiou o país a decifrar enigmas. A charada mais hermética foi o cataclismo vaticinado para estes dias. “Talvez tenhamos um tsunami na semana que vem, mas a gente vence o obstáculo com toda a certeza”.

O presidente completou a frase voltando a falar em “erros”. “Somos humanos, todos erram. Alguns erros são perdoáveis, outros não”. Há 15 dias, ele teve de se retificar pela tentativa de ingerência na queda dos juros. “Tenho que ser sublime, senão dá tudo errado”, afirmou.

O tsunami seria uma alusão ao filho Flávio Bolsonaro (PSL-RJ). Ontem foi revelado pelo jornal “O Globo” que o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro autorizou no mês passado a quebra do sigilo bancário de Flávio e do ex-policial Fabrício Queiroz, de seus familiares e de 88 funcionários do gabinete – uma ampla devassa fiscal. Em nota divulgada à imprensa Flávio nega qualquer erro: “Nada fiz de errado”.

Em outra declaração misteriosa, o presidente conciliou répteis e anfíbios. “O pessoal fala muito em engolir sapo. Eu engulo sapo pela fosseta lacrimal [sic] e estou quieto aqui, ok?” A fosseta loreal é um órgão sensorial das serpentes.

O presidente poderia falar somente em “engolir sapos”, ou seja, lidar com aborrecimentos e contrariedades inerentes ao exercício do cargo. Mas cogitar a ingestão de um batráquio por um orifício minúsculo evidencia a dimensão das aflições que o perseguem, e que vão além dos despachos presidenciais.

Como um personagem do teatro grego, Bolsonaro vê-se acuado por conflitos entre amigos, familiares e o exercício do poder. Sofre pressão do guru Olavo de Carvalho, dos filhos – principalmente de Carlos Bolsonaro, com quem estaria sem falar há semanas – e dos militares. A cúpula militar exige uma resposta mais firme de Bolsonaro contra os ataques aos generais, mas ele tergiversa.

Em “Édipo Rei”, de Sófocles, a esfinge desafiava os homens de Tebas a decifrar seus enigmas para não devorá-los. Quando Édipo desvendou a adivinhação, a esfinge jogou-se em um abismo. O presidente precisa manter o suspense enquanto não encontra uma solução para os conflitos que atravancam o governo.

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