Ana Carla Abrão: Realidade que se impõe, liderança que se coloca

Apesar dos mais de 11 milhões de servidores, o setor público brasileiro não é dos que mais empregam no mundo como proporção da população.
Foto: Reprodução
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Apesar dos mais de 11 milhões de servidores, o setor público brasileiro não é dos que mais empregam no mundo como proporção da população

Evidências ainda mais contundentes em favor de uma urgente reforma na gestão de pessoas no setor público vieram à tona na última semana. No Estado, matéria de José Fucs trouxe dados compilados pelo Ministério da Economia que mostram a evolução das despesas de pessoal no serviço público federal nos últimos anos. Os números são mais uma prova de quanto a máquina pública no Brasil se descolou da realidade nacional e veio ocupando, com voracidade, espaço crescente nos orçamentos públicos.

Apesar dos mais de 11 milhões de servidores, o setor público brasileiro não é dos que mais empregam no mundo como proporção da população. Mas ele está no topo do ranking dos que mais gastam com salários e benefícios de servidores. A despesa de pessoal supera os 10% do PIB nos cálculos do Banco Mundial (13,1% pelos cálculos da OCDE), número muito superior ao que gasta o setor público de outros países que empregam parcelas maiores da população como, por exemplo, o Reino Unido. Parte dessa evolução é explicada pela trajetória do salário médio no serviço público brasileiro, cujo crescimento nas últimas duas décadas traça uma trajetória muito distinta daquela observada no setor privado. Com isso, o setor público no Brasil não só se tornou uma proteção garantida contra o desemprego, fruto da estabilidade prevista na Constituição Federal, como também vem garantindo ganhos reais de salários desvinculados da realidade econômica e de eventuais aumentos de produtividade.

Essas distorções se refletem num contexto de gastos excessivos, baixíssimos resultados e numa crescente deterioração da máquina pública. Como consequência, e apesar da quantidade de recursos gastos, ocupamos posições vergonhosas nos rankings globais de avaliação da qualidade dos serviços públicos, ou de eficiência dos gastos, conforme publicações da OCDE.

Aos números antecipados pela matéria do Estado, juntaram-se outros igualmente importantes divulgados pelo Banco Mundial no relatório Gestão de Pessoas e Folha de Pagamento no Setor Público Brasileiro. As comparações internacionais ressaltam as distorções do nosso modelo de gestão de pessoas no setor público. Em uma comparação com 53 países, o prêmio salarial do setor público federal em relação ao setor privado desponta e atinge 96%. Com salários crescendo a uma taxa média de 2,9% real nos últimos dez anos, os gastos com salários e benefícios já somam 22% dos gastos primários do governo federal. Destaque para os gastos com pessoal do Judiciário, que atingiram 13,8% do total de gastos de pessoal de 2018, equivalente a 0,61% do PIB.

Mas continua sendo nos Estados que o tema das despesas de pessoal é mais crítico e urgente. Das 27 unidades federativas, nada menos do que 20 apresentaram atraso no pagamento de servidores efetivos ou terceirizados. Prova inquestionável do descumprimento dos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), está cada vez mais claro que não há mais espaço para contabilidades criativas ou argumentos que colocam na dívida com a União a causa do atual colapso financeiro dos entes subnacionais. A situação é reflexo de aumentos salariais médios reais superiores a 4% ao ano entre 2003 e 2017. Os dados até 2014 são ainda mais impressionantes. O crescimento anual real atinge 5,4% o que, com o crescimento de quase 1% ao ano no número de servidores, elevaram as despesas de pessoal no Estados em 6,4% ao ano em termos reais nesse período.

A trajetória de crescimento – tanto de salários quanto de contingente de servidores – está assentada em leis de carreiras que se multiplicaram Brasil afora. São milhares de leis, espalhadas nos três níveis da federação, e que precisam ser racionalizadas, revistas e consolidadas. Sem uma profunda reforma dessas leis – e portanto do modelo atual de serviço público, Estados continuarão quebrando e o Brasil não conseguirá atender às demandas urgentes da população, que dirá avançar na direção de um país mais moderno, desenvolvido economicamente e justo do ponto de vista social.

É nessa agenda que, mais uma vez, o governador Eduardo Leite do Rio Grande do Sul sai na frente. Em um vídeo divulgado na internet no início da semana passada, antes mesmo que os novos números nos chocassem, o jovem governador se dirige aos servidores do seu Estado convidando-os ao debate e convocando-os para construírem juntos a reforma das suas carreiras.

Com transparência, coragem e liderança, Leite enfrenta a realidade que se impôs e dá o pontapé inicial de uma reforma que, se feita de forma profunda e estrutural, deverá devolver o Estado aos gaúchos, a necessária motivação aos servidores e, ao governo, as condições de administrar e atender à população.

*Economista e sócia da Consultoria Oliver Wyman

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