Alberto Aggio: A Rússia de hoje

É claro que o título desse escrito ultrapassa tanto a intenção quanto o resultado expresso na publicação. O que se segue são apenas impressões de uma rápida viagem um país que foi palco de uma revolução significativa na história e que completa 100 anos. Dizer que falo de um país também é força de expressão. Na verdade estive na Rússia por duas semanas, para um Congresso em São Patersburgo e depois visitei Moscou.
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É claro que o título desse escrito ultrapassa tanto a intenção quanto o resultado expresso na publicação. O que se segue são apenas impressões de uma rápida viagem a um país que foi palco de uma revolução significativa na história e que completa 100 anos. Dizer que falo de um país também é força de expressão. Na verdade estive na Rússia por duas semanas, para um Congresso em São Petersburgo e depois visitei Moscou.

Não conhecia a Rússia. Estar lá é efetivamente como estar do outro lado do mundo ou, pelo menos, às portas dele. O Congresso de que participei (Foro Internacional Rússia e Iberoamérica) é um velho conhecido na área acadêmica. Não por já cumprir inúmeras sessões – ele está apenas na terceira – mas por ser como os outros desse tipo: um Congresso imenso, com muitos financiadores e participantes. De um ponto de vista acadêmico (de pesquisa) não serve para muita coisa, apenas para os participantes marcarem presença e levarem seus certificados para as avaliações quantitativas da Capes (no caso brasileiro) e similares.

O Congresso tinha varias conferências, simpósios e painéis simultâneos. Mas havia coisas mais bizarras: dentre os conferencistas estava a inefável ex-presidente Dilma Rousseff. Por informações in/off, ficamos sabendo que talvez os russos pensem ainda que lhe resta algum poder e influência no Brasil ou imaginam que ela possa voltar ao governo, caso Lula vença a próxima eleição presidencial. Não é o caso aqui de falarmos da conferência de Dilma porque todos têm, na memória, o seu desempenho nessa área.

Assisti ao simpósio sobre a Revolução de 1917 e o Brasil, do qual participaram alguns brasileiros (a plateia contava com aproximadamente 20 pessoas). Fiz uma exposição no simpósio sobre “Globalização e América Latina”, com um público de não mais de 10 pessoas no último dia do Congresso. Russos, brasileiros e latino-americanos acharam que era uma exposição muito provocadora, mas foram generosos nos comentários e perguntas (estive conversando com o pessoal jovem da Universidade de Moscou e eles têm uma perspectiva de fazer seminários sobre Brasil porque sabem muito pouco. Pensam que a busca de “um lugar no mundo”, que foi o tema da minha exposição sobre o Brasil e a América Latina, também pode ser útil a eles). Em termos gerais, se fizermos uma avaliação bem impressionista das conferências, simpósios e painéis, o esquerdismo prevalece. A Rússia de Vladimir Putin apoia Nicolas Maduro e os oradores, de forma implícita ou explícita, foram nessa linha. Como já mencionamos, suspeita-se que Dilma tenha sido uma imposição do Ministério de Relações Internacionais da Rússia, onde se pensa o embate com os EUA, mesmo que velado ou fragmentado, e a estratégia dos BRICs. O que fica claro é que o governo da Rússia não acionou o apoio incondicional ao atual governo brasileiro. Não foram apenas pesquisadores brasileiros que falaram do “golpe” de 2016, mas também estrangeiros.

Mas as impressões foram mais amplas, ainda que nem sempre conclusivas. A Rússia não é uma realidade político-cultural fácil de ser compreendida. A título de informação, na Rússia existem muitos partidos mas nem todos têm assento no Parlamento. Quatro são os principais: o partido de Putin é o maior (Rússia Unida, em tradução livre), depois vêm os Comunistas (que estão seriamente divididos: os velhos são brejenevianos e os jovens são mais estalinistas) e, em seguida, os liberal-democráticos; há partidos que tem representação e que de uma posição de extrema esquerda derivaram para o ultraliberalismo (realmente difícil de explicar).

Em termos de lideranças, do passado recente ou remoto, Gorbachov é uma referência declinante e é visto com pouca simpatia. Qualificam-no como liberal e anticomunista sans phrase. Stalin foi expulso das ruas e das praças, não existe mais. Ao contrário de Lenin, que ainda é visto como um grande russo, um teórico da grande Rússia.

São Petersburgo, a antiga capital, me pareceu muito mais acanhada que Moscou, que é hoje uma metrópole mundial. Em São Petersburgo, o destaque, sem dúvida, é o Hermitage, famoso Palácio de Inverno tomado pelos Bolcheviques em outubro de 1917. Com Kerensky se manteve como Palácio do Poder, com os Bolcheviques foi sendo abandonado dessa função para depois virar o grande museu. Mas com os Bolcheviques o poder se transfere a Moscou. É em Moscou que todo o poder soviético se estrutura e Stalin constrói os símbolos da sua era. Isso está presente até hoje, embora os grandes edifícios administrativos, iniciados por Stalin e concluídos na década de 1950, mesmo depois da sua morte, tenham mudado de função, mas permanecem marcando a paisagem urbana da grande metrópole.

Em Moscou, não fui ver a múmia (Lenin), não. Sou demasiado iconoclasta para isso, além do que a fila é enorme e nos convida para outras atrações do entorno do Kremlin. Assim, vou continuar minha sina de “herege”. Pode-se observar que hoje ainda há um cuidado excessivo, inclusive com obras ao lado da Praça Vermelha, para evitar a aproximação de muita gente. Um hotel foi demolido para virar um parque, um descampado ao lado do rio, evitando a presença de pessoas num edifício tão perto do Kremlin.

Moscou é uma cidade muito vibrante e dá realmente a impressão de muito dinheiro circulando. Há carros muito exclusivos, com motoristas exclusivos, por toda a parte do centro ampliado. Mas há uma mistura entre tradição e hipermodernidade; talvez a Alameda onde está o Café Pushkin, lugar muito exclusivo também, seja um dos exemplos.

Enfim, depois da derrota do comunismo histórico, a Rússia é hoje um país de ultramilionários e Moscou é a expressão disso. Mas continua a ser um país de transição entre a Europa e o Oriente, o Pacífico, a nova Meca do comércio mundial. Há povos inteiros se movimentando nessa transição. A Rússia arrasta sua tradição ao buscar – também ela – “um lugar no mundo”, ou melhor, nesse novo mundo.

No essencial da política que importa a nós o que fica claro, mais uma vez, é que o PT também bloqueou a Rússia. Dilma estava lá com seu séquito de seguidores, houve aplausos a Maduro e elogios, em alguns discursos, a Marco Aurélio Garcia. Como em outros lugares, o diagnóstico é o mesmo e teríamos que alimentar mais novas relações para romper o bloqueio petista.

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