Alex Ribeiro: Derrota de Trump não afeta bolsonarismo

Mercado se anima com falso declínio do populismo de direita.
Foto: Marcos Corrêa/PR
Foto: Marcos Corrêa/PR

Mercado se anima com falso declínio do populismo de direita

As eleições americanas animaram o mercado financeiro na semana passada, com alta da Bolsa e queda dos juros e do dólar. Boa parte dos ganhos se deve à esperança de um comando dividido nos Estados Unidos, com Biden na presidência e o Senado sob controle republicano, que limita extravagâncias da esquerda democrata. Mas analistas citam uma força adicional: a derrota de Trump seria um revés para a onda global populista de direita, incluindo o bolsonarismo.

Embora tenha apoiado a eleição de Bolsonaro em 2018, o mercado financeiro, em geral, não gosta de populismo. A retórica ideológica do governo em áreas como meio ambiente, relações exteriores e saúde causa preocupação dentro da própria equipe econômica. Também gera inquietação a aproximação do presidente com o populismo fiscal. Por isso, o enfraquecimento do populismo de direita seria positivo para a economia e para os mercados financeiros.

O cientista político Christopher Garman, managing director para as Américas da Eurasia Group, discorda da tese de que a derrota de Trump representa um enfraquecimento do populismo de direita. Ele pondera que Trump superou as expectativas. As forças que, em primeira instância, levaram à ascensão do populismo de direita seguem presentes. E são independentes nos Estados Unidos e Brasil, por isso Bolsonaro não será afetado.

“O Trump se saiu bem, superou as pesquisas, demonstrou ser mais resiliente do que as pessoas estavam antecipando”, diz Garman, que cita a melhora de sua performance no votos dos latinos e dos afroamericanos nas cidades. A eleição foi decidida por alguns pontos percentuais em favor de Joe Biden em estados competitivos, em que se alternam vitórias democratas e republicanas. “Se não fosse pela forma desastrosa que lidou com a Covid 19, Trump teria sido reeleito.”

Uma pesquisa feita pelo Ipsos Public Affairs, uma empresa de opinião publica, mostra que às vésperas do pleito 28% dos eleitores consideravam o combate à pandemia como o principal tarefa do próximo presidente. Biden estava 14 pontos percentuais à frente de Trump quando se pergunta quem está mais preparado para lidar com a pandemia

O fato de Trump ter sido um candidato competitivo a despeito da sua incapacidade no tema prioritário para o eleitorado mostra como é forte a sua base de apoio. Garman diz que as forças que levaram à ascensão do populismo nos EUA seguem presentes.

“É o desencanto profundo de boa parte da população com o chamado sistema, com a mídia, com o judiciário, com a política tradicional”, afirma. “Os fatores que levaram a isso são o aumento de desigualdade de renda, cada vez maior, o distanciamento entre o desempenho econômico dos centros metropolitanos com a velha economia industrial e os centros mais dinâmicos, com a nova economia.”

A perspectiva não é muito animadora. A pandemia da Covid-19 deverá exacerbar essas desigualdades. A recuperação econômica se desenha no formato em “K”, com a volta mais forte da nova economia e o desempenho mais fraco do setor de serviços.

As enquetes de opinião pública mostram que os americanos estão muito divididos. Uma pesquisa da Ipsos revela que cerca de um quarto dos americanos (26%) apoiaria a continuidade de Trump no cargo no caso de ele perder a eleição e declarar que o resultado não é legítimo.

“Vejo mais polarização, não moderação. O partido Democrata está migrando para uma base mais liberal, progressista e, no partido Republicano, temos o recrudescimento da base trumpista e um presidente que permanece como uma sobra.”

Não deixa de ser paradoxal o fato de que Biden é a moderação em pessoa – um presidente multilateralista, inclinado ao diálogo e à convergência. Mas seria um erro tomar sua vitória como um sinal de crescimento dos moderados, assim como muitos acharam que Emmanuel Macron, na França, seria um sinal nessa direção. Macron foi um candidado de fora do sistema político convencional.

O Brasil é uma história completamente independente do que acontece nos Estados Unidos. A eleição de Bolsonaro está ligado a fatores locais que levaram a uma profunda descrença nas instituições e na política tradicional. A tese de Garman é que esse terreno fértil ao populismo surgiu com a ascensão da nova classe média, que ficou frustrada com a péssima qualidade de serviços públicos, como saúde, educação e segurança.

“É claro que o presidente Bolsonaro pode imitar, tomar lições do trumpismo, e teve muito disso”, afirma Garman. “Mas o fenômeno bolsonarista foi um desencanto profundo por razões domésticas, e não será o Trump fora do poder que vai mudar isso.” Ele propõe um contrafactual: se Hillary Clinton tivesse derrotado Trump em 2016, o presidente Bolsonaro não teria sido eleito?

Não se deve esperar uma moderação, no Brasil, do discurso ideológico do presidente. Bolsonaro migrou para o centro recentemente, mas foi apenas um recuo tático, diz Garman. “Ele não vai demitir o ministro Ernesto Araújo (Relações Exteriores) nem o ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente) só porque o Biden foi eleito. Acho muito improvável que vá se acovardar para uma liderança mais de esquerda nos Estados Unidos e desagradar a base ideológica.”

O futuro eleitoral de Bolsonaro, diz Garman, dependerá do custo político que terá que pagar com o fim ou redução do auxílio emergencial e de como vai manejar o abismo fiscal no ano que vem, quando os estímulos fiscais que mantém a economia viva terão que ser retirados para retomar o ajuste das contas públicas. “O presidente Bolsonaro deve encontrar um quadro eleitoral bastante competitivo”, afirma. “Qual é a perspectiva de melhora dos serviços públicos em dois anos, com uma crise fiscal em Estados e municípios? O presidente Bolsonaro vai ter que lidar com a falta de melhora desses serviços público e a economia recuperando. O futuro político dele depende disso, não do que aconteceu com Trump.”

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