Alessandro Vieira: Depois que o auxílio emergencial acabar

Pandemia exige soluções estruturais.
Foto: Agência Senado
Foto: Agência Senado

Pandemia exige soluções estruturais

A pandemia de Covid-19 jogou luz e agravou antigos, mas persistentes, problemas brasileiros: a pobreza e a desigualdade. Tardiamente, boa parte do país — incluindo aí autoridades da República — descobriu que há milhões de cidadãos invisíveis às estatísticas oficiais, como mostraram os inconsistentes cadastros sociais para o pagamento do auxílio emergencial. Esses esquecidos são, agora, as maiores vítimas da doença e os mais vulneráveis a suas dramáticas consequências, como o desemprego e a crise econômica.

O drama tem cor e endereço. A imensa maioria das 14 milhões de pessoas que estão hoje na linha da extrema pobreza é preta ou parda, e quase metade delas vive no Nordeste, onde mais de 80% dos mortos pela Covid-19 correspondem ao mesmo perfil.

O desastre econômico provocado pela pandemia já deixou mais de 12 milhões de pessoas desempregadas no país, segundo dados de junho. Há 17,8 milhões que sequer procuram trabalho. Os sinais de reação da economia são extremamente tímidos e não podem servir para criar falsas esperanças de uma retomada surpreendente. A recuperação será, sim, muito longa. O auxílio emergencial — uma ideia do Congresso acolhida pelo Executivo — aliviou a situação em 38,7% dos domicílios brasileiros, com valor médio de R$ 847. Não apenas desempregados fizeram filas para receber o pagamento, mas também diaristas, feirantes, motoristas de aplicativo, entregadores de encomendas. Trabalhadores informais de baixa renda, ou até mesmo com carteira assinada, mas cujo salário é insuficiente para uma vida digna para si ou seus familiares.

Mas o auxílio é emergencial e tem prazo: termina em setembro. Abre-se um cenário desafiador, que exige soluções não mais emergenciais, mas estruturais. Os programas sociais do país formam hoje uma colcha de retalhos insuficiente para suprir as necessidades dos mais pobres, que vivem majoritariamente da economia informal e têm renda de alta volatilidade. O principal deles, o Bolsa Família, atende a cerca de 40 milhões de brasileiros. Entretanto, seus benefícios não foram reajustados e sequer existe previsão de indexação à inflação. Apesar de todos os méritos e bons resultados comprovados, após mais de 15 anos de sua criação, está defasado.

O socorro aos mais vulneráveis na pandemia mostrou, de forma inequívoca, que as necessidades do país ultrapassam, em muito, a capacidade do Bolsa Família. Por isso, temos uma decisão a tomar: aceitar ver mais de 60 milhões de brasileiras e brasileiros amargarem a pobreza nos próximos meses e anos, que serão duríssimos, ou trabalhar com rapidez para oferecer uma resposta do Estado a esses cidadãos.

A primeira tarefa é evitar o falso dilema entre responsabilidade fiscal e o gasto na criação de um programa de renda básica que promova dignidade para milhões de mulheres, homens e crianças. Precisamos enfrentar a questão, colocar de lado possíveis diferenças e formar um movimento efetivo e urgente que garanta aos brasileiros condições reais de cidadania.

Com esse espírito, e diante dessa imensa tarefa, lançamos no último dia 21 de julho a Frente Parlamentar Mista em Defesa da Renda Básica. Somos parlamentares de todos os estados e de 23 dos 24 partidos presentes no Congresso Nacional. Contamos com o apoio de especialistas e representantes da sociedade civil. Pautada num diálogo amplo e acima de interesses partidários ou vertentes ideológicas, a Frente tem a missão de avaliar o melhor desenho para um programa de rendabásica e debater todas as alternativas responsáveis para seu financiamento.

Sabemos que será um grande desafio, sobretudo para garantir sua sustentabilidade ao longo dos anos. Trata-se, no entanto, de uma tarefa inescapável de nossa geração: nenhum brasileiro pode viver abaixo da linha da dignidade. A coragem e a sensibilidade social precisam guiar nossas ações. A tão desejada renovação política precisa, também, se traduzir em novas soluções para esses problemas tão antigos. A desigualdade social é um flagelo que marca a História do Brasil. Mudar esse enredo é decisão nossa.

*Alessandro Vieira é senador (Cidadania-SE)

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