Míriam Leitão: Voo solo

O voo da Embraer para ser parte da indústria global será sempre turbulento, seja qual for a rota. Se virar parte da Boeing, não será em uma simples “combinação dos negócios”, mas sim um processo no qual a grande engolirá a pequena. Se ficar isolada em um mercado, hoje dominado por um duopólio, mas ameaçado pela China, pode ser pequena demais para competir. Para o país, o dilema também não é fácil.
Foto: Gerson Fujiki/ Embraer
Foto: Gerson Fujiki/ Embraer

O voo da Embraer para ser parte da indústria global será sempre turbulento, seja qual for a rota. Se virar parte da Boeing, não será em uma simples “combinação dos negócios”, mas sim um processo no qual a grande engolirá a pequena. Se ficar isolada em um mercado, hoje dominado por um duopólio, mas ameaçado pela China, pode ser pequena demais para competir. Para o país, o dilema também não é fácil.

Não se trata apenas da velha divisão entre nacionalistas e globalistas. O Estado foi a grande alavanca que permitiu o voo da Embraer de São José dos Campos para o mundo. Nasceu estatal com vantagens e subsídios, explícitos ou camuflados, de grande valor. Foi privatizada com financiamento estatal. Continuou voando graças aos benefícios e financiamentos do Estado. É um caso de sucesso empresarial, e de desenvolvimento de tecnologia, mas sem o incentivo do dinheiro coletivo não teria chegado onde chegou.

Contudo, é uma empresa privada e deveria estar livre para tomar as decisões que fossem melhores da perspectiva dos seus acionistas. Mas, como é uma empresa especial, o governo, ao privatizá-la, conservou a golden share. É uma única ação, mas dá superpoderes a quem a possui. A União pode, por exemplo, vetar uma troca de nome ou de logomarca da empresa. Também pode impedir que sejam criados ou alterados programas militares que envolvam o Brasil ou que terceiros sejam capacitados para operar tecnologia militar brasileira. O controle acionário da empresa só pode ser transferido com o aval da União, que também precisa permitir que seja feita qualquer oferta pública de ações.

Dos 11 membros do conselho de administração, um deles é indicado pela União. Dois deles são indicados pelos empregados da companhia; e oito pelos demais acionistas.

Do total de ações da Embraer, 51% estão negociadas na Bolsa de Nova York, ou seja, mais da metade do seu capital já está nas mãos de estrangeiros. A maior participação individual, 12% das ações, segundo a SEC (US Securities and Exchange Commission), a CVM americana, é do fundo Oppenheimer, um dos maiores fundos de investimentos americano. Logo após vem o Brandes Investment Partners, também americano, com 7,73%.O BNDES aparece em terceiro lugar, com 5,36%. Mas a maior parte das ações, 74%, está pulverizada nas mãos do mercado, no Brasil e no exterior.

O mercado de jatos regionais tem uma disputa ferrenha entre a Embraer e a Bombardier. Mas há iniciativas de países como China, Rússia e Japão para avançar sobre ele. A Bombardier acaba de ser comprada pela Airbus. Por isso já se esperava que a Boeing tentasse comprar a Embraer. O professor da UFRJ Respício do Espírito Santo, especialista no setor, acha que a Boeing deve estar interessada em duas unidades de negócios da Embraer: a de aviões comerciais e a de aviões executivos.

— Não acho que haveria interesse na unidade de defesa, porque a Boeing já é muito forte nisso e não teria muito o que ganhar. É importante entender que cada unidade é uma empresa diferente dentro do grupo, com CNPJ, CEO e conselho diretor diferentes. Então a Boeing não compraria a Embraer, mas uma unidade da empresa — afirmou.

O professor define como “um atraso de mentalidade” dizer que não se pode vender a Embraer para uma empresa estrangeira:

— A holding da Embraer já é uma empresa mundial, a maioria do capital é negociada no exterior e por isso a Boeing poderia comprar ações da empresa na Bolsa de Nova York e passar a ser majoritária.

O fato é que se a Boeing comprar a Embraer ou algumas de suas unidades, ela vira um apêndice da empresa americana. Se o governo brasileiro usar o seu poder para tentar impedir o negócio, pode ser inútil, porque o controle de uma empresa com capital tão pulverizado, em que os dois maiores acionistas são fundos americanos, nem é fácil determinar. Se ficar sozinha, a Embraer pode não aguentar a competição nos próximos anos com a entrada forte da China nesse mercado. Os próximos dias definirão a natureza dessa “combinação de negócios” que está sendo discutida entre as duas empresas.

(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)

 

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