Andrea Jubé: “Eu usaria ‘fake news’ como uma arma”

Senado vota no dia 2 projeto que tenta frear “fake news”.
Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado
Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

Senado vota no dia 2 projeto que tenta frear “fake news”

“Fake news” e armas de fogo estão na ordem do dia, no contexto da pandemia e da reunião ministerial de 22 de abril, na qual o presidente Jair Bolsonaro exclamou que deseja armar a população. “Por isso que eu quero que o povo se arme!”

Parecem temas estranhos entre si, mas são como duas paralelas, que se encontram no infinito, porque o potencial letal das “fake news” equipara-se ao das armas de fogo.

A metáfora é do lobista americano Jack Burkman: “Eu usaria ‘fake news’ como uma arma. Os alemães e os britânicos usam armas químicas, e você vai fazer o quê? Não quer dizer que goste, mas tem que fazer”, explicou o apoiador de Donald Trump, no documentário “Depois da verdade: desinformação e o custo das ‘fake news’”, que estreou recentemente na plataforma de streaming HBO.

“Usei ‘fake news’ (…) existem consequências terríveis potencialmente, mas e daí? É o que eu digo: e daí?”, questionou Burkman, evidenciando o grau de impunidade em torno do tema. (Vê-se que o famigerado “E daí?” não é monopólio da política nacional).

A fala de Burkman abre o filme do diretor Andrew Rossi, vencedor do Emmy, que revela a letalidade da disseminação de conteúdo falso. O caso mais emblemático retratado no filme se deu durante a campanha de Trump em 2016: o Pizzagate, que envolveu um point badalado em Washington, frequentado por políticos, jornalistas, e famílias descoladas.

A falsa notícia de que a pizzaria Comet Ping Pong era a sede de um esquema orquestrado pela adversária de Trump, a democrata Hillary Clinton, espalhou-se pelas redes e ganhou contornos cada vez mais absurdos. No local, existiria um porão onde crianças seriam estupradas e mantidas como reféns. Pelo delivery, mediante um código, as pessoas receberiam crianças no lugar de pizzas em seus apartamentos.

Perto da eleição, Hillary encostou em Trump, abalando os nervos dos republicanos. Um deles – Edgar Maddison Welch, 28 anos, pai de duas filhas – resolveu dirigir 550 quilômetros, da Carolina do Norte até Washington, na companhia de um fuzil AR-15, determinado a resgatar os “reféns” do Comet Ping Pong.

Armado com o fuzil, um revólver e uma faca, Welch entrou sem atirar na pizzaria, porque a prioridade era localizar o esconderijo e libertar as vítimas. Enquanto ele se ocupava com a busca frenética, os funcionários puderam ajudar os clientes a fugir até a chegada das viaturas, em tempo hábil de impedir a tragédia.

O episódio ilustra como a desinformação e as teorias da conspiração impactam a política, com reflexos na vida do cidadão comum. Na eleição americana, verificou-se que o conteúdo falso teve mais engajamento do que o verdadeiro. A falsa notícia do apoio do Papa Francisco a Trump teve 961 mil engajamentos.

A invenção de que Hillary operaria um esquema de abuso infantil remonta à acusação de que o então candidato do PT à Presidência Fernando Haddad iria distribuir mamadeiras com o formato de pênis em creches e escolas da rede pública. A ficção teve intensa repercussão no eleitorado evangélico, prejudicando o petista nesse segmento.

A preocupação com a expansão das “fake news” e os seus reflexos no pleito municipal deste ano fez o Congresso apressar o passo para votar uma norma regulamentando o tema. A meta é evitar a reincidência de danos causados em 2018, ou ao menos atenuá-los. Co-autor do projeto, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) diz que há críticas à velocidade de análise da matéria, pautada para o dia 2 de junho no plenário virtual do Senado, mas que neste caso, é preciso agilidade.

“Estamos no meio de uma pandemia e a desinformação pode matar pessoas. Também teremos daqui a pouco um novo ciclo eleitoral, e não podemos chegar lá com as redes de desinformação e ‘fake news’ em ação”, justificou.

O projeto é de autoria do gabinete compartilhado que Vieira mantém com os deputados Tábata Amaral (PDT-SP) e Felipe Rigoni (PSB-ES) e introduz regras que se adequam ao Marco Civil da Internet, mas colocam freios à disseminação das notícias falsas.

Um dos dispositivos limita o número de encaminhamentos de mensagens nos aplicativos de conversas no período eleitoral. Durante a propaganda eleitoral ou nas situações de emergência ou calamidade pública (como a pandemia da covid-19), o número de encaminhamentos de uma mesma mensagem fica limitado a no máximo um usuário ou grupo.

O projeto está sendo debatido com a sociedade civil, e a partir das críticas de que alguns dispositivos configurariam censura, haverá alterações. A ideia é prever que o autor da publicação considerada falsa seja notificado previamente antes que o provedor a remova.

Em março, Facebook, Twitter e Instagram removeram postagens de Bolsonaro com críticas ao isolamento social – principal política mundial de enfrentamento ao coronavírus. Em um dos vídeos removidos, o presidente dizia que o país ficará imunizado quando 70% forem infectados, e que um remédio contra o coronavírus já seria uma realidade, sem apresentar comprovação dos dados.

O senador diz que haverá comoção em torno da definição de “fake news”: o que será a opinião do autor da postagem, ou a replicação de conteúdo falso. No caso da cloroquina, ele observa que não pode ser considerada “fake news”, porque alguns profissionais de saúde recomendam a sua utilização no tratamento da covid-19. Mas divulgá-la como remédio eficaz seria propagar conteúdo falso.

No mundo político, vigora a percepção de que Bolsonaro foi eleito na esteira de um movimento político que tem a desinformação no centro de sua estratégia. A denúncia chegou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que pautará os pedidos do PT de cassação da chapa Bolsonaro-Mourão nas próximas semanas, conforme informou o Valor. A propagação criminosa e sistemática de “fake news” é investigada, em paralelo, pelo Supremo Tribunal Federal e pela CPI Mista do Congresso.


Na reunião de 22 de abril, Bolsonaro avisou: “Eu tô fora de eleições municipais”. Foi a resposta ao ministro Paulo Guedes, que afirmou que é preciso reeleger o presidente. “Mas o presidente tem que pensar daqui a três anos. Não é daqui a um ano não”, alertou.

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