Andrea Jubé: CPMI mira epidemia de ‘fake news’

Comissão tentará votar quebras de sigilo remotamente.
Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil
Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Comissão tentará votar quebras de sigilo remotamente

A afirmação do presidente Jair Bolsonaro no domingo de que “está começando a ir embora a questão do vírus” não tem base científica e esbarra na realidade e nos números. Naquele mesmo dia, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que tem feito o contraponto técnico ao chefe do Executivo, advertiu que “maio e junho serão os meses mais duros”.

Mandetta baseia-se nos números, que são implacáveis e desafiam Bolsonaro porque os novos casos e as novas mortes não arrefecem. O balanço divulgado ontem pelo Ministério da Saúde apontou 23.430 casos confirmados e 1.328 mortes. A taxa de letalidade da covid-19 subiu de 5,5% para 5,7%. Em 24 horas, foram 105 novas mortes de brasileiros, um acréscimo de quase 10%.

O presidente da CPMI que investiga a máquina de disseminação de notícias falsas, senador Ângelo Coronel (PSD-BA), disse à coluna que Bolsonaro cometeu uma “fake news”. “Não é o que estamos vendo e ouvindo [que o vírus está indo embora], o que tem sido noticiado pela mídia, pelos governadores, prefeitos e pelo Ministério da Saúde. Ou será que governadores, prefeitos e o próprio ministério estão errados e só ele está certo?”

O presidente já incorreu em notícia enganosa. No começo do mês, Bolsonaro foi a público pedir desculpas pela divulgação de conteúdo falso em suas redes sobre desabastecimento de alimentos em Minas Gerais por causa do vírus. “Não houve checagem”, lamentou.
O agravante em meio ao enfrentamento da pandemia é que as notícias falsas crescem encadeadas com o aumento dos infectados. “As ‘fake news’ subiram mais do que o número de casos”, alertou Mandetta há uma semana.

Na semana passada, o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), teve de desmentir nas redes sociais a notícia de que teria requisitado presidiários para monitorar a população nas ruas, em caso de violação do isolamento social. Na verdade, os detentos foram recrutados pelo governo para pintar faixas demarcando o distanciamento seguro dos usuários do transporte público nos pontos de ônibus.

No plano científico, uma notícia intensamente compartilhada ontem nas redes sociais afirmava que a Food and Drug Administration (FDA), agência americana reguladora de medicamentos, teria aprovado o uso da hidroxicloroquina no tratamento dos infectados pela covid-19 nos Estados Unidos. Na verdade, segundo a agência de checagem Aos Fatos, o órgão americano permitiu a utilização do medicamento em alguns casos de pacientes hospitalizados. O fato é especialmente preocupante porque Bolsonaro tornou-se um garoto-propaganda da substância no Brasil, apresentando-a como panaceia da crise.

As consequências do incremento das “fake news” sobre o coronavírus para a saúde dos brasileiros serão a expansão do número de infectados, associada ao risco de colapso da rede hospitalar pública e privada. No ano passado, o Ministério da Saúde verificou o impacto desse conteúdo falso sobre as campanhas de vacinação contra o sarampo e a poliomielite, doenças que haviam sido extintas no país.

É nesse cenário que a CPMI das Fake News abrirá uma linha de investigação para apurar a origem e o financiamento dos canais de propagação desse conteúdo. Pelo calendário original – e pela vontade do Planalto – a comissão encerraria hoje os trabalhos. Com a prorrogação, ela funcionará até outubro, fazendo as investigações coincidirem com as eleições municipais. Mas as reuniões estão suspensas há mais de um mês por causa da crise.

No dia 2, a artilharia do Planalto foi acionada para tentar garantir o arquivamento da CPMI, que tem como um dos alvos o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ). O ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, e os senadores Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e Eduardo Gomes (MDB-TO) dispararam telefonemas aos aliados e conseguiram retirar dez assinaturas favoráveis à continuidade da investigação. Mas Ângelo Coronel reagiu e obteve mais sete apoiamentos.

Para tentar dar fluxo aos trabalhos, o presidente do colegiado, Ângelo Coronel, aguarda resposta do presidente do Congresso, Davi Alcolumbre (DEM-AP), sobre a viabilidade do uso do sistema remoto para que a comissão possa votar requerimentos de quebras de sigilo fiscal e telefônico de pessoas e empresas investigadas. Isso daria celeridade ao trabalho dos técnicos enquanto os parlamentares não voltam a se reunir. Outro apelo é para que o prazo de funcionamento da comissão não seja contabilizado até a retomada presencial dos trabalhos.

O presidente da CPMI acredita que será possível avançar na investigação dos responsáveis pela propagação das “fake news” sobre o coronavírus da mesma forma que a comissão evoluiu na apuração do conteúdo falso sobre vacinas, que prejudicou as campanhas do Ministério da Saúde de imunização contra o sarampo e a poliomielite.

As informações são sigilosas, mas a CPMI já está de posse dos e-mails de criação e IPs relativos a dois canais do YouTube apontados como disseminadores de conteúdo falso sobre vacinas. A CPMI tem poder apenas investigativo, mas os dados serão enviados ao Ministério Público por meio do relatório final para que promova as respectivas ações penais para as punições cabíveis.

O senador tem sido perseguido na vida real e nas redes sociais. Uma pessoa residente em Belo Horizonte tornou-se réu em um processo depois de ter ameaçado de morte o senador por um e-mail anônimo. Uma fazenda do senador na Bahia foi invadida e depredada.

No plano virtual, o senador revela que um levantamento identificou a ação de robôs em ações coordenadas contra ele. “Tem textos que são iguais; é como se fosse um texto pronto e preparado para disseminação, é uma característica dos robôs, agindo quando querem depreciar um alvo”. Ele almeja, com a CPMI, exterminar os robôs e seus financiadores. “Quem paga por essas despesas [os robôs] merece ser punido exemplarmente”.

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