O Acordo de Paris para o combate às mudanças climáticas entrou nesta última sexta-feira (4) em vigor em tempo recorde, menos de um ano depois de ter sido fechado na capital francesa por 195 países, com o desafio de acelerar e incrementar suas ações a fim de evitar os piores impactos do aquecimento global.
A rapidez na adoção, até ontem, por 94 países, cria um momento de empolgação diante de um problema complexo. As emissões de gases de efeito estufa precisam cair drasticamente, mas continuam subindo, enquanto o planeta está cada vez mais quente – a expectativa é que 2016 vai bater o recorde, pelo terceiro ano seguido, como o mais quente desde o início dos registros.
Por outro lado, novos cálculos confirmam que as chamadas NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas) – nome técnico dos compromissos que cada país ofereceu como contribuição ao acordo –, ao serem somadas, ficam bem aquém do necessário para limitar o aquecimento do planeta a menos de 2°C até o final do século. Estão mais distantes ainda do 1,5°C, valor mais desejado para evitar danos aos países mais sensíveis à mudança do clima.
O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) fez nesta quinta o alerta de que o mundo só vai alcançar a meta dos 2°C se fizer um corte adicional de 25% nas emissões de gases de efeito estufa até 2030 em relação ao que já estava previsto para ser reduzido.
O dado consta do Gap Report, relatório que todo ano mede a lacuna entre as ações que a humanidade está tomando para diminuir a quantidade de gases que é lançada na atmosfera e o quanto de fato precisaria estar sendo feito para limitar o aquecimento.
Pela conta, em 2030 todos os países juntos deveriam emitir no máximo 42 gigatoneladas de CO2 equivalente (a soma de todos os gases de efeito estufa convertidos em dióxido de carbono), mas considerando o ritmo de ações atuais e os compromissos assumidos pelos países junto ao Acordo de Paris, a emissão do mundo estará entre 54 e 56 gigatoneladas. Com isso, o planeta fica no rumo de aquecer entre 2,9°C a 3,4°C até 2100, na comparação com níveis de antes da Revolução Industrial.
A rápida entrada em vigor do acordo passa um sinal claro aos países que ainda não o ratificaram, e também a empresas, mercado financeiro e setores que de algum modo estão ligados ao problema, que o mundo está comprometido a resolvê-lo. A expectativa é que também acelere as ações justamente para fazer essa conta fechar.
“É um momento para celebrar. E também de olhar para frente com vontade renovada para a tarefa que temos adiante. Em curto tempo – e certamente nos próximos 15 anos – precisamos ver reduções sem precedentes nas emissões de gases de efeito estufa e esforços inigualáveis para construir sociedades que possam resistir aos crescentes impactos climáticos”, afirmam Patricia Espinosa, secretária executiva da Convenção do Clima da ONU, e Salaheddine Mezouar, ministro das relações internacionais do Marrocos e presidente da conferência do Clima de Marrakesh.
Em artigo que será divulgado nesta sexta, eles lembram que as emissões ainda não estão caindo, “fato de deve estar à frente das preocupações no encontro de Marrakesh” para ser coletivamente resolvido.
Marrakesh
A partir da próxima segunda-feira, a cidade vai sediar a 22.ª Conferência do Clima da ONU, que terá a missão de dar o pontapé inicial nesse processo. Será a primeira oportunidade para as partes que já ratificaram o Acordo de Paris a começarem a decidir como se dará sua implementação. Desse grupo fazem parte os dois maiores emissores do planeta – China e Estados Unidos – e também pesos-pesados nessa discussão, como Índia, União Europeia e Brasil.
Na prática, porém, a entrada em vigor, comemorada como um arroubo de vontade política até então inédita nas negociações de clima – principalmente quando Estados Unidos e China resolveram tomar a dianteira desse processo –, não significa que imediatamente os países começarão a adotar novas medidas para cumprir suas metas de redução de emissões.
O acordo passa agora por um processo burocrático para definir algumas regras do jogo e só então torná-lo de fato operacional. É preciso definir, por exemplo, o conjunto de informações que os países terão de apresentar quando forem comunicar suas NDCs; qual será o mecanismo de contabilidade de avanços; como se dará o mecanismo de mercado e de financiamento (Veja propostas brasileiras para a negociação).
A verdade, afirma o embaixador José Antonio Marcondes de Carvalho, negociador-chefe da delegação brasileira, é que não se esperava que o acordo entraria em vigor tão rápido. Quando foi fechado, em dezembro do ano passado, se considerava que isso só ocorreria em 2020.
“A entrada em vigor marca um momento político favorável e demonstra consenso da comunidade internacional sobre a urgência de ações que devem ser tomadas para combater a mudança do clima”, disse ontem em coletiva à imprensa. Mas não quer dizer que a pressa não foi importante, ressalta. Segundo ele, isso vai acelerar os trabalhos de implementação.
Ao mesmo tempo, diz, é preciso ter uma solução para ações anteriores a 2020, que também estão previstas no Acordo de Paris.
Isso porque quase todos os compromissos que os países apresentaram para o acordo têm como ponto de partida o ano de 2020, para serem cumpridas até 2025 ou 2030. Mas o texto também estabeleceu que antes disso outras ações, ainda a serem definidas, têm de ser feitas, como incrementar compromissos anteriores, voluntários, que foram apresentados em 2009, na COP de Copenhague. “Não temos tempo a perder”, afirmou o embaixador.
Responsabilidade
Para Carlos Rittl, secretário executivo do Observatório do Clima, o principal ganho da entrada em vigor é justamente que a partir de segunda já haverá o primeiro espaço formal para começar a regulamentação.
“Ninguém imaginou que o acordo entraria em vigor em menos de um ano e agora temos quase cem países que já o ratificaram. Imagino que isso vai impor um censo de responsabilidade para tirar o Acordo de Paris do papel”, disse ao Estado. “O que acontece é que nenhum país mais pode se esconder. O acordo é realidade. Os países têm de começar a se preparar.”
Ele lembrou que o Gap Report traz “uma mensagem contundente de que a coisa tá feita” e disse que espera que isso possa de algum modo influenciar as negociações em Marrakesh. “Talvez a conferência impulsione o inventário informal que será feito em 2018”, afirmou.
Rittl se referiu uma checagem que vai ser feita naquele ano para que os países digam se tem condições de aumentar a ambição de suas metas. “Começar a implantar o Acordo de Paris agora pode nos permitir vislumbrar um aumento das reduções de emissões já em 2018.”
Matéria publicada no jornal O Estado de S. Paulo.
Fonte: cidadessustentaveis.org.br