Afropunk Bahia faz primeira grande edição louvando a cultura negra do Brasil

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Foto: divulgação | Afropunk Bahia
Foto: divulgação | Afropunk Bahia

Pedro Henrique Ribeiro | Omelete

Após a chegada das vacinas da covid-19, os principais festivais de música do Brasil voltaram com força total e Rock in RioLollapalooza e João Rock voltaram a receber o público. Aproveitando o embalo, o Afropunk Bahia decidiu realizar a sua primeira grande edição, com dois palcos e capacidade para cerca de 20 mil pessoas — cerca de seis vezes o número da edição 2021.

O movimento Afropunk nasceu há mais de 15 anos como um documentário sobre o lugar dos artistas negros na cena punk norte-americana. Após a pesquisa para a produção do filme, os criadores perceberam que a solução do problema ia além de denunciar a falta de pessoas negras nos espaços tradicionalmente brancos. Eles então decidiram fazer o seu próprio festival. Originalmente realizado no bairro do Brooklyn, na cidade americana de Nova York, o Afropunk se expandiu e chegou ao Brasil com a cara da cultura brasileira.

Para entendermos melhor as origens do Afropunk Bahia, o Omelete conversou com a diretora de comunicação do festival, Ana Amélia. Na conversa, abordamos o significado do evento para Salvador e para a cultura negra brasileira e o que podemos esperar da primeira grande edição brasileira.

Omelete: Como foi trazer o Afropunk para o Brasil? 

Ana Amélia: Vamos lá! Primeiro, acho que o mais importante é dizer que sempre foi um desejo do Afropunk chegar ao Brasil, na verdade. Não foi o Brasil puxando, embora, obviamente, a gente pudesse fazer isso. Mas os organizadores do Afropunk Global sempre tiveram esse olhar de conectar as diásporas mundialmente. Então, o projeto foi se expandindo. Mas ele [o Afropunk] nasceu como um documentário, há mais de 15 anos para cena punk, quando eles entenderam que a cena punk era muito branca. A partir do documentário, eles viram espaço e nasceu o festival. E esse festival foi crescendo, foi trazendo grandes nome da música e se expandindo. Sempre foi muito importante ter esse olhar no Brasil. 

Por questões internas, eles [os organizadores] acabaram não chegando antes, mas por volta ali de 2018/2019, começaram as conversas com Brasil e o primeiro passo foi escuta. Porque quando a gente está falando da população negra, mesmo que seja mundialmente, são diferentes culturas. O Afropunk gringo chegou no Brasil, montou um grande jantar que a gente fala que foi o “Santo Graal da galera preta”, com nomes diversos do movimento negro, pessoas importantes para diversas áreas culturais, e sentaram para escutar: “e aí, galera. O que é o Brasil? O que é a população preta do Brasil? O que a gente pode fazer para o Brasil? O que a gente pode transformar?” Porque é mais do que um show, né? É um projeto que traz mudanças sociais, que traz várias visões.

E por que ter a Bahia como sede do festival?

Ah! Essa eu gosto [de responder] porque não poderia ser outro lugar. Não poderia não ser na cidade mais negra do mundo fora da África. Chegar no Brasil e não tornar a Bahia a grande sede desse projeto não faria sentido. É a cidade mais negra, é a cidade que tem uma economia criativa gigantesca, mas que nem sempre é aproveitada. A gente tem um foco muito grande dos festivais no país sempre no sudeste no eixo Rio-São Paulo, e é uma das missões do Afropunk fazer economia girar em um local como Salvador. Trazer esses profissionais que trabalham no projeto, nomes tão importantes para cultura, para os grandes festivais. Não precisa se deslocar de Salvador para o Rio ou para São Paulo para conseguir ter seu ápice da carreira. O Afropunk serve também como plataforma para esses profissionais, para construir novas histórias e construir novas narrativas no lugar que é o berço da cultura negra do país. 

Como o Afropunk está impactando a cultura negra no Brasil? 

A gente tem, na verdade, um longo caminho. Quando a gente fala de um festival preto chegando ao Brasil, são várias lutas e etapas a serem vencidas, principalmente quando falamos de algo que envolve renda. Virar os olhares de marcas, os olhares acostumados aos eventos brancos, ao Rock in Rio, ao Lollapalooza… A gente tem que mudar uma estrutura mercadológica de evento para fazer um do porte do Afropunk, em Salvador. Não é em São Paulo, porque se fosse em São Paulo a gente ainda teria dificuldade, mas também teria outras facilidades que em Salvador a gente não encontra. Então acho que o primeiro ponto é esse, a gente fazendo uma Afropunk em Salvador muda uma estrutura de mercado. 

Estamos falando de focar em profissionais pretos. Os profissionais que normalmente não ocupam cargos de liderança [em outros lugares], ocupam no festival. O Afropunk não é a exceção, ele quer transformar em regra. Toda galera que é envolvida, diretora de produção, o diretor criativo, os produtores são sempre profissionais pretos. Esse é o segundo ponto. A gente está mudando também a estrutura [de mercado] desses profissionais. No ano passado, por exemplo, a gente teve trancista, gente envolvida com moda. Pequenos spoilers: a gente vai trazer um pouco de moda, um pouco de gastronomia [preta]. O festival também sempre tem um lado social, no ano passado o lucro foi revertido para três mil pessoas. 

Vocês tiveram apoio público como da Fundação Palmares ou outros órgãos ligados ao governo?

A gente fala que aqui é luta em cima de batalha para fazer acontecer. Obviamente, o setor comercial do festival tem toda uma conversa tanto com marcas quanto com políticas públicas. No ano passado, aconteceu principalmente porque foi abraçado pelas marcas patrocinadoras, né? Então a gente teve três patrocinadores envolvidos. Esse ano também a gente já divulgou a Budweiser, a gente tem mais algumas negociações. Ainda está tendo algumas conversas com outras marcas. Não é o cenário que a gente gostaria de ter, mas a gente acredita que ainda dá tempo [entrevista realizada em 13 de outubro]. É aquela coisa, todo mundo quer quando é hype, né? Quando chega em novembro todo mundo quer projeto preto, mas na hora de coçar o bolso, na hora de fazer o investimento e na hora de entender que o Afropunk que não é só um festival…

Você tá falando bastante da equipe, eu queria saber como funciona essa curadoria para escolher esses nomes?

Então, a gente costuma dizer que é uma grande família que vai se formando. O que a gente mais faz é justamente conectar talentos a projetos. Quando a gente começou a trabalhar com o Afropunk, foi plugando um, conectando o outro… é muito nesse processo porque as pessoas já se conhecem de outros trampos, já estão acostumados a se cruzarem, sair de Salvador, se encontrar em São Paulo. Eles formam aquela família ali, então um vai puxando o outro. A gente obviamente tem alguns processos seletivos e recebe currículo do Brasil inteiro.

Como funciona a curadoria do festival?

E um processo muito coletivo. No ano passado, a gente teve a cantora Larissa Luz assinando a curadoria artística e esse ano justamente como o projeto vai sempre para o coletivo, a gente não tem um curador único, mas um coletivo de pessoas que vão contribuindo. É justamente esse processo coletivo que visa trazer uma line-up que tem a energia do festival. A gente tem gente de fora, tem artistas internacionais, mas o foco também é muito nisso de valorizar nossa arte. Assim que a gente consegue as misturas, ter pagode, funk, gente do Pará, do norte, do nordeste. É uma curadoria feita a quatro, cinco ou seis mãos para ter esse olhar diverso.

O que o público pode esperar do Afropunk Bahia 2022?

O público é a grande estrela Afropunk. O festival é muito mais sobre as pessoas do que sobre um show, é sobre o encontro que acontece no chão. No ano passado, o que era para cem pessoas e acabou se tornando aquele projeto para 3 mil. As pessoas que chegavam ao festival se olhavam e se reconheciam pelas lutas, pelas histórias e pelas redes sociais. Por isso que a gente sempre fala dessa grande roda, desse grande Quilombo, porque acho que o que as pessoas experienciaram é sensação de pertencimento. 

Essa experiência de assistir a um show de Emicida em qualquer lugar do Brasil e assistir a um show de Emicida no palco do maior festival preto do mundo é diferente. Os artistas sobem ali com energia diferente e as pessoas são acolhidas de forma diferente. Então a gente está falando de algo que não é o que costuma existir nos grandes festivais, que têm um grande público branco e constantemente a gente ouve relatos de pessoas pretas que sofreram discriminação ou que não se sentiram pertencentes ao lugar. Acho que é o que a galera pode esperar: isso vezes 20 mil. Porque no ano passado a gente teve 3 mil e já foi incrível, então é imaginar tudo isso numa potência muito maior.

Qual é a expectativa de público para esse ano?

A gente está esperando entre 15 e 20 mil pessoas por dia. O Parque de Exposições é o maior espaço que a gente tem para eventos na cidade, onde Beyoncé já pisou. Então um lugar que já é abençoado pela rainha. É um lugar grande mesmo e a gente está fazendo uma estrutura enorme.

O Afropunk Bahia acontece nos dias 26 e 27 de novembro, no Parque de Exposições de Salvador. O evento será transmitido ao vivo pelo canal Multishow e terá uma edição com melhores momentos exibida na Rede Globo. Entre os talentos confirmados estão os rappers Emicida e Baco Exu do Blues, as cantoras LudmillaMargareth MenezesLiniker e Karol Conká, as bandas Psirico e Black Pantera e muito mais.

Matéria publicada originalmente no Omelete

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